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domingo, 31 de outubro de 2021

O Poder do Mundo dos Livros

Num mundo longínquo e numa realidade distante, crescia um menino. Um menino conhecido por Letra, cidadão de um reino cinzento, dominado pela nostalgia. Mas nem sempre fora assim. Outrora, este reino era reconhecido pela sua alegria e fascínio pelos livros. Por todas as ruas e recantos ouviam-se histórias lidas por miúdos e graúdos. Era como se as pessoas e aquele mundo ganhassem vida através da leitura.

- Avô, avô! - gritou, entusiasmado.

- Acalma-te, Letra! O que me queres desta vez? - inquiriu, serenamente o avô.

- Tenho curiosidade em saber o que é um livro. Aqueles livros de que me falas com tanto apreço e saudade.

  - Não fales disso! Esse assunto não é mais permitido, mas eu mostro-te uma página rasgada que guardei daqueles bons tempos. Sabes...naquela altura até achávamos que os livros tinham poderes. - comentou, tirando a folha duma caixa velha e dando-a ao neto.

Letra ficou profundamente fascinado com aquela folha, apesar desta já apresentar sinais de tempo. Os olhos daquela criança encheram-se de encanto ao ler as palavras nela escritas. Era como se estivesse a descobrir um mundo novo que lhe despertou um maior interesse à volta dos livros.

- Avô, será que posso ficar com ela? - juntou as mãos, suplicando.

- Esta folha é uma relíquia para mim, mas a tua felicidade é um bem maior! - diz isto, concedendo o pedido ao seu amado neto.

Letra, por sua vez, saiu a correr entusiasmado e foi precisamente ao encontro da sua amiga Sílaba.

- Olha o que eu tenho aqui! Aposto que nunca viste uma igual! É um verdadeiro tesouro!...- exclamou ele, entrando repentinamente na casa da amiga.

- Mostra-me logo, não faças suspense!

- Não aqui! Este assunto é secreto...vamos para a casa da árvore.

Quando chegaram junto da casa da árvore, Letra mostrou-lhe a folha.

- O que são estes rabiscos? Tanto alarido para me mostrares um desenho teu?! - indagou a amiga.

- Ah! Esqueci-me que sou o único menino a saber ler neste reino! Graças ao meu sábio avô que sempre me ensinou aquilo que ele sabia e lembrava de quando ainda havia... - calou-se ao lembrar que aquele assunto não era permitido.

- Mas, afinal, o que está aí escrito, Letra?

- “Os mais velhos tudo sabem!”. No caminho vinha intrigado a pensar no que isto poderá querer dizer, mas, até agora, não encontrei resposta.

- Quem te deu isso?

- Foi o meu avô!

- E será que ele nos consegue explicar esse enigma? Se ele tinha a folha, pode muito bem saber o significado disto!

Eis, então, que saíram apressadamente dali para irem ao encontro do avô a fim de lhe pedirem ajuda. Ao chegarem, interrogaram-no e suplicaram que este lhes explicasse tudo o que sabia sobre aquele papel antigo. O avô suspirou, ao lembrar-se de como era o reino antigamente e de como ele era agora, naquele momento. Eram, pois, lembranças que o amarguravam e que lhe causavam um sentimento de revolta para com o vilão, agora rei, Analfabeto.

Analfabeto havia usurpado o reino ao anterior monarca Enciclopédia. Fora uma guerra travada ao longo de vários anos e, após a derrota, o rei Enciclopédia refugiou-se no Mundo dos Livros para livrar-se da ira do vilão.

Aquando da posse da coroa, Analfabeto proibiu a prática da leitura e o uso dos livros e ordenou que estes fossem banidos do reino. Demandou, então, que fossem retirados todos os livros de todas as casas.

-Era apenas uma criança e ainda me recordo da guarda real a entrar na minha casa subitamente, para confiscar todos os livros que guardava. Num ato desesperado, arranquei essa folha do meu livro preferido para a guardar, pois não sabia nem sei se, algum dia, voltarei a ler e a sentir a alegria dos livros.

- Espero vir a saber o que é um livro. Mas lembra-se do que essa frase quer dizer? - perguntou Sílaba, melancolicamente.

- Se bem me recordo, a personagem principal dessa história estava à procura da passagem secreta para o Mundo dos Livros. As pistas apontavam que esta estaria próxima das ruínas dos Três Sábios que foram os criadores do primeiro livro. Eram homens cultos, já de idade, e que sabiam um pouco de tudo.

- E conseguiu encontrá-la? - interrompeu o neto, com euforia.

- Não cheguei a acabar de ler o livro. Mas se existem as ruínas, por que razão não existirá a passagem secreta?!

Letra, nesse mesmo instante, olhou para Sílaba que, de forma perspicaz, entendeu a intenção daquele olhar. De seguida, as duas crianças agradeceram a ajuda do avô e saíram a correr em direção ao monumento dos Três Sábios. Quando finalmente encontraram o destino, Sílaba questionou:

- E agora? Por onde começamos a procurar? - olhando à sua volta a imensidão de arvoredos.

- Hum! Também não sei...na folha do avô está escrito: “Os mais velhos tudo sabem!”.

Dito isto, moveu-se uma rocha como se fosse magia, abrindo-se um caminho desconhecido. Letra e Sílaba aventuraram-se e seguiram-no sem saber para onde este os levaria.

Passado algum tempo a caminhar, os dois amigos encontravam-se exaustos e prestes a voltar para casa, pois achavam que aquele percurso não tinha saída. Letra, desanimado e enfadado, num ato de revolta, pontapeia uma pedrinha que se encontrava no caminho. Já decididos a desistir, voltam-se para trás e são surpreendidos por uma estranha figura. Era uma espécie de gnomo vestido com uma capa azul, numa mão tinha uma pena e, na outra, uma folha em branco. Letra e Sílaba ficaram boquiabertos perante aquela personagem e não se atreveram a dizer uma única palavra.

- Caros jovens, o que vos traz por aqui?

As crianças, assustadas, olharam uma para a outra, sem saber o que responder.

- Es-es-ta-ta-mos à pro-pro-cura … - dizia Sílaba, gaguejando, quando é interrompida pelo gnomo.

