6º Episódio
“Eu
sei que é difícil acreditar. Mas a verdade é que tu és a herdeira legítima do
trono, tinhas que ser mantida a salvo. Cabe-te a ti, e só a ti, escolher: ou
continuas com a tua vida sem sentido ou aceitas o teu destino.”
Apetecia-me
gritar com ele. Quem é que ele pensava que era? Talvez fosse a noção de que
muitas coisas nunca tinham batido certo, ou talvez fosse o instinto a dizer-me
que aquele era mesmo o meu irmão.
“Eu
preciso de pensar, de falar com os meus pais. ”Isto começava a soar estranho.
“Amanhã, amanhã dir-te-ei alguma coisa.”
Despedi-me,
não sem que antes ele me convencesse a deixar-me seguir pelos seguranças. Lá
tive que anuir. Até era agradável sentir-me vigiada daquela forma. Depois do
atacante e desta história toda, só me apetecia ter uma boa noite de sono.
Nunca
que orgulhei de dizer que não sonhava de noite. Devia ser maravilhoso poder
fazer a nossa mente vaguear sem qualquer limite físico. Se já tinha sonhado,
não me lembrava, mas este era um sonho que me ia marcar para sempre, ou talvez
fosse o sonho de algo que me tinha marcado para sempre.
As
pessoas gritavam porque vinha aí alguém mau. Eu não sabia quem, era demasiado
pequena, demasiado frágil para me poder aperceber de alguma coisa. Recebi um
beijo longo. Não vi de quem. Uma voz feminina dizia alguma coisa enquanto
soluçava. Passaram-me apressadamente para um par de mãos rudes e desajeitadas e
embrulharam-me num cobertor macio.
“E
a minha mãe?”
Quando
acordei, era aquela a pergunta que se impunha.
“Bem,
ela morreu no ano passado. Nunca ultrapassou o facto de nunca mais te ter
visto. Apesar de não ser filho dela, sempre me tratou como tal, mas eu sabia
que era de ti que ela sentia falta.”
Não
sabia o que pensar. Finalmente começava a sentir que pertencia a alguma coisa.
Os meus pais sempre foram fantásticos. Não me podiam ter amado mais do que
amaram. Depressa perceberam, pelo meu tom de voz quando lhes liguei naquela
manhã, que algo mudara. Não negaram nada. Afinal era mesmo verdade.
“Como
podes imaginar, esta é uma decisão difícil de tomar. Estás a pedir-me para
deixar tudo aquilo que conheço para me embrenhar numa história de reis e
guerras. Eu sei que seria egoísmo da minha parte escolher o abandono do reino
porque, por muito aliciante que seja, não é aquilo que eu quero. Contudo, é
isso que eu vou escolher. Tive o mais estranho dos sonhos esta noite. Confirmou
tudo aquilo que disseste. E os meus pais não negaram nada.”
Ele
acenou aliviado. Algo me dizia que o rei, o senhor que supostamente seria o meu
pai biológico, não o deixaria voltar sem mim.
Apesar
de o António querer interromper o cruzeiro, eu decidi que seria mais sensato
continuar para não perturbar os outros passageiros. Isso seria de uma extrema
indelicadeza e de um enorme egoísmo.
Dentro
de algumas horas iríamos passar bem no centro do Triângulo das Bermudas. As
histórias associadas àquele sítio específico do planeta não eram muito
agradáveis e eram poucos os que não sabiam o que acontecera com o “voo 19”.
Campos magnéticos, extraterrestres ou fenómenos marinhos… Ninguém sabia como
explicar os efeitos que aquela zona tinha nos aparelhos elétricos.
Não
era, de modo algum, agradável navegar num sítio daqueles. O desconhecido
assustava todas as pessoas que se deparavam com ele. Quase me sentia como os
descobridores portugueses prestes a navegar num imenso oceano assombrado por
histórias de monstros marinhos e outros seres perigosos. Não era à toa que os
chamavam de heróis.
Almoçar
com o meu “novo” irmão revelou-se mais agradável do que eu pensava. Contou-me
imensas coisas sobre a cultura do nosso povo e sobre a nossa família. Era
fantástico o que se podia aprender sobre uma vida em tão pouco tempo. Mas ainda
havia tanto por saber.
Acima
de tudo, sabia que não tinha razões para me preocupar: devia haver submarinos
debaixo de nós prontos para uma operação de salvamento a qualquer momento.
“Tenho
pena de não te ter conhecido há mais tempo. Os meus pais não tiveram nenhum
filho e nunca soube o que era ter um irmão.”
“Tens-me
a mim agora. É quanto basta. Afinal, mais vale tarde que nunca, não é?”
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