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terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Dia Mundial da luta contra o cancro

4 de fevereiro de 2014
Perdi e venci!
Chegaste silenciosa num dia igual a tantos outros. E, silenciosa te mantiveste, durante o tempo que achaste que devias. Vivias comigo num silêncio tal que desconhecia a tua presença. Vivias comigo e eu não sabia…
Lentamente ias destruindo célula após célula.  Sem eu saber, multiplicavas essas células anormais. E elas, tomadas de vida própria, multiplicavam-se de forma desorganizada e descontrolada, crescendo desordenadas no meu corpo!
Era o meu corpo que invadiste sem me perguntar… sem me consultar. Sem eu saber. Sem eu querer. E eu não queria!
Eu não sabia de nada. E vivi na ignorância durante o tempo que tu quiseste, pois nem eu mesmo sei! Tu, dentro de mim, a destruir-me lentamente… a corroer-me, a minar-me, a desorganizar toda uma estrutura de vida que construí.
Mas não! Tinhas que vir tu e acabar com tudo o que construí. Tinhas que vir tu, no silêncio, como se fosses o negro da noite mais escura, sem lua nem estrelas. A podridão que um dia decidiste começar lentamente a mostrar. Mas eu, inocentemente, não liguei aos sinais que me enviavas…
Uma dorzinha aqui, uma queda ali. Devo ter batido em algum lugar e não me lembro!
O tempo correu lentamente e, quando vi a verdade, a crueldade da verdade, eis que enfrentei uma cirurgia de urgência. Foste removido de mim. Bem, mas não todo, pois não foi possível.
Depois regressei a casa com um sem número de restrições e uma forte dose de medicamentos. Melhoras? Nenhumas. Via-me a decair de dia para dia. O que restava de ti era mais forte do que eu. Tu não me deixavas viver como eu deveria viver!
Vieram as sessões de radioterapia.
Fiz tudo com a minha esperança retalhada pela incerteza.
Muitos eram os dias em que queria que me vencesses, pois a dor que me provocavas era tal que colocava as minhas já poucas defesas, num tal desalinho, que eu deixava que tomasses conta do meu eu. E realmente tu pareces fortalecer-te a cada dia que passa.
Hoje sinto que já não consigo lutar mais!
Estou a ver aqueles que amo e despeço-me deles, derramando as últimas lágrimas que ainda consigo. Na verdade, não gostaria que eles sofressem por mim. Gostaria, sim, que a imagem com que ficam de mim fosse daquele que sempre os alegrou com histórias e os fez sorrir. Porém, ainda consigo fazê-los sorrir uma última vez.
Finalmente, sinto uma grande paz dentro de mim e sei que, embora penses que me venceste, sei que fui eu que te venci, pois eu sei que acabaste de me perder também!…


Escrevi esta história em homenagem ao meu avô Custódio que infelizmente foi vítima desta doença e a história, ou melhor, a realidade que aqui conto, foi vivida por ele.
 Foste um grande lutador, és e sempre o serás! Disso tenho a certeza.
Sei que já não estás connosco em corpo, mas sim em alma e todos os momentos contigo, todas essas boas recordações ficarão para sempre bem presentes na minha memória e o mais importante de tudo, no meu coração! Tenho imenso orgulho em ti, és o meu herói, tu sabes disso.
Amo-te, avô!


Sofia Matos, O Ciclista

4 comentários:

  1. Que bonita homenagem ao teu avô, Sofia!
    E uma história muito bonita também que lembra uma das realidades infelizmente vivida por muitas e muitas pessoas por esse mundo fora.
    Força a todos aqueles que vivem esta realidade bem como aos seus familiares.

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  2. Estou sem palavras, Sofia. Fiquei profundamente comovida com a leitura do teu texto. O teu avô deve estar muito orgulhoso de ti!
    MM

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  3. Quando me apercebi do tema que tinhas que escrever, senti que pela primeira vez rejeitarias, com razão, a tarefa. Mas tu, movida pela coragem que tens, venceste o desafio e surpreendeste.
    Como o meu pai continua a estar orgulhoso de ti, querida Sofia.
    Expressaste em pleno o seu sentir.
    E tu, meu amor, deixaste que todo o sofrimento te envolvesse e explodisse derramando lágrimas de exaustão pelo esforço que envolveu este teu trabalho. Como foi penoso para ti reviver esses momentos e passá-los para o papel. Foi necessária muita coragem. Mas fica o tributo. A belíssima homenagem que aqui nos deixaste E que te agradeço com todo o meu Amor.
    Mãe

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    1. Sentidas palavras. A quem tem o sentir tão bem expresso no eu coração, consegue que o seu ente querido repouse em paz.

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