- Não se apoquentem, não vos farei mal … podem ver-me como um bom e velho amigo! Digais-me o que quereis?

- O meu avô ofereceu-me esta página rasgada do seu livro favorito em que o protagonista se aventurou em busca de um acesso oculto para o Mundo dos Livros e ...

Nesse preciso momento, Letra calou-se perante um olhar reprovador de Sílaba.

- Para quê tantas explicações, Letra?!… vai direto ao assunto.

- Estamos à procura do Mundo dos Livros. Por acaso, sabe onde fica a passagem?

- Posso-vos dizer que estão no caminho certo! – exclamou a criatura, abrindo um sorriso.

- Estamos a algumas horas a tentar descobri-la. Será, então, que nos poderia ajudar? - interrogou Sílaba, impaciente.

- Eu sou o caminho!

- Sendo assim pode guiar-nos até lá? - perguntou Letra, curioso e intrigado com a resposta que tinha acabado de ouvir.

- Antes têm de mostrar que são dignos de entrar neste mundo! Terão que responder corretamente a um oráculo para que as portas se abram.

- Que venha ele! - exclamou Sílaba, com esperanças de finalmente encontrarem o destino.

- Estão preparados? Apenas têm uma oportunidade.

Os dois amigos acenaram com a cabeça, afirmando que sim.

- “Tem cinco letras e com eles podem ir a qualquer lugar através da vossa imaginação!”.

Após estas palavras, Letra e Sílaba reuniram-se durante breves instantes para desvendarem aquele enigma.

- O vosso tempo está a escassear! Apressem-se! “Tic...Tac...Tic...Tac!”.

Os dois jovens, após chegarem a um consenso, responderam convictamente:

- Livro... a resposta é “Livro”!

- As pistas desta folha rasgada trouxeram-me até aqui e é apenas uma folha retirada de um livro...imagino até onde não nos poderá levar um livro completo! - constatou Letra, de forma pensativa.

Ao ouvir tais palavras, o pequeno gnomo espantou-se com a astúcia destas jovens crianças pois, apesar de nunca terem contactado com um livro, reconheciam o valor e o poder dos mesmos. Como tal, este decidiu presenteá-las com uma visita pelo reino e, por fim, um encontro com o monarca daquele mundo, o rei Enciclopédia. Para dar início a esta surpresa, escreveu na sua folha “Os mais pequenos também sabem!” e, mais uma vez, magicamente, abriram-se os portões do grandiosíssimo Mundo dos Livros.

No caminho até ao Palácio da Leitura, Letra e Sílaba ficaram maravilhados com o esplendor daquele reino, sem suspeitarem para onde estavam a ir. Pelas ruas era frequente ver pessoas radiantes a ler um livro, embora ainda não soubessem bem o que era. Todo aquele mundo, quase que imaginário, estava repleto de livros, os rios levavam folhas soltas, as folhas das árvores eram livros e os telhados das casas eram livros abertos, como que inspirassem os habitantes. Tal como no reino do Analfabeto, a população precisava de ar puro para viver, também naquele reino as pessoas “inspiravam” livros.

Os dois amigos foram, então, levados até ao rei Enciclopédia que, ao vê-los chegar, interrogou Letra e Sílaba sobre o seu reino de origem. Estes contaram de onde eram e para que vieram.

- Quando ouvimos falar deste mundo, ficamos deveras empolgados com a ideia de conhecê-lo. Torna-se cada vez mais real o meu sonho de aprender a ler! - suspirou Sílaba.

- Eu posso conceder-te esse desejo! Deixo-te à disposição toda a minha biblioteca e os meus melhores mestres para te ensinarem a ler! - exclamou Enciclopédia, orgulhoso por poder ser útil e por incentivar, ainda mais, estas crianças para o gosto que partilham.

Sílaba ficou encantada e empolgada por conhecer aquele pequeno mundo dentro do palácio.

- E tu, meu rapaz? Posso fazer algo por ti?

- Felizmente, ler eu já sei! Ainda assim, não tive nenhum contacto com livros. O pouco que sei sobre eles deve-se às boas lembranças que o meu avô partilha comigo dos tempos em que estes ainda eram permitidos no reino onde habito. Portanto, gostava de descobrir os meus amigos livros, ler uma história do início ao fim e criar as minhas próprias recordações.

Passados alguns dias, mergulhados naquele paraíso, Letra já tinha lido tantos livros quantos os que o Palácio da Leitura acarretava. Sílaba, por sua vez, era agora uma exímia leitora que também passava os seus dias a ler. Hipnotizados por aquele sonho, agora concretizado, os dois amigos já não queriam voltar ao reino sombrio onde cresceram. Contudo, estes concordaram em voltar às suas casas determinados em devolver a alegria dos livros ao seu mundo.

O rei Enciclopédia decidiu ajudá-los nesta aventura, concebendo ao Letra o dom da escrita e, à Sílaba, o da criatividade, para que em conjunto estes pudessem criar histórias e distribuí-las pela população com o fim de a contagiarem com o amor pelos livros e, posteriormente, pela leitura destes.

- Antes de partirem, quero dar-vos um último presente! Guardem-no bem, pois será crucial num momento funesto. Uma vez pronunciado em voz alta, surpreender-vos-á o poder destas simples palavras.

- De que se trata? - interveio Sílaba, dominada pela curiosidade.

- É um poema retirado de um dos tantos livros da minha biblioteca! Mas não foi de um livro qualquer...foi do primeiro livro escrito pelos Três Sábios. - proferiu ternamente, enquanto entregava o poema ao Letra.

De seguida, as crianças despediram-se do rei e do gnomo e retornaram a casa.

- Avô, avô! Aquela folha era mesmo especial! Levou-nos até ao Mundo dos Livros!

- Contem-me tudo o que viveram! Há tantos anos que não ouço uma boa história.

Os três passaram assim a tarde a conversar sem sentir o passar do tempo. Reviveram com o avô as aventuras que experienciaram e revelaram o seu desejo de devolver àquele mundo a alegria que lhe foi roubada quando lhe tiraram os livros.

