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terça-feira, 1 de setembro de 2020

Um dia queria sair de casa

Vencedor do Género narrativo do 2.º Ciclo

Parabéns, Vasco!

Um dia queria sair de casa

Era sexta-feira, o último dia da semana, e este foi também o último dia de aulas do José.

Como era habitual, todos os dias da semana, o José acordava por volta das sete horas, de seguida vestia-se, tomava o pequeno almoço e seguia a pé para a paragem de autocarro onde esperava que o número dez (autocarro daquela zona de Lisboa), o apanhasse e levasse para a escola.

José tinha 10 anos e andava no 5.º ano do ensino básico.

Quando chegou à escola, sentiu que algo iria ser diferente a partir daquele dia, pois pairava no ar um silêncio infinito, contrariamente ao que se fazia sentir num dia normal de aulas.

A professora de Inglês, diretora de turma do José, já se encontrava na sala de aula à espera dos seus alunos. Foi então que iniciou um longo e temível discurso sobre o que se estava a passar e o que ainda viria a acontecer, que ninguém por agora poderia explicar e havia tantas perguntas sem respostas. Mas afinal o que se estava a passar? Pois é, o mundo tinha sido invadido por um vírus.

O José estava assustado, tal como os colegas. Os cientistas diziam que era uma espécie de gripe, cujos sintomas eram tosse, febre e dores, muitas dores.

Depois de a diretora ter explicado que aquele seria o último dia de aulas, o José continuava sem perceber o porquê de terem de ficar em casa, mas, por fim, entendeu que, só com isolamento social, o mundo conseguiria travar esta guerra entre o Homem e um ser invisível, misterioso e tão mortal.

Passaram assim sete dias após o encerramento das aulas e a permanência obrigatória e indispensável em casa acabou por ser para o José algo de extraordinário e surpreendente. Neste contexto, a casa do José estava cheia, havia risadas, mesa farta, lembranças de boas histórias, e o melhor de tudo, a família toda junta. Felizmente, o menino passava agora todo o dia com a sua família, uma vez que até à data, a vida do pai tinha sido árdua. O pai do José tinha passado os dois últimos anos em Angola, e agora, com a família toda reunida, o menino estava no culminar da felicidade.

Mas houve uma manhã em que o José acordou triste. Tinha tido um sonho, que apesar de ter sido maravilhoso, afinal não tinha passado de um sonho. Então correu para a cozinha para junto da mãe e contou-lhe esse estupendo sonho. Sonhou que estava a comemorar o aniversário do Paulinho, um amigo desde a creche que, por acaso, era o seu melhor amigo. Nesse sonho também estavam outros colegas todos a divertirem-se, a brincar… uns jogavam futebol, as meninas saltavam à corda, outros cantavam no karaoke, todos desfrutavam do melhor que a vida lhes podia garantir nesta idade de inocência, a diversão.

Com este sonho, o José sentiu que estava mesmo com saudades dos amigos, apesar do mundo digital, cuja tecnologia aproxima, exibe as pessoas através dos ecrãs e faz com que a saudade doa menos. Mas o menino percebeu que as tecnologias não são capazes de oferecer o calor do abraço, o conforto do colo da avó Mimi, as implicâncias entre os primos e tudo o que acontecia quando a família dele estava toda reunida. Constatou que até tinha saudades de ir à escola, apesar de ser um bom aluno e de gostar de estudar, sentia falta dos colegas da sala de aula, dos professores, do barulho do toque da campainha e até dos gritos da dona Sónia, a auxiliar do primeiro piso que, sempre com determinação, punha ordem naquela escola. Sentia uma grande nostalgia de não poder ir à praia, de sentir o cheiro do mar, de sentir os pés na areia e de ouvir as gaivotas que, ao fim do dia, vinham ao areal à procura do petisco que os humanos deixavam e dos peixes que o mar, com a ajuda das ondas, transportava para a areia. Tinha saudades de ir à serra e de tocar na neve, de ir ao quintal da avó e colher morangos e até do gato Tico da avó Mimi, malcheiroso, asqueroso com um olhar triste que a avó tinha encontrado no contentor do lixo e acolhido. Alguém maléfico tinha sido capaz desse crime!

Por momentos, até pensou em fugir de casa, correr infinitamente pela floresta, sentir a brisa, ouvir o chilrear dos pássaros, colher flores, pois a primavera estava a desabrochar, sentir-se livre …, mas não, não o poderia fazer agora, era impossível.

Sentado no aconchego do colo da mãe, e após lhe ter contado o seu sonho, a mãe, ao ver o José tão impaciente e ansioso, tentou acalmá-lo.

O José ainda soluçava com a mágoa que sentia e com algumas lágrimas no seu rosto, perguntou à mãe quando poderia sair de casa, quando poderia voltar a ser um menino normal. A mãe limpou-lhe as lágrimas deu-lhe um beijo na face e disse-lhe num tom frágil, mas doce, que teria de ter paciência, que um dia tudo iria ficar bem. O José, então, mais sereno, sorriu-lhe e com apego acariciou-a no seu rosto angelical.

Vasco Costa Alegre Conceição, 5.º B, Escola Básica de Vilarinho do Bairro

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