Endereço de correio eletrónico

ociclista@aeanadia.pt

sábado, 3 de outubro de 2015

Kaki, o pequeno lince



Kaki viveu toda a sua vida rodeado pela natureza. O seu sonho, desde que era um pequeno lince, sempre foi ir ver a grande cidade dos Homens.
Beth era a sua melhor amiga. Beth era uma esquila já adulta, mas muito pequenina, como convém a qualquer esquila, embora bem menor do que a maioria dos da sua espécie. Tinha o pelo claro, castanho alaranjado, com uma manchinha branca no peito.
Beth, com o seu ar maternal, sempre tivera a preocupação de alertar o seu querido amigo para os perigos da cidade.
– Sabes, Kaki, a cidade dos Homens é um sítio muito perigoso. Os seus prédios são altos e monstruosos e há carros por todo o lado que deitam tanto fumo que poluem todo o ar e os Homens, esses correm agitados de um lado para o outro e são para nós o maior perigo.
Enquanto Beth falava do perigo, mais Kaki se fascinava por esse mundo desconhecido e maravilhoso, pois ele apenas ouvia a parte da aventura e filtrava o alerta do perigo como jovem que era.
- Kaki, não podes ir para lá. Os Homens vão-te apanhar e prender-te numa jaula, ou até matar-te. Sabes lá o que eles vão fazer? Como eles te vão tratar? Já te disse milhares de vezes: é muito perigoso!
Kaki sabia que Beth exagerava. Ela era pequenina e, por isso, tinha os seus medos, mas ele era grande e o medo não era um defeito dele. Portanto, a cidade e os Homens não o assustavam. Como tal, ia fazer tudo o que era necessário para conhecer a tão falada cidade dos Homens. Eles até que pareciam simpáticos, quando os via ao longe a fazerem os seus passeios.
Chegou finalmente o dia em que Kaki considerou que estava finalmente preparado para enfrentar a grande cidade dos Homens. Contudo, não o quis fazer sem antes contar à sua amiga:
- Beth, vou até à cidade dos Homens e gostava que viesses comigo.
- Mas…
- Por favor… - implorou com aqueles olhinhos verdes suplicantes de jovem irresistível. - eu protejo-te, prometo-te!
- Está bem! Não nos aproximamos muito.
- Combinado! - exclamou Kaki, mais feliz do que alguma vez se sentira. – Sendo assim, amanhã de manhã, bem cedinho, quando o sol estiver a nascer, partiremos.
Como precisavam de descansar, uma vez que a viagem ainda era longa, foram-se deitar, pois precisavam de um bom descanso noturno. Como combinado, mal o sol lançou os seus primeiros raios, eles prepararam as suas trouxas e puseram-se a caminho.
Caminharam, caminharam vários quilómetros até chegarem a uma estrada, onde havia alguns carros que passavam. Beth ficou muito assustada, mas Kaki vibrava de excitação, não apenas pela novidade do momento, mas pelo fascínio que estes tiveram sobre si. Queria vê-los de perto e acercava-se perigosamente quando algum se aproximava, deliciando-se com as buzinadelas que eles lhe lançavam, alertando-o para se afastar.
- Chega-te para a berma da estrada! - ordenava Beth já em pânico, temendo pela vida do seu amiguinho. - Olha que é perigoso!
 Kaki nada temia e o entusiasmo era tanto que se aventurou ainda mais para o meio da estrada, não se apercebendo do real perigo que corria. Beth, vendo os carros que velozmente se aproximavam e que nada podiam fazer, ainda gritou:
- Kaki, não!
 Contudo, era tarde demais. Já o seu amiguinho estava estendido no chão e, pelo menos, uma das suas patinhas estava ferida.
- Kaki, Kaki. – gritou ela. – O que fizeste?! Eu disse-te que era perigoso. Levanta-te.
Porém, ele não se mexia. Ela, então, tentou pegar nele mas, pequenina como era, nada conseguia, pois ela era uma simples esquila e ele era um lince. Na verdade, Kaki era muito maior que ela.
- Kaki, tu és forte, os carros continuam a passar, é perigoso estarmos aqui. Levanta-te, vamos. Anda para a beira da estrada.
 Por fim, Kaki lá se levantou e, a custo, arrastou-se para a berma. O tempo foi passando e os dois viam o seu sofrimento a aumentar. Beth bem pedia ajuda, mas ninguém a ouvia, ou via!
Finalmente, um carro parou. Mas Beth nem sabia se havia de ficar contente ou aflita. E se fossem malfeitores e se a vida dos dois terminasse ali?! Ou se os levassem para as tais jaulas? De repente, de dentro do carro, saiu uma criança pequena, de cabelo louro e olhos muito azuis que transmitiam bondade.
- Papá, papá, o lince está ferido. Ajuda-os, por favor. - suplicou ela, com finas lágrimas que deixava cair pelo rosto e lhe avermelhavam os belos olhos.
- Não podemos levá-los para casa, Beatriz, são animais selvagens. – disse o pai. - Podem atacar-te.
- A mamã pode ajudá-lo. Ela cuida de tantos animais.
 Ao dizer isto, a menina olhou de um modo tão terno para o pai que este acabou por ceder.
- Está bem, a mamã vê isso, mas depois ligamos para o SOS Animal e eles decidem o que fazer.