Todavia, os planos destas crianças tiveram de ser adiados, quando, dias depois, Letra adoeceu, ficou de cama e nada melhorava o seu estado. Os seus ínfimos momentos de felicidade eram quando Sílaba o visitava e criava histórias para o animar. Numa dessas regulares visitas, a amiga recordou-se do poema oferecido pelo rei Enciclopédia e perguntou se Letra já o tinha lido e este respondeu negativamente. Sílaba sugeriu, então, que o lessem.

- Onde o guardaste?

- Guardei-o dentro da caixa velha do avô para não o perder. Podes ir buscar, por favor?

- Aqui tens! Lemos juntos?!

À medida que pronunciavam cada verso, Letra foi melhorando progressivamente, até recuperar por completo o seu bem-estar. Para além de ter reposto a saúde ao Letra, aquele poema, como que por magia, acabou com o domínio do Analfabeto e voltou a unir os dois reinos anteriormente separados num só. Por mais uma vez, os livros mostraram todo o poder que possuem.

Letra e Sílaba começaram a dedicar-se diariamente à escrita. Sílaba, com a sua invejável criatividade, elaborava as melhores peripécias e Letra, com o seu talento para a escrita, redigiu com mestria as novas histórias pensadas pela amiga. Por último, passaram a distribuir os seus livros por todo o reino, influenciando, assim, os restantes habitantes a também desenvolverem aquele gosto pela leitura.

Enciclopédia voltou a ocupar o seu trono e, no dia da coroação, decidiu devolver os livros àquele mundo, agora denominado “Reino do Livro e da Leitura”.

- Hoje, com os poderes que me foram concedidos, nomeio-te Sílaba guardiã do Palácio da Leitura, para poderes preservar todos os livros de hoje em diante.

Sílaba fez uma vénia e agradeceu.

- Letra, meu caro rapaz aventureiro, a ti, concedo o mais importante dos cargos do reino. Pois, a partir de agora, serás o guardião da magia dos livros. Por seres um menino tão pequeno, mas tão grande em valores, passarás a chamar-te Texto.

- É com muita honra que recebo este voto de confiança! - disse Letra emotivamente.

Após esta lição memorável, Letra e todos os habitantes daquele reino, tiveram a única certeza de que, enquanto houver uma pessoa que acredite na magia e no poder dos livros e da sua leitura, estes estarão vivos em cada um de nós, podendo assegurar a alegria perpétua deste nosso mundo.

Ana Bárbara Vasconcelos Miranda e Bárbara Pereira Cerca, 11.º C | Escola Básica e Secundária de Anadia

 

sábado, 30 de outubro de 2021

A velha árvore sábia

Era uma vez uma árvore muito grande, muito velha e muito só. Os pássaros daquela região não queriam fazer ninho numa árvore assim. O que eles queriam era árvores novas, bonitas e carregadinhas de frutos deliciosos.

Ora, esta árvore, mesmo estando a cair de velha, tinha um dom que mais nenhuma árvore daquela região tinha: o dom da sabedoria. Quando ainda era nova, bonita e quando ainda estava carregadinha de frutos deliciosos, um velho, vindo não se sabe de onde, sentava-se bem encostado à árvore e lia em voz alta histórias verdadeiras e imaginárias, fábulas e poemas, então, pouco a pouco esta árvore foi aprendendo a ler. A árvore foi crescendo, quer em tamanho, quer em sabedoria e, a cada ano que passava, foi ficando mais só por ser tão velha. E quanto mais só ficava, mais reparava nas coisas que aconteciam à sua volta. Reparou então que cada vez havia menos crianças a brincar na rua e cada vez havia menos crianças a ler. A árvore, embora sábia, não conseguia perceber porquê. Decidiu investigar. E percebeu que as crianças se sentiam cada vez mais atraídas por umas estranhas maquinetas a que se dava o nome de telemóveis. Também reparou que, embora estivessem divertidas com aquelas maquinetas, as crianças tinham um ar cada vez mais triste e abatido e não ligavam a ninguém à sua volta.

A velha árvore sábia, que sabia muitas histórias, ficou confusa ao ver como as crianças já não faziam caso dos livros. Os livros fascinavam-na tanto! As aventuras faziam o seu coração de árvore bater mais depressa, os poemas traziam-lhe lágrimas aos olhos; aos olhos… como quem diz! As histórias verdadeiras faziam-na ficar incrédula e a melhor parte disto tudo era, sempre que lia um livro, parecer que também ela fazia parte da história. Via tudo o que estava a acontecer na história à sua frente como num filme… Até melhor do que num filme!

Estava ela a pensar nisto tudo, quando de repente um rapazinho passou por ela a correr.

- Meu menino, – chamou a árvore numa voz rouca e profunda, - Vem cá falar um pouco comigo!

O rapaz, que estava com pressa para ir jogar jogos no telemóvel, nem sequer a ouviu.

- Vem cá! – insistiu a árvore.

Desta vez o rapaz ouviu, e, embora contrariado, foi sentar-se ao pé da árvore. A velha árvore sábia, com a sua voz rouca e profunda, decidiu então contar-lhe uma das suas histórias preferidas. Era uma história muito bonita de uma menina, que todos pensavam ser órfã, que procurava a mãe sobre os telhados de Paris. O rapaz que tinha ido ter com a velha árvore, já esquecido do telemóvel, ouvia a história com um brilho nos olhos e um sorriso rasgado. Que bonita era a história! E que bem que a árvore a contava! No fim da história, o rapaz abraçou a árvore muito contente e foi a correr a casa chamar a mãe, o pai, os irmãos e os amigos. Ao fim do dia, a árvore estava rouquíssima de tanto contar histórias e as crianças estavam muito felizes.

A partir de então, a árvore nunca mais se sentiu só, pois todos os dias um grupinho de crianças se sentava ao seu lado para ouvir mais histórias. E os passarinhos, talvez atraídos pelos sorrisos das crianças, passaram a fazer os seus ninhos nos ramos desta velha árvore sábia.

Maria Lúcia Power, 7.º ano | Escola Básica e Secundária de Anadia

 

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

A Magia dos Livros

Era uma vez uma menina chamada Constança. Era muito linda, tinha os cabelos louros, os olhos azuis e umas sardas castanhas. No entanto, não gostava nada de ler, preferia jogar no telemóvel e mandar mensagens às amigas.

