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terça-feira, 12 de julho de 2022

Arma Escondida (Vencedor Género Gustavo Campar)

Certo dia, estava eu a passear pelas ruelas de Aguim, quando me deparo com uma pequena caixa de madeira de cerejeira com um desenho que eu nunca tinha visto, mas que despertava logo a atenção pelo modo como as linhas delicadas do desenho sobressaíam na madeira. Permiti que a minha curiosidade fosse mais forte do que eu e abri a caixa. De repente sou atingida por um enorme clarão e transportada para a Inglaterra do século XIX.

O meu traje era totalmente fora do comum, comparado com o das restantes pessoas que passeavam pela rua, quando passavam por mim conseguia perceber o desprezo nos seus olhos, mas eu sentia que não era só desprezo, mas também curiosidade por aquele ser estranho com um traje invulgar que estava diante dos seus olhos. Decidi que não podia continuar a tomar atenção aos olhares que recebia, tinha finalmente percebido onde estava, mas não conseguia entender o porquê de lá estar, o que é que eu, uma menina de 16 anos do século XXI, fazia numa realidade do século XIX?

Perdida nos meus pensamentos, ao mesmo tempo que vagueava pelos jardins da aldeia rural de Steventon, reparo que estava alguém a observar-me com tanta atenção que parecia saber os meus segredos mais profundos só de olhar para mim… Era uma mulher magra, mas, ainda assim, o seu corpo mostrava pequenas curvas, o que lhe dava um ar de sabedoria. Ostentava uns belos cabelos castanhos que tombavam na sua face e que faziam sobressair os seus olhos verdes, não era o que se considera uma beleza de outro mundo, mas tinha a sua própria beleza que encantava qualquer um que a olhasse com especial atenção.

 Dirigi-me a ela e, antes de lhe poder dizer fosse o que fosse, fui saudada com um sorriso caloroso, ao mesmo tempo que me dizia “Estava à tua espera.”. E assim, sem mais nem menos, o nervosismo tomou conta do meu corpo porque estava diante de uma das melhores romancistas do século XIX e uma das minhas autoras preferidas.

Não sei se foi destino ou uma simples coincidência, mas eu e a Jane tínhamos a mesma altura então consegui vestir um dos seus vestidos, optei por um majestoso vestido azul-claro adornado com um tule branco o que me dava um ar imponente, mas, ao mesmo tempo, de alguém afável. Devido ao espartilho, o vestido assentava-me como se tivesse sido desenhado especialmente para mim, estava a viver um sonho (só me faltava o típico romance dos livros da Jane).

Depois de arranjada, estava na altura de uma pequena conversa com a minha predileta escritora, serviram-nos o típico chá inglês com uns scones (sentia-me como se estivesse a viver dentro de um livro) e começou a conversa… Ela contou-me como era complicada a sua vida pois não tinha as mesmas liberdades que as mulheres do século XXI. Referiu que lhes devia dar muito valor pois fora preciso muita luta para eu ter liberdade de escolha. Eu disse-lhe o quão honrada me sentia por conhecê-la, tinha muitas perguntas para lhe fazer. Jane explicou-me que aquela caixa, que me transportara, era mágica e funcionava como uma máquina do tempo. Só quem não a desejasse para fazer o mal ou para mudar a História a conseguiria ver e utilizar.

- A vida é uma história. Disseram-me uma vez “A tua história ainda está por escrever”, a tua história também está a ser quer a aprecies quer não, nunca está concluída. – dizia-me Jane – Eu sei que por mais complicado que seja, às vezes é difícil não desistir desta luta constante, a luta pela igualdade, a luta pela vontade de nos afirmarmos (mesmo quando ninguém nos quer ouvir) ou a luta de ganharmos a capacidade de tomarmos as rédeas da nossa própria vida. Ser mulher, não é fácil!

Refleti nas palavras de Austen, mas, por detrás de todas estas palavras senti que existia um outro significado, um significado muito mais profundo do que aquele em que a minha mente queria acreditar. O meu subconsciente alertava-me “Presta atenção às palavras! Atenta no seu significado!” e assim, decidi ouvir o meu subconsciente e prestar atenção ao que Jane me queria transmitir.

- Enquanto mulher no século XIX, sei que não nos ouvem quando estamos a dar os gritos mais altos, o que é ninguém se importar o suficiente para te perguntar “E tu, o que pensas sobre isto?”, eu sei o quão complicado e confuso o mundo pode ser. Lidar com a desigualdade e com a desonestidade das pessoas é algo que nos revolta, que nos faz sentir impotentes por não conseguirmos mudar o que está errado.

- O que pretendes com esta conversa? Eu sou uma menina com 16 anos, eu não sou capaz de mudar o mundo sozinha, eu não sou capaz de entrar nesta guerra para a qual não tenho armas. Não sei porque de entre todas as pessoas, de todas as meninas e mulheres que habitam o planeta Terra, me escolheste a mim… - contestei. As minhas dúvidas estavam a ganhar uma dimensão assustadora.

- Tu não estás sozinha, és uma menina com 16 anos que tem uma vida pela frente. Escolhi-te porque sei que farás tudo o que esteja ao teu alcance para ganhar esta guerra, não digo que a consigas acabar, mas sei que a conseguirás colocar mais próxima do fim. Não é uma guerra para a qual não tens armas, conténs dentro de ti a maior arma, essa arma é a tua paixão pela vida. Gostas de ler e escrever, fazer isso é algo que te motiva, então utiliza as palavras, no teu século tens uma voz que eu nunca tive, usa-a, mas usa-a sabiamente!

E continuou a falar como se me conhecesse de forma profunda. Sabia tudo sobre os meus gostos literários. Conhecia todas as obras que eu já tinha lido e chamou a minha atenção para as mudanças que as minhas leituras tinham operado em mim. Afirmou que a maior parte das guerras se fazia com palavras e não com armas.

Eu, imediatamente, recordei as palavras da minha professora de Português A palavra é a arma do poeta e do escritor. Vieram à minha memória uns versos do poeta Alexandre O’Neill “Há palavras que nos beijam/Como se tivessem boca” ou de Sophia “Pois é preciso saber que a palavra é sagrada”. De facto – pensei – eu posso usar as palavras para mudar o mundo! A chave está na leitura, a resposta para muitas das minhas perguntas está nas palavras! São elas que me conferem poder!

- Como sabes tanto? Como é que sabes quem sou ou do que gosto? Como sabes que sou capaz de colocar esta guerra mais próxima do fim? – questionei-a.

- Essas são questões para as quais só tu poderás encontrar resposta. Quando chegar o momento certo, tu entenderás quais são as respostas. Agora, podes perguntar o que quiseres…

Estava para lhe perguntar a razão de um final tão abrupto no seu livro “Orgulho e Preconceito” quando sou invadida por abanão como se todo o meu mundo estivesse a tremer e a fugir-me das mãos. Fecho os olhos e, de repente, para tudo, deixo de tremer e quando, finalmente, abro os olhos, vejo a minha mãe a olhar para mim com um ar de surpresa.

- Estás bem? – pergunta.

Aceno-lhe com a cabeça a dizer que sim, mal sabe ela que acabei de viajar no tempo e conhecer a Jane Austen, suponho que isto é um segredo que será para sempre só meu…

A palavra, o seu poder…

Mariana Lopes, 10.º A

Parabéns, Mariana, pelo primeiro lugar alcançado!

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