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quinta-feira, 12 de junho de 2014

Dia Mundial contra o Trabalho Infantil

Trabalho Infantil
A chuva caía numa manhã cinzenta e fria daquele inverno que se previa tão rigoroso enquanto a agitação pairava no ar. Na rua ouvia-se, além do som da chuva a bater naquela calçada bem portuguesa, o som de buzinas que sobressaía por entre toda aquela confusão matinal. Lisboetas mal-humorados, mas engravatados, conduziam carros potentes e elegantes por uma das mais emblemáticas ruas da cidade, enquanto falavam ao telefone com ar altivo e superior, mas talvez desculpando-se do atraso que teriam naquela manhã. Afinal, era segunda-feira e conheceremos nós algum humilde mortal com um sorriso estampado no rosto cansado neste dia da semana?
Ora, tudo isto era observado por Mia todas as manhãs. Neste caso, a uma segunda-feira antes do pai chegar, escondia-se no pequeno armazém por trás da loja e espreitava toda esta vida por ela desconhecida por detrás daquele vidro sujo e minúsculo. A pequena ficava maravilhada com toda aquela vivacidade, gostava especialmente de ver as crianças da sua idade brincar. Estas pulavam e gritavam como passarinhos livres e despreocupados cuja sua única preocupação era ver se vinha algum carro antes de atravessarem a estrada.
 A menina, ao estar ali, sentia-se longe da realidade, mas mesmo assim não se esquecia de ir olhando para o relógio e pedir-lhe com jeitinho que parasse e a deixasse viver aquele sonho durante mais algum tempo ou talvez para sempre, se não fosse pedir muito.
Entretanto, nessa manhã, Mia sentia-se distante, mais distante do que o habitual e talvez tenha sido por isso que foi surpreendida enquanto admirava o mundo que a rodeava. O pai, o seu próprio pai, um homem carrancudo, envelhecido e barrigudo, cujos óculos quase lhe saltavam da ponta do nariz, entrou naquela divisão e quando olhou em volta, viu a doce e frágil criança contemplando a janela. Aí pareceu transformar-se num monstro, lançando um chorrilho de insultos, ameaças e agressões em direção à pobre pequena. Esta recebeu-as como facas afiadas que se cravavam nas feridas quase cicatrizadas. Mal isto acabou, a pequena correu, pôs um sorriso no rosto como se nada se tivesse passado dentro do sombrio armazém, tão sombrio quanto a alma do próprio pai e sentou-se no banquinho, bem atrás do balcão e perto da máquina registadora.
De seguida, cumprimentou a D. Maria, cliente habitual daquele pequeno minimercado e ajudou-a a fazer as compras da semana. No fim registou tudo e deu o troco à pobre velhinha, não deixando transparecer a tristeza e a raiva que a inquietavam por dentro.
Chegara o fim do dia, finalmente o inferno terminava, o que significava que poderia trancar-se no quarto e brincar com a sua pequena e única boneca mas, à medida que a noite avançava, significava também que o novo dia e tal pesadelo voltava a estar cada vez mais próximo. Teria, pois, que ir para a pequena loja do pai, trabalhar e no fim limpá-la de uma ponta à outra, deixando-a mais brilhante do que um diamante e sem um único cabelo.
Esta pobre menina chorava todas as noites, enroscada na pequena manta axadreza que uma das tias, que raramente vinha à cidade, lhe tinha dado e lamentava-se da vida que levava e não percebia o porquê de tal “castigo”.
Não terá esta criança o direito de brincar como todas as outras? E por que não pode fazê-lo?
 É fundamental que toda a sociedade se mobilize em prol destas crianças, quer seja através de protestos e denúncias, quer seja através da solidariedade. Essa luta é nossa! Pode e deve ser vencida!
 Vamos, então, juntos dizer: não ao trabalho infantil!

Margarida Carlota Lagoa, O Ciclista

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