A professora de Português, fazia tudo para ela ler um pouco todos os dias, mas era inútil!

Um dia a professora fartou-se, fechou-a numa sala sem o telemóvel para ela ler um pouco. Constança abriu o livro e pensou “Isto é tão aborrecido!…”

  O livro falava da magia dos livros, e como era importante ler. Constança fez um esforço, começou a ler e algum tempo depois já não conseguia largar o livro. Parecia que quando lia se formava uma bolha e ninguém podia entrar nessa bolha, era só ela e o livro.

  Certo dia, a menina foi ler mais um bocadinho. De repente, o livro começou a transformar-se num furacão e a puxá-la para dentro e ela acabou por lá entrar. Quando lá chegou, ficou encantada, parecia que estava no paraíso! Aquele lugar tinha uma cascata gigante com água límpida e uma floresta muito colorida, pois naquele lugar era sempre primavera. Passado um pouco apareceram fadas e bolas de sabão. A menina não conseguia acreditar no que estava a ver! Até que ouviu uma voz longínqua que a chamava:

  -  Constança…

  -  É a minha mãe! – exclamou ela.

  Resolveu ir falar com uma fada, mas aquelas fadas não falavam! Então pensou que para abrir o portal e poder sair tinha de ler o livro até ao fim. Encostou-se numa pedra macia e cinzenta e continuou a ler...

  Quando terminou de ler o livro, a cascata começou a fazer um remoinho e ela sem pensar mergulhou, acabando por chegar ao seu quarto, seca e em bom estado.

  Passado um mês a professora perguntou-lhe o que é que queria ser quando fosse grande e ela respondeu que queria ser escritora.

Jacinta Ferreira Sebastião, 5.º A | Escola Básica de Vilarinho do Bairro

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Um dia de Sol

Um dia eu fui apanhar sol para o meu jardim. Vi uma luz bem lá no fundo e resolvi ir ver o que era. Quando lá cheguei ouvi uma voz fina que dizia:

- Entra no portal mágico…

Então resolvi entrar. Desci por um escorrega, estava escuro e fazia eco. Comecei a ver uma luz e caí numa relva macia.

Quando olhei em frente, vi que era um paraíso onde só havia livros. Aproximei-me de um, ele era castanho, tinha contracapa cor de laranja e o título dizia “A girafa mágica”. O livro perguntou-me:

  - Precisas de ajuda?

 - Sim, por favor! – respondi.

 - Vem comigo. - disse o livro.

Fomos até um cogumelo gigante que tinha uma porta vermelha.

- Mas onde é que eu estou?

- Estás na “Livrolândia” - disse o livro.

- E como é que saio daqui?

- Vamos ver.

Passeámos por florestas, praias, vilas e não encontrámos maneira de eu poder sair. Até que ele se lembrou do Sr. Jorge, o melhor feiticeiro da “Livrolândia”. Fomos ter com ele e ele disse:

- Só há uma forma de ela regressar.

- Qual? – perguntei muito ansiosa.

- Da forma que entrou.

Então fomos a correr para o portal.

Despedi-me e sem querer o livro beliscou-me. Não me lembro de mais nada, só de acordar na minha caminha.

 Mafalda de Jesus Gonçalves, 5.º A | Escola Básica de Vilarinho do Bairro

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

A menina que sonhava ser astronauta

Todas as noites, a mãe da Maria da Luz lhe contava uma história antes de dormir e ela adorava aquele momento. Maria da Luz, era uma menina com uma grande imaginação e, certo dia, enquanto a mãe lhe contava a história de Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar a Lua em 1969, a menina interrompeu a mãe para lhe dizer que, um dia, também ela iria pisar a Lua.

Durante essa noite, sonhou que ela própria construía o seu foguetão.

E o sonho parecia querer tornar-se realidade. No dia seguinte, acordou cheia de energia, tomou um pequeno-almoço bem reforçado e arregaçou as mangas para começar a reunir todo o material necessário para a construção do seu foguetão.

Maria da Luz, decidiu que ia construir um foguetão amigo do ambiente. Ia ser uma nave feita apenas com materiais recicláveis, seria um eco foguetão.

Já no jardim de sua casa e acompanhada do seu melhor amigo, um coelho branco a quem dera o nome de Plutão, começa a dar forma à sua invenção. Era um projeto pensado ao pormenor, afinal, era aquele foguetão que a ia levar a pisar a Lua. Foram necessários quatro dias para dar por concluída a obra e, no final, sentiu um orgulho imenso. Como ela estava radiante! Tapou o seu foguetão com um pano branco e foi a correr chamar os seus pais. Pediu-lhes que tapassem os olhos e conduziu-os ao jardim. Contou até três e destapou a sua invenção. Os pais ficaram boquiabertos com o que estavam a ver. Estavam cheios de orgulho da capacidade de imaginação de sua filha. Deram-lhe um grande abraço e os parabéns por conseguir sozinha fazer uma obra de arte daquelas.

Já era noite, entraram para jantar, Maria da Luz não falava de outra coisa que não fosse no seu eco foguetão e de como estava ansiosa por poder brincar nele e poder, de forma imaginária, pisar a Lua. Ia ser a primeira mulher a pisar a Lua, dizia ela cheia de convicção.

Nessa noite, ainda a mãe da Maria da Luz não tinha começado a ler a história já a menina dormia profundamente. Afinal tinham sido quatro dias de muito trabalho.

Chegou mais uma manhã. Lá fora ouviam-se os passarinhos a cantar e um raio de sol muito luminoso espreitava pela janela do quarto da pequena sonhadora. Com um olho aberto e outro fechado, olhava para o relógio: eram sete horas, ainda muito cedo, pensava ela. Mas, logo de seguida, diz em voz baixa para o seu amigo Plutão:

- Não aguento esperar mais!

Saiu da cama a correr para se despachar com as suas tarefas e poder ir brincar o mais rápido possível no seu foguetão.

