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domingo, 17 de maio de 2015

Perdido



Eu era um simples cão. Não tinha raça, nem pedigree, não tinha nada. Era simplesmente um cão.
Era mais um de uma ninhada de cinco, o último por acaso e já não esperado, porque atrasado como fui, julgavam que a cadela que era a minha mãe já tinha deitado tudo cá para fora, como ouvi alguém dizer na altura do meu nascimento. Era, talvez por isso, um ser minúsculo e muito insignificante. Foi fácil para todos os meus irmãos e irmãs serem apreciados e de imediato escolhidos pelas crianças que visitaram o canil, onde nos encontrávamos. Pois, esqueci-me de dizer, a minha mãe tinha sido recolhida da rua, era uma vadia. Não foi abatida porque estava prenha.
Eu via-os dizerem-me adeus um a um, com aquela alegria no olhar de quem encontrou a sorte e sentia-me cada vez mais triste, mais sozinho, abandonado e muito, mas mesmo muito perdido e antevendo já o meu triste destino. As longas horas pareciam eternas e os gritos daqueles que partiam, não escolhidos pelos humanos que nos visitavam, mas pelos que ali trabalhavam, aliados aos silvos estridentes daqueles que chegavam, ecoavam nos meus ainda débeis ouvidos. Queria sair dali, mas ainda era tão dependente e mesmo que o não fosse, nunca o iria conseguir. Porém, de que me estava a queixar?! Afinal, aquilo que eu escutava dos outros não podia ser verdade, pois eu até estava a ser bem tratado, tinha sempre o leite não da minha mãe, pois ela morrera durante o parto, devido ao estado em que se encontrava, mas dado de um biberão por uma senhora muito simpática, a Dra. Sara.
Eu já não a vi viva e nem a cheguei a ver. E, se me perguntam se tenho saudades dela, nem sei dizer, pois a verdade é que nunca a conheci. Contudo, lembro-me bem do quentinho dela.
- Eu quero aquele, papá.
- Adriana, aquele é tão pequenino e nem tem raça nenhuma. Afinal tu sempre desejaste ter um cão labrador e aquele não tem nada a ver com eles.
- É aquele que eu quero. - insistia a criança.
- Tudo bem, mas depois não te arrependas, isto não é um boneco, é um animal e é para a vida.
Era por causa de mim que aqueles humanos estavam a discutir. Parei os meus pensamentos e tomei atenção ao que estavam a dizer, mas… afinal devia ter ouvido mal. Pois viraram-me as costas e foram embora. Claro, como poderia alguém escolher-me? Eu nem sequer era vistoso e bonito como os meus irmãos. Era bem mais pequenino. Sim, tinha que me mentalizar que iria ter o destino daqueles que eram trazidos para ali e que iam para a “chacina” como diziam, embora eu ainda não percebesse muito bem o que queria dizer.
Estarei a ver bem?! Eles estão a voltar com o encarregado e não é possível! Estão a abrir a minha jaula e … o que é isto?! Ah! Como é que o humano lhe chamou mesmo? Adriana, Adriana. A Adriana está a pegar em mim ao colo e, e, e … uau! Sabe tão bem! Tão bem que me apetece lambê-la.
- Olha, pai, ele gosta de mim. Ele já me adotou. Está feliz comigo. Está a dar-me beijinhos.
Naquele dia nasci outra vez e a minha felicidade não ficou por aí. Continuamos juntos. Aliás, eu e a Adriana somos inseparáveis.
Perdido? Nunca mais me senti, mesmo agora que já começo a ficar mais velhote, pois os anos para os cães pesam mais que nos humanos e já lá vão quase dez!
Adriana Matos, O Ciclista

Nota:
Imagem retirada da Internet.

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