4º Episódio
Baixei os meus olhos à
espera de ouvir o riso tão meu conhecido de tantas outras situações idênticas.
Já nem os meus olhos reagiam como antes, com ondas de água salgada que me
banhavam o rosto e me tornavam ainda mais vulnerável à troça dos meus colegas.
Mas não ouvi nada disso. Apenas senti a sua mão pegar no meu queixo e
levantá-lo. Vi novamente aquela bondade espelhada no olhar da minha nova
colega. Já nem ouvia as palavras dos dois colegas que a alertavam para o que
estava a fazer:
- Juntas-te a ela e vais ver.
– O quê? - indagou Selene, sem que o seu rosto
sofresse qualquer alteração e continuou:
- Vão bater-me, é? Vão-se embora e tenham
juízo, já têm idade para isso. Querem o quê? Protagonismo?! Vão, que eu não
temo ameaças. Deixem-nos!
Os meus olhos expressavam,
decerto, o que me ia na alma, pois Selene confortou- me:
- Não temas, acalma-te e vamos dar um passeio
até lá fora, ainda temos tempo até à próxima aula.
Habituada, como estava, a
satisfazer as ordens dos meus irmãos e dos meus colegas, obedeci e arrastei-me
atrás dela. Já no exterior, Selene pediu-me para lhe contar tudo. Não consegui
mais esconder o tempestuoso mar que havia dentro de mim e os meus olhos cederam
à força das águas há tanto reprimidas e que agora derramava sem qualquer controlo.
Selene deixou-se ficar junto a mim em silêncio. Quando consegui ter domínio
sobre mim, já estava na hora da aula seguinte. Mas, carinhosamente, ela disse-me
que, quer quisessem quer não, iria ser minha amiga. Afinal, o meu
pressentimento estava certo!
Quando estávamos a entrar
na sala de aula, apenas lhe disse:
- Chamo-me Ana!
A partir desse dia, eu e a
Selene tornámo-nos verdadeiras amigas. Eu deixei de me sentir tão mal e, apesar
de alguns ainda mandarem algumas bocas quando Selene não estava, tudo melhorara
significativamente. Os outros diminuíram a pressão que exerciam sobre mim. A
minha amiga não deixava os meus “queridos” colegas aproximarem-se de mim, nem
permitia que eu fosse alvo do seu gozo. Defendia-me e incentivava-me a ser mais
corajosa, a defender-me, enfim, a ser mais autoconfiante. Por outro lado, confrontou-me
com a possibilidade de eu falar com o diretor, já que ele era uma pessoa
sensível e ouviria o que eu tinha para lhe contar.
- Tens de te ajudar e, ao
mesmo tempo, ajudar outros que, como tu, são vítimas do mau carácter de muitos
alunos desta escola. Tens de te defender e, acima de tudo, tens de proteger aqueles
que são mais fracos. Tu, - continuava ela - consegues abstrair-te e ser uma boa
aluna. Mas muitos não o conseguem fazer. Não conseguem fugir e esconder-se
nessa redoma como aquela em que te escondes. Tens de agir, Ana!
O seu poder era tal que eu
comecei a ter mais confiança em mim e a ponderar falar ao diretor, não da minha
experiência, mas de outras que sabia e via acontecerem todos os dias. Contudo
os dias iam passando e faltava-me sempre a coragem que Selene me dizia que eu
lá no fundo tinha.
Continua…
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