Na casa, onde morava, existia um quarto encantado, cheio de fantasias. Procurava num dos baús se existia algum disfarce de astronauta. Depois de muito vasculhar lá encontrou um casaco prateado, umas botas, que mais pareciam umas botas da neve, também elas prateadas, e um capacete, que era um antigo aquário.

Estava, então, pronta para embarcar na aventura.

Saiu porta fora, sentou-se ao comando do seu foguetão, ao seu lado colocou o seu amigo Plutão, e começou a aquecer os reatores da sua máquina. Ia começar a sua viagem. A menina sabia que do planeta Terra até pisar a tão afamada Lua tinha de percorrer uma enormíssima distância, que seria aproximadamente igual a uma torre de quarenta milhões de biscoitos. Os motores estavam quentes, era hora de descolar. Fez a contagem decrescente e lá foram eles.

À sua frente tudo era mágico, estava encantada com o que via. E em 3, 2, 1 era hora de aterrar em solo lunar. Interrogava-se sobre a razão de a Lua aparecer umas vezes mordida, outras em círculo, umas vezes mais escura outras iluminava a Terra como se fosse dia. Mal sabia ela que na Lua existia um guia turístico que lhe ia responder a todas as suas dúvidas.

Ficou assim a saber que a Lua era um satélite natural da Terra e que era iluminada pelo Sol. Que girava em torno da Terra e por isso nem sempre a víamos com a mesma forma. O guia explicou à menina que existia um ciclo lunar que era ele o responsável por dar origem às quatro fases da Lua e que demorava cerca de vinte e oito dias a estar completo. De vez em quando, o Sol, a Terra e a Lua ficavam alinhados e que isso dava origem aos eclipses. Explicou-lhe também que a Terra girava em torno de si mesma e que dava origem à noite e ao dia, demorando 24 horas para dar uma volta completa. Para concluir, informou-a que existia outro movimento onde a Terra girava em torno do Sol e que demorava um ano, dando origem às 4 estações do ano.

A menina estava cada vez mais encantada com tudo aquilo que estava a aprender. Que aventura! - pensava ela. E, enquanto saltitava naquele lindo satélite, questionou o guia do porquê da existência daqueles buracos no chão, e ele, com um sorriso no rosto, explicou-lhe que aqueles buracos se chamavam crateras e eram provocados pelas chuvas de meteoritos que colidiam com a superfície da Lua.

Olhou para o seu relógio e deparou-se com o passar das horas. Era tarde e tinha de voltar para casa. Despediu-se do guia e disse-lhe que um dia havia de voltar, queria aprender mais E, num piscar de olho, estava de volta à realidade.

A mãe da menina chamou-a dizendo que eram horas de jantar. Maria da Luz estava ansiosa por contar aos pais como tinha corrido o seu dia na Lua e durante todo o jantar não parou de falar, estava radiante e ansiosa por poder partilhar com os seus amigos da escola tudo o que tinha aprendido na sua superaventura realizada nos dias de confinamento.

Já na cama, como todos os dias, a mãe de Maria da Luz sentou-se à sua beira para contar a habitual história, mas desta vez, quem quis falar foi a Maria da Luz que voltou a recordar toda a aventura que tinha vivido naquele dia.

Antes de fechar os olhos, deu um beijo ternurento à sua mãe e com um grande sorriso no rosto disse que um dia havia de ser astronauta.

“Nossa imaginação cria asas enquanto nossos sonhos voam” – Joaquim Gomes Alves.

Petra dos Anjos Martins, 4.º C | EB1 de Moita

 

 

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Fragmentos de Dor e Amor

Naquele lugar, remoto e tradicional, onde sempre chovia, ninguém era feliz. Os seus habitantes deambulavam pelas ruas, aos encontrões sem se importarem com ninguém. Cada um estava preocupado com a sua própria infelicidade. Nele não havia quem dormisse, as insónias assolavam a população ao extremo; mal se comia e, apesar das belas frutas e vegetais que a terra oferecia, a vontade de os ingerir era pouca.

Um dia, em vez de chuva, o lugar foi abençoado pelos céus com um único e suave raio de sol.

Aquele belo louro que passava pelo mesmo passadiço que o dia anterior, parou, endireitou-se e olhou para o leve raio amarelo que descia à planície. Quem era ele? Nem ele sabia. Não sabia nada de si, para além do seu nome e da tristeza que o completava. Levou a mão aos olhos de forma a resguardá-los de tanta luz, não estava habituado. Por entre os seus longos e magros dedos vislumbrava um mundo brilhante. Onde estava? Desobstruiu por completo a sua visão e viu. Viu um mundo diferente do seu, o cinzento escuro e o preto que antes o rodeavam eram agora uma pequena mancha no imenso cardápio de cores que presenciava. As janelas refletiam cores claras e tranquilas e brilhos de existências não presentes; os restos de chuva nas beiras das estradas brilhavam e, agora, até as suas ondulações transmitiam calma; os prédios que o apertavam eram cinzentos claros, mas mesmo assim, pareciam perfeitos para se viver. Não tinha palavras para descrever o seu estado de espanto, mas sentia as suas bochechas quentes e já não sabia se era do seu próprio corpo, se do raio de sol. E, subitamente chorou, chorou com todas as suas forças, agachado naquele chão ainda húmido, e deixou que um sorriso lhe rasgasse o rosto. Talvez estivesse feliz. Quando se sentiu recomposto, limpou a face e ao olhar para cima, perguntou:

- Tu, quem és tu que me permites saborear a beleza da felicidade?

Ninguém lhe respondeu. Mas, perante si, estava agora um homem alto de cabelos castanhos escuros, sentado na sua cama, com uma expressão serena e um tímido sorriso. Ficou enfeitiçado. Era um ser magnífico e só a sua presença o fazia querer explodir do misto de sensações que o invadiam. Não sabia o que era, não sabia o que queria, não sabia nada, mas estava feliz. Sorria e parecia que não existia nada que conseguisse destruir o deleite da sua alma. Mirou as suas mãos e respirou fundo e, escondendo o seu rosto, suspirou.