António era um homem elegante e com bons músculos, portanto foi-lhe fácil pegar no lince. Seguidamente e cuidadosamente, colocou-o na mala do seu jipe. Enquanto isso, Bea pegava na pequena esquila e colocou-a no cestinho que a mãe tinha na mala, para emergências.
Chegados a casa, António e Bea transportaram Kaki e Beth para o laboratório de Graça. Beth ficou fascinada com o que viu. Nunca vira nada igual, nem fazia ideia para que servia. Logo depois chegou uma pessoa muito bonita. Devia ser a tal mamã. Sim, Bea apresentou-lhes a sua mãe e disse que ela era a veterinária da cidade e que ia cuidar deles.
Ela deu-lhes água, leitinho e bolachas. Soube mesmo bem! Depois, examinou Kaki, fez uma tala e colocou-lhe uma ligadura na pata. Ela era, de facto, adorável.
Por fim, adormeceram de tão cansados que estavam. Mais tarde, um olhito abriu e…
- Acorda, Kaki, estão aqui os Homens que nos vão enjaular. É agora que vai ser.
- O quê? O que foi? Onde estamos? Eu tenho a minha pata muito esquisita.
- Calma, pequeninos. Nós somos amigos! Vamos colocar-vos num sítio protegido até essa patinha sarar e depois vamos devolvê-los ao parque natural, que é onde vocês devem estar. – explicou um dos veterinários da SOS Animal que tinham sido alertados para a situação.
E, após estas dóceis palavras, aproximaram-se deles. Momentos depois, Maria afagava o pelo de Beth e Bernardo o de Kaki.
Beatriz chorava, pois queria ficar com eles.
- Querida, - diziam-lhe os pais – sabes, são animais selvagens, pertencem à natureza e não à cidade. Nós nem temos espaço para eles. Não insistas. Eles vão ficar muito melhor no parque natural  e nós prometemos que os iremos visitar.
Foram, então, levados na carrinha da organização SOS Animal. Claro que era uma jaula, mas os dois amigos perceberam que era temporária e que era para bem deles. Durante o trajeto até ao jardim zoológico da cidade, onde iriam ficar hospedados até à recuperação de Kaki, foram espreitando pela janela da carrinha e apreciando o passeio pela cidade dos Homens e, embora as estradas aqui fossem muito mais movimentadas, desta vez iam protegidos. Os dois iam fascinados pela grandeza dos edifícios e por muito grande que tivessem imaginado a cidade, nunca pensaram que fosse tão grande.
Finalmente, chegaram ao Zoo. A entrada estava anunciada com letras bem visíveis. A jaula era grande, apesar da exiguidade face à liberdade da natureza. Havia outros animais mas, em conversa com eles, não trocavam as suas jaulas pela natureza. Apavorava-os a vida ao ar livre, ter que lutar pela sua sobrevivência, quando ali os Homens lhes davam tudo, tratavam-lhes as doenças, davam-lhes de comer, não precisavam de caçar, tinham higiene. Por outro lado, não precisavam de ter medo dos predadores, nem das ratoeiras dos Homens. Enfim, gostavam de estar ali.
A verdade é que tudo era bem diferente!
Durante a sua permanência no Zoo, Kaki foi visto diariamente por um veterinário. Todavia, para sua surpresa, Beth também.
Certo dia, a pata dele já estava boa. Portanto, estava na altura de voltar para casa. Levaram-nos, assim, novamente na carrinha até que pararam, abriram a jaula onde os transportaram e Beth e Kaki viram que estavam novamente em casa. Kaki saiu devagarinho com Beth, empoleirada nas suas costas e observava o mundo que deixara há pouco. De seguida, levantou o seu nariz apurado e aspirou o ar puro bem seu conhecido, olhou os Homens que o trouxeram, lançou-lhes um olhar grato e lançou-se na corrida mais louca que alguma vez fizera. Travou-o o lago, essa imensidão de água, onde gostava de saciar a sede e se banhar.
Que bom que é estar em casa! Nada melhor que estar ali. Os seus amigos do Zoo não têm razão, ou talvez tenham mesmo maneiras diferentes de pensar. Realmente a cidade não era o seu espaço.
Entretanto, na escola, Beatriz passou a estar à frente de uma campanha de proteção dos parques naturais, tentando mostrar a todos que estes são áreas conservadas, fora da cidade e que são protegidas por lei. Tenta assim mostrar que o seu objetivo é o de preservar a flora e a fauna locais e que eles proporcionam um ambiente de lazer e que, por isso, são um ótimo local para ser visitado durante, por exemplo, os fins de semana.
A Bea e os pais, por sua vez, continuam a visitar o parque natural, onde os nossos dois heróis habitam.
E agora, um segredo só nosso: esta simpática família da cidade dos Homens encontra-se frequentemente comigo e com a Beth. Eles são nossos amigos, mas fica só entre nós, pois não há muitos linces, esquilos e humanos que sejam assim amigos.

Bem! E cá temos nós uma história em que dois belos animais foram felizes para sempre!

Sem comentários:

Enviar um comentário