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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Porto d’abrigo


Concurso literário “Ler e Aprender”
Texto género narrativo escrito pela aluna Ana Cristina Quintans da Silva, concorrente e vencedora do 1º prémio no Concurso literário “Ler e Aprender”, Ensino Secundário, edição de 2012.
A Equipa d´O Ciclista
 Porto d’abrigo
1º Episódio
O dia começou como todos os outros – levantar às sete da manhã, tomar um duche rápido, vestir, descer as escadas e preparar o pequeno almoço enquanto as notícias passam na televisão, pegar no casaco pendurado à entrada da casa e seguir de automóvel para o consultório antes das oito e meia.
Esta é a estimulante rotina de todos os dias! Não é que a rotina não seja boa. Sinceramente, prefiro a rotina... Ela é confortante, talvez dos pequenos aspectos da nossa vida que podemos controlar, dos poucos momentos em que podemos relaxar porque sabemos que tudo vai decorrer de acordo o plano que definimos. Mas eu, melhor que todos os outros, deveria saber que a vida não é assim… não é uma história já escrita, é um livro que se vai escrevendo, página a página, dia após dia.
Quando cheguei ao edificio, Maria, a minha secretária já estava a trabalhar atrás do computador.
- Bom dia, Dr. Rui! O café já está em cima da sua mesa. E as fichas dos pacientes de hoje estão na primeira gaveta do lado direito.
- Como sempre tudo pronto! Obrigado Maria… e bom dia! Diga-me, é hoje que vem a nova paciente, a amiga do meu irmão, não é? – perguntei-lhe.
- Sim, é hoje… é a última paciente do dia. O João ligou para lembrá-lo da conversa que tiveram acerca dela…
- Mas eu é que sou psicólogo e ainda tenho que ouvir conselhos do meu irmão de 19 anos? – repliquei já um pouco irritado – Já lhe tinha dito! Eu não a vou tratar de forma diferente só porque o João a conhece… mas o que será que ela tem? Ele não me disse nada, só que era muito importante que ela tivesse ajuda o mais rápido possível…
- Deixe lá! Logo à tarde descobre… Quando o Sr. Simões chegar eu mando-o entrar, pode ser?
- Sim, sim… claro! -respondi.
A verdade é que aquele caso já me tirava noites de sono desde que o João tinha pedido a minha ajuda. O que seria tão grave que ele não me quisesse contar?
O resto da manhã decorreu sem problemas e o habitual almoço no café da esquina dava-me uma falsa sensação de segurança. Nem imaginava as implicações daquela tarde que mal tinha começado.
Enquanto me dirigia para o consultório, ouvi uma voz a chamar-me no meio da rua. Era o João.
- Rui! Ainda bem que te encontro... ia mesmo agora subir para falar contigo.
- O que queres João? - tentei reponder, o mais calmamente possível.
- Podemos subir? É sobre a Margarida… é importante.
- A Margarida vem cá ao fim da tarde… e eu recebi o teu recado e já te expliquei que não posso fazer o que me pedes. Mas quem é essa rapariga?! O que é que é assim tão grave que ela não me possa explicar? Vamos é para o meu escritório que precisamos falar sobre este assunto…
Subimos as escadas em silêncio. Pensava que seria fácil relacionar-me com os outros, ao seguir esta profissão, mas perdia a paciência até com o meu próprio irmão… que exemplo!
- Senta-te… Queres alguma coisa? A Maria deve ter umas bolachas no armário…
- Não, Rui. Quero mesmo é falar contigo. O assunto é sério… A Guida anda muito mal, não fala para ninguém, quer sempre estar sozinha…
- Isso deve ser só uma fase… algum namoro que deu para o torto, stress da universidade. Qualquer coisa do género…
- Mas será que não posso falar? A situação dela é mais complexa… ela perdeu os pais e a irmã num acidente de automóvel quando eles a iam visitar...
Eles eram do Norte e ela não tinha a possibilidade de ir a casa todos os fins-de-semana…e eles queriam fazer-lhe uma surpresa.
Senti um enorme peso na consciência. Julgei a rapariga, e julguei- a mal! Que situação… ela deveria estar a sentir uma dor tremenda.
- Desculpa João… não sabia que o caso era tão sério! Pensei que fosse uma coisa sem importância, que tu estivesses a exagerar… mas porque é que só me contaste agora?
- Porque… - respirou fundo, mas a sua voz tremia – porque pensava que ela ia falar contigo… mas ela está dormente, sabes? Não fala, não come nada, tirou todas as fotos deles das paredes, mal sai da cama… mas não chora, não diz nada sobre o assunto. No hospital, a psicóloga disse que não havia nada a fazer senão esperar. Mas a verdade é que já passou este tempo todo e ela continua na mesma. E eu estou a ficar desesperado… pensei que fosses capaz de ajudá-la, de lhe dar o apoio que ela nega dos amigos… que podesses ir lá a casa, falar com ela.
- Mas espera?! Ela não vem cá? – interroguei-me.
- Ela não quer niguém ao pé dela… mas eu acho que ela não tem muita escolha agora. Trazê-la aqui é mais complicado, e ainda por cima num espaço estranho, com uma pessoa desconhecida…
- Eu percebo João. Creio que fiquei surpreso com isto tudo… eu vou lá! Mas não prometo nada… a situação é delicada e se ela está sempre a rejeitar ajuda, não sei se vai gostar da ideia de um estranho ir bisbilhotar na casa dela… mas vou tentar.
- Obrigado Rui. Eu sei que é difícil! Não sabes o que isto significa para mim… o que ela significa para mim.
Continua…


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