- Oh, belo ser que me fascina…

Ao abrir novamente os olhos, não havia nada além de branco. Tudo era branco, as paredes, a porta, a pequena cama, o teto e até o chão. Mas havia algo de cor intensa. Por baixo de si estava uma poça vermelha crescente. Voltou a olhar para a frente, quando a sua mente se apagou e sentiu o frio tomar conta de si…

Viu-se preso, emaranhado num profundo novelo de lã vermelho. O seu pescoço estava apertado com uma fita vermelha clara que se estendia por aquela imensidão. Decidiu caminhar. Andou até as suas pernas lhe doerem, mas não sabia quanto tempo passara, nem sequer se se havia deslocado. Pensou em olhar para trás e fê-lo. Ao virar-se, novamente, reparou nas costas nuas de alguém e calmamente, observou, cativado, que a fita vermelha terminava nos pulsos do outro. Ergueu lentamente a mão esquerda e acariciou aquela pele clara com saudade, levando a outra mão aos escuros cabelos castanhos. Estrondosamente, um grito fez-se ecoar. Quem seria? Abraçou a alma queda diante de si, sentiu-a quente, sentiu-a fria, sentiu-a enlouquecer, sentiu-a relaxada, sentiu-a em si, na sua plenitude.

- Oh, belo ser que me prende… Eu amo-te! Amo-te!

Afogou a sua cabeça entre as omoplatas do outro e fechou intensamente os olhos, envolto nos ossos acolhedores e tentadores. Agora, sentia frio.

Levantou a cabeça e viu-se, refletido num espelho. Tinha belas pérolas jade -ou seriam olhos? Olhava-se, ouvia-se e entendia-se naquele ruidoso silêncio que se formara. Um grito ecoou ao longe. Virou-se, assustado, e quando se voltou novamente para o espelho, este estava fendido. Do seu reflexo, jorravam lágrimas, mas de si não, e no canto lá estava ele, aquele outro ser de cabelos castanhos escuros. Olhou para trás, ninguém, só vazio. Então, fechou os olhos e sentou-se na sua cama.

Começou a sentir algo em si: sentia carícias ofegantes distribuídas por mãos quentes. Um gemido fez-se ouvir. Diante de si tinha o olhar expectante de um corpo necessitado. Embrenhava-se no seu olfato a luxúria e o prazer daqueles corpos calorosos. Acariciou os cabelos escuros do outro e beijou-o apaixonadamente, rasgando-lhe o braço esquerdo que segurava com uma mão, o tronco com a outra e a sua boca comeu-lhe os lábios e língua. Agora já ao seu lado, jazia um corpo sem vida. Que teria feito ele? Era e não era isto que pretendia. Olhou fixamente para ele, tocando a sua pele com amor. Aquela pele de porcelana que o chamava. Abraçou-o.

- Diz-me, que conseguirás tu fazer assim, perdido em mim?

Levantou-se e dirigiu-se ao espelho. Atrás de si estava o outro, sentado a sorrir. Decidido, atirou a sua cabeça ao vidro e não sentiu mais nada a não ser o chão.

Nessa noite, teve um belo sonho. Sonhou que se estava a afogar, acabado de ser violentamente atirado dos céus para o mar. A sua visão estava turva, mas ainda dava para perceber que à medida que entrava nas profundezas do mar, ele se ia tornando encarnado, e corpos sossegados iam aparecendo ao seu lado. Antes que pudesse fechar os olhos e entregar-se, viu uma grande mão abrindo caminho até si, agarrando o seu corpo e abraçando-o. Era tão quente que se sentiu embalado. Fechou os olhos e respirou o perfume doce e delicado daquela mão… Sem saber como, estava já deitado ao lado do belo de cabelos castanhos escuros. As cortinas dançavam ao sabor do vento soão, daquela noite sossegada e as estrelas brilhavam encantadas.

Chorava, chorava intensamente, chorava com alma, chorava até nada ser. Que sensação vazia, que sensação fria, que indesejada sensação conhecida.

- Mais uma vez, por ti sou preenchido e por ti sou abandonado…

O aperto no seu peito era quente mas o seu coração dançava agitadamente. Aquela música, oh!, a música dentro se si, levava-o ao apogeu. Deixava-o incompletamente completo. Ele não sabia o que ouvia, era uma mistura, tudo era uma mistura, ou tudo ou nada ou tudo e nada. Ah, o grito que queria lançar aos céus! Nu, despido de tudo, de qualquer coisa e de nada. Que confusão avassaladora. Não haveria mais nada para além disto? Que melancólica mas tentadora rotina. Não o largava, possuía-o, abanava-o, preenchia-o, cortava-o, mas acompanhava-o.

Descontrolado, riu, atingido por um delírio repentino, sempre com a mão direita a arranhar e apertar o peito. Riu-se histericamente.

De repente a sua gargalhada extravagante cessou. Ainda de cabeça erguida, mirou intensamente o teto, inspirou pesadamente e libertou-se. O seu grito foi tão intenso que estremeceu a cidade inteira. Salgadas lágrimas acompanhavam a dolorosa melodia composta por si. Foi tão profundo que o seu corpo desabou no chão gélido do seu quarto. Estava cansado, tão cansado e vazio, tão vazio. Não pensava nem sentia mais nada. Estava livre, pelo menos, temporariamente. Portanto, deitou-se e adormeceu.

Mãos. Mãos quentes e petulantes acariciavam os seus belos cabelos louros. Abriu os olhos para a belíssima e pacífica presença do de cabelos castanhos escuros. Apreciou-o calmamente com o olhar, transmitindo-lhe pensamentos, que o outro astuciosamente compreendeu, e tornou a fechar os olhos, saboreando aquele carinho.

- Por favor, fica comigo para sempre…

Subitamente, algo mudou. Em vez de carícias, os seus cabelos eram fortemente puxados. Porquê? Apavorado, abriu os olhos: estava sozinho. Não existia nada à sua volta. Estava num lugar desolado que só ele preenchia. Tinha fortes dores de cabeça, talvez causadas pelos puxões de cabelo que recebeu de ninguém ou talvez pelo ruído silencioso que se fazia ouvir na sua cabeça. Levantou-se e procurou algo mais. Atrás de si, estava uma porta de madeira castanha. Abriu-a e, do outro lado, estava o céu. Por baixo de si não havia chão e a sua vista não tinha fim. Não pensou demais e deixou-se cair. Não sabia o porquê, simplesmente fez. Ah, não havia alguém para o salvar?

