Apresenta-se o Livro
Como se faz para conhecer um livro? Não é difícil.
Quando, numa biblioteca, numa livraria, em casa de um amigo, o livro (este livro, outro livro…) nos chama a atenção, pegamos nele, abrimo-lo de devagar e, com ele poisado sobre a palma da mão esquerda, folheamo-lo muito naturalmente com a mão direita. Parece que é assim que se faz, não é?
Os dedos, as costas da mão, que lhe alisam as páginas e, num voo leve, os olhos, que correm pelo formigueiro das linhas e poisam numa palavra aqui, numa frase além, e seguem adiante – os dedos, as costas da mão e os olhos, neste primeiro relance, estudam o livro por dentro.
Fazem-se as apresentações.
- Eu sou o livro – diz o livro que é de poucas falas, porque gosta mais de dizer as coisas por escrito.
- E eu sou o leitor, ou melhor talvez seja o leitor – dizemos nós.
Folhear um livro é espreitar para dentro de uma caixinha sem chave, uma caixinha ao alcance das mãos e dos olhos. Não há segredos.
- Que tens tu guardado para me dar? – Perguntamos nós ao livro.
Aí o livro conta, não pára de contar o que dentro dele tem guardado para nós. Se, entretanto, nos sentamos numa cadeira, de preferência de braços, por ser mais cómoda, e poisamos o nosso amigo livro sobre os joelhos, esta conversa, que começou por ser hesitante e prudente, vai, quase de certeza, demorar que tempos, o tempo de lermos o livro do princípio ao fim ou de fio a pavio, como também se costuma dizer.
«De fio a pavio» é uma expressão singular. Lembra-nos a vela que, acesa, muito trémula, resiste ao escuro à sua volta. A vela pode extinguir-se, apagar-se, quando não há mais pavio, mas o livro, esse não! Terminado, fechado, o livro que nos deu prazer, fica-nos na memória, resiste ao esquecimento, ilumina ainda.
- Valho muito mais do que peso – diz o livro, sem ser por vaidade. – Tenho tanta coisa, tanta surpresa, meus amigos, que só lendo-me se acredita.
Vamos então descobrir por nós o que ele tem para nos dar. Vamos ler!
António Torrado, O manequim e o rouxinol.
Como se faz para conhecer um livro? Não é difícil.
Quando, numa biblioteca, numa livraria, em casa de um amigo, o livro (este livro, outro livro…) nos chama a atenção, pegamos nele, abrimo-lo de devagar e, com ele poisado sobre a palma da mão esquerda, folheamo-lo muito naturalmente com a mão direita. Parece que é assim que se faz, não é?
Os dedos, as costas da mão, que lhe alisam as páginas e, num voo leve, os olhos, que correm pelo formigueiro das linhas e poisam numa palavra aqui, numa frase além, e seguem adiante – os dedos, as costas da mão e os olhos, neste primeiro relance, estudam o livro por dentro.
Fazem-se as apresentações.
- Eu sou o livro – diz o livro que é de poucas falas, porque gosta mais de dizer as coisas por escrito.
- E eu sou o leitor, ou melhor talvez seja o leitor – dizemos nós.
Folhear um livro é espreitar para dentro de uma caixinha sem chave, uma caixinha ao alcance das mãos e dos olhos. Não há segredos.
- Que tens tu guardado para me dar? – Perguntamos nós ao livro.
Aí o livro conta, não pára de contar o que dentro dele tem guardado para nós. Se, entretanto, nos sentamos numa cadeira, de preferência de braços, por ser mais cómoda, e poisamos o nosso amigo livro sobre os joelhos, esta conversa, que começou por ser hesitante e prudente, vai, quase de certeza, demorar que tempos, o tempo de lermos o livro do princípio ao fim ou de fio a pavio, como também se costuma dizer.
«De fio a pavio» é uma expressão singular. Lembra-nos a vela que, acesa, muito trémula, resiste ao escuro à sua volta. A vela pode extinguir-se, apagar-se, quando não há mais pavio, mas o livro, esse não! Terminado, fechado, o livro que nos deu prazer, fica-nos na memória, resiste ao esquecimento, ilumina ainda.
- Valho muito mais do que peso – diz o livro, sem ser por vaidade. – Tenho tanta coisa, tanta surpresa, meus amigos, que só lendo-me se acredita.
Vamos então descobrir por nós o que ele tem para nos dar. Vamos ler!
António Torrado, O manequim e o rouxinol.
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