Delírios tomaram conta da sua mente. Um efeito irreal tentava adulterar as formas: as pessoas que esticavam e encolhiam, o chão ondulante, os sorrisos por coisas nenhumas estampadas nas faces deles, os olhos assustados e os olhos divertidos, nos seus corpos lentos. Ele já não sabia o que via nem o que não via, mas era belo, talvez até poético. Desatando às gargalhadas, olhou para o seu amado, olhou para outra pessoa, e olhou para outra criatura, sem mais nada distinguir. Todos o fitavam com estranheza e julgavam-no, ele ouvia-o no silêncio que faziam. No entanto, o seu mais precioso chorava e tentava acalmá-lo. Nervoso? Maluco? Pena? Porquê? Sentia-se tão bem e livre, com aquela gargalhada sem razão e tudo o que a originou e o que ela implicava. Ah, mas que demência, que loucura que ele sentia com todo o seu ser! Olhou para as mãos medrosas que lhe agarravam o braço e decidiu acudir à preocupação do seu companheiro, para si sem sentido. Pegou na sua mão e ainda com um sorriso dançante limpou-lhe as lágrimas.

- Diz-me, e se eu tivesse os teus olhos, o que veria eu?

Ao olhar novamente para a multidão, ela já não existia e o local era diferente. Fitou os seus braços, mas o de cabelos castanhos escuros não estava entre eles, mas sim à sua frente, com um sorriso que ao louro transparecia cansaço. Ou pelo menos, ele pensava que o via. Mas é normal estar desgastado, também ele se queria livrar de si. Inesperadamente, foi tomado por tragédias e tristezas mais que tristes e deixou-se cair. Como se lhe lê-se os pensamentos, o outro pronunciou-se:

- Eu não estou cansado meu amor, eu não me vou cansar de ti.

Blasfémia! Mentira, era mentira, era tudo mentira! Levou as mãos à cabeça tapando os ouvidos, desnorteado, e chorando apavorado. Parecia querer não ouvir as doces palavras e querer convencer-se a si próprio que era mentira. Amava-o tanto mas estava tão assustado. Tinha medo, tinha tanto medo. Um medo avassalador. E mais uma vez:

- Não, meu doce, não tenhas medo. Eu amo-te.

E parou, bruscamente. Ah, o amor, sim, amor. Oh, mas o que é o amor? Porque é que o seu tom era sempre calmo? Porque é que soava sempre seguro? Olhou para ele, os seus lábios sempre sorridentes. Tinha medo de ser abandonado, e se ele fugisse? Mas ele amava-o, ele disse-o. E em si crescia a dúvida: também ele te vai deixar, o amor não existe. Silêncio! Ele é quem eu tanto amo, não há mentiras. Mas e se ele não conseguir recompor os fragmentos do meu ser? E se eu o destruir? Preciso de o proteger. Estava tão absorto nos seus pensamentos que não reparou nas mãos macias do outro, que lentamente, foram de encontro aos seus cabelos louros e com um leve gesto, juntou os seus lábios.

Estava despido. À sua volta, tudo tinha cor, cores vivas e inebriantes. Já ele, se tornara cinzento, e, como se nunca antes tivesse visto cor, estava fascinado. Mas também estava angustiado: porque é que ele não tinha cor? Sentia-se frio e vazio. Num momento de desespero, tocou em tudo o que conseguia, desejando embrenhar-se nos tons que o fascinavam. Em vez disso, tudo deixava de ter sentido como ele, porquê?

Ouviu passos, aproximava-se o de cabelos castanhos escuros. Os seus dedos finos tocaram nas falhas e elas voltaram a ser coloridas. Os olhos do sem-cor brilhavam num misto de encanto e lágrimas. E, de joelhos no chão e olhos que imploravam por salvação, foi abraçado pelo outro ser sorridente. Maravilhado, sentiu-se quente, tanto que as suas lágrimas secaram, e pequenas manchas de cor foram aparecendo por todo o seu corpo. Fora possuído por ondas de entusiasmo e alegria com um único e simples ato. Era pura felicidade que lhe aquecia a alma, que o preenchia por completo. Apesar de ainda existirem falhas em si, respirava, estava feliz, era amado, estava salvo.

Chorava tanto e doía tanto, amava-o, amava-o e amava-o ainda mais. O de cabelos castanhos não sabia o que fazer e abraçou-o, murmurando calmas e amores. Mas ele estava magoado, era demasiado para si, era imensamente forte aquele amor destruidor que o preenchia, aquele sentimento esmagador e pesado que lhe fazia perder o equilíbrio, que o fazia rir, chorar, e sentir-se vivo. Vivo, ele estava vivo. Sentia e respirava. E enquanto ser vivo, tudo era tão intenso, tudo era tão grande demais para o seu corpo. Eram muitos sentimentos, muitos pensamentos. Ele queria tudo e nada, nada e tudo. Uma única pessoa revolucionara a sua existência.

Certo dia, aquele belo homem de cabelos castanhos escuros morrera, e o outro belo homem louro chorara. Chorara tanto que se acredita que foi assim que nasceram os oceanos e que nas suas profundezas jaz o seu corpo, eternamente abraçado ao do amante.

FIM

Nádia Cristina Miranda Bernardo, 12.º F | Escola Básica e Secundária de Anadia

Parabéns, Nádia, pelo 1.º lugar alcançado!

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

O método da salvação

Querido ninguém,

Escrevo-te esta carta porque quero partilhar o meu sucesso mais recente. Finalmente fugi dos meus medos, tive a força para correr e a rapidez para ser mais rápido do que eles. Bem, pode não ser grande conquista, mas uma vitória, por mais ínfima que seja, é sempre razão para comemorar. E desta vez não pode ser diferente. Porque por mais que o meu ato converta única e exclusivamente para algo covarde, não deixa de ser invejável. Porquê? Porque alcancei aquilo que pensava que nunca conseguiria alcançar: a felicidade. Ou dito de outra forma: algo que não o desespero e a angústia que sinto dentro de mim. Ou, que sentia dentro de mim. Porque agora eu ganhei, e ninguém me pode tirar isso. A vitória.

Talvez esta seja a minha escrita mais difícil, mais confusa. Não sou profissional na explicação, mas quero ensinar o meu método que me levou à obtenção do prémio dos prémios. O segredo é básico: trata-se de algo que qualquer um, em teoria, poderia realizar. Trata-se de trabalhar. Sim, trabalhar! Não no sentido de que os mais necessitados não possam ser felizes, apenas não o serão da mesma maneira que eu sou! Porque na realidade, a felicidade é subjetiva. Subjetiva no sentido que o que me faz feliz, pode ser algo monótono ou entedioso para outro alguém. Para ti, por exemplo. Mas essa é a parte genial do meu método: esta felicidade tão recente que vivencio é comum a todo o ser humano! Não há um único pensador que não se sentirá realizado com esta ideia inovadora. Esta ideia antiga, e covarde.

“Mas e depois? Basta trabalhar? Ser produtivo também conta?” A resposta é “Sim!” Na verdade, o segredo basear-se num único aspeto não é coincidência. O verdadeiro objetivo é tornar as pessoas ativas num mundo onde precisa circular dinheiro. Mas um dinheiro comum a todos, não algo exclusivo para cada um. Eu até vos diria que bastava ganhar a lotaria, ou qualquer tipo de concurso impossível de vencer. Mas em teoria, isso prejudicaria o futuro! Pois se todo o dinheiro do mundo convergisse para uma única pessoa, sairiam os dois lados a perder: um sem capacidade de obtenção dos bens básicos para a sobrevivência; o outro sem a capacidade de gastar toda a sua fortuna, visto que não haveria fundos para a produção material. De forma exagerada, essa seria a ideologia. Um trabalho conjunto é necessário. Não para o bem dos outros, mas para o que verdadeiramente interessa: o nosso bem pessoal.

Afirmo, com toda a certeza, de que o dinheiro compra tudo, principalmente a felicidade. Na verdade, sempre pensei que esta oração era, no mínimo, debatível, mas a ignorância humana, ou talvez a sua suprema inteligência, sempre dissera que era o ridículo em forma de frase afirmativa. Venho por este meio, portanto, fazer sentir o meu lado da discussão e explicar a minha tão esperada ignorância.

O que nos provoca a infelicidade? O que é capaz de nos deitar abaixo, querer desistir de tudo e fazer repensar se vale a pena continuar a respirar o mesmo ar sufocante a que temos sido expostos desde o dia que viemos ao mundo? Se a resposta fosse única, a escolha seria reduzida. E a verdade, é que a maioria das pessoas responderia a maior das verdades: “Tudo”. Tudo é capaz de provocar desgosto, angústia. Não

existe nada no mundo que não possua uma segunda cara de maldade e sofrimento. Incluindo a própria realidade. E eu, como usual vítima da mesma, vim-vos salvar.

O verdadeiro segredo, é fugir. Algo imbatível, como o próprio mundo, não pode ser derrotado, mesmo se juntássemos o exército de todas as almas perdidas. Eu próprio tentei. Eu tentei derrotar a realidade, tornar-me aliado dela, qualquer coisa. Mas o que pude, o que finalmente consegui fazer para me livrar dela, foi fugir. Fugir como um covarde. Fugir como alguém incapaz de enfrentar os seus medos. Mas como eu disse, o meu feito é invejável. Porque ninguém conseguirá vencer justamente. Ninguém terá escolha, senão fugir. E é disso que esta carta se trata. É para isso que esta carta foi feita. Porque esta carta, esta carta foi feita para ti. Para ninguém.

Tu não és ninguém. Na verdade, és igual a mim. É normal ficares chocado ou assustado: eu também fiquei quando descobri. Mas é a pura das verdades. E é esta a verdade que ninguém gosta de ouvir. Ou, melhor dito, que ninguém odeia ouvir. O dinheiro compra a felicidade, eu não estava a mentir. O consumismo é a salvação do ser humano. Somos uma sociedade consumista, porque fomos ensinados que ao consumir, obtemos a salvação. A propaganda “Compre o meu produto e tenha os seus problemas resolvidos” é, na verdade, a maior auto-manipulação criada pela humanidade em si. Porque mesmo que isso se aplique apenas ao conceito para que foi criado, o produto pode oferecer a salvação. A indústria pode oferecer a salvação. Vivemos no colo do consumismo, sendo o maior consumista de todos, aquele que produz. E se no mundo atual não encontramos aquilo que nos satisfaz, a salvação de que tanto precisamos, vivemos então numa nostalgia sem fim. A dor da saudade, a palavra portuguesa mais única de todas, não passa do mais escapismo criado. O passado ser melhor que o presente é uma enorme ilusão. Porque na verdade, o melhor, a suprema felicidade, é a inconsciência. A inconsciência que possuíamos enquanto crianças. E a verdadeira dor, é a dor do pensamento. Os sábios antigos estavam certos. E mesmo avisados, a sociedade não mudou. A sociedade não foi capaz de mudar. E, como forma de se salvar, decidiram escapar. Nada mais único, vindo de uma sociedade covarde e egoísta.

Foge dos teus medos: é a única maneira de te salvares. Vive no passado, ou deixa-te escravizar pelo presente. Vive na hiper-realidade criada pela tua mente: essa é a única felicidade. E se não o desejares fazer, se abolires a cobardia humana, e decidires combater …. Então desiste! Para tudo, e desiste. A tua única opção é morrer.

Carta de suicídio

PS: Sinto necessidade de fazer um pequeno aparte. Esta carta trata-se do escapismo, da hiper-realidade, uma ideologia explicada por Jean Baudrillard (e outros pensadores). Mais uma vez, nenhuma carta que escrevo é pessoal, e em nenhuma carta afirmo que concordo com a ideia apresentada. Nem eu nem Baudrillard incentivamos ao suicídio, totalmente o contrário! Apenas quis apresentar-vos mais uma ideia que considero interessante, como a própria ideia de que vivemos nesta hiper-realidade. Espero que tenha ficado claro. Muito amor a todos!

Pedro Fernandes, 12.º Ano | EBSA