5º Episódio
Entretanto, certo dia,
Selene ficou doente. No final das aulas, desse mesmo dia, desci a avenida por
entre as árvores que iam até à paragem do autocarro, quando vi o Roberto e a
Sara a meterem-se com um garotito que, como eu, ia apanhar o autocarro.
- Deixem-no em paz! - pedi eu.
Mal disse isto, olharam para mim e desataram
em altas gargalhadas.
- Hoje não está cá o teu
anjinho da guarda, sua …, - voltavam os insultos.
Aproveitaram assim a
ausência da minha amiga para voltarem a atacar-me e eu comecei novamente a
sentir o chão a fugir-me, o ar faltava-me e as mãos tremiam-me. Senti-me
incapaz de dizer algo, de me defender. As suas vozes martelavam na minha
cabeça, mas não os ouvia, não sabia o que diziam.
Comecei a respirar fundo a
tentar acalmar a minha ansiedade, a ver se conseguia reprimir as lágrimas, que
teimavam em saltar-me dos olhos e senti a mão de Sara, que me pegava no braço e
a sua voz, que penetrava que nem espinhos nos meus ouvidos:
- Nem uma palavra! Vês o
puto? - e, virando-se para o rapaz, bateu-lhe na cara.
Vi o medo espelhado no seu rosto.
- Se não fizeres o que te
dissermos, vais ver que te arrependes. Vamos, sua…
O medo paralisava-me. Mas
consegui pensar. Não, não podia continuar a martirizar-me. Não podia mais
compactuar com estas atitudes. Não podia deixar que outros sofressem as
atrocidades que eu sofrera. Uma coisa era eu, só eu. Outra era aquela inocente
criança que queria apenas ir para casa, depois do seu dia de aulas.
Nesse mesmo instante,
lembrei-me de todos os momentos maus que me haviam impingido, mas também de
todos os conselhos que Selene me dera. Da sua força, da sua coragem e bondade e
de tudo o que eu tinha conseguido até ao momento. E, essa força interior, que
não sabia que tinha, levou-me a sentir que chegara a hora de eu agir.
- Sara e Roberto, deixem o
miúdo em paz! - gritei-lhes, enquanto sacudia violentamente a mão de Sara.
Ela, que não estava a
contar com a minha atitude, ficou sem reação. Mas, logo de seguida, gritou-me:
- Cala-te, maldita!
De seguida, não contei que
Roberto me atacasse no momento em que decidi virar-me para o rapaz e pegar-lhe
no braço para irmos para o autocarro. Como ele não estava a contar que eu me
afastasse da Sara, acabou por atingi-la na cara e ela desequilibrou-se, caiu e
acabou por bater com a cabeça no banco de jardim que ali se encontrava. Não sei
qual foi maior, se o ruído provocado pela queda, se o grito de dor da Sara. Ela
ficou estendida no chão com o sangue a jorrar, corri para ela enquanto ouvia o
Roberto que bradava:
- Tu foste a culpada. Assassina,
tu és uma assassina!
- Cala-te e vem ajudar.
Pega no teu telemóvel e chama uma ambulância, depressa!
Enquanto isso, ajoelhei-me
junto de Sara e fui-lhe dizendo que tudo ia ficar bem, para ela não se
preocupar. E quando voltei a olhar, Roberto corria dizendo:
- Não quero ter nada a ver com isto. Livra-te
de dizeres que me viste!
Rapidamente, olhei para o Pedro,
como sabia que se chamava, e perguntei-lhe se tinha telemóvel. Acenou com a
cabeça e, tirando-o do bolso colocou-o na minha mão. Felizmente os meus pais
sempre me disseram que era importante saber o número do INEM e eu liguei.
Entretanto, disse-lhe para
ir para o autocarro, que eu ficaria com a minha colega à espera da ambulância.
– Por favor, avisa os meus
pais que eu fiquei aqui. – consegui ainda pedir-lhe.
Momentos depois, chegou a
ambulância e eu segui com a Sara para o hospital. Eu estava preocupada, ela
desmaiara e durante todo o percurso, mesmo com a reanimação que os bombeiros
lhe faziam, ela continuava inanimada.
Estava no hospital já
havia cerca de uma hora e não tinha quaisquer notícias da minha colega. Nesse
momento, esquecera-me de quem ela era, o que me fizera ao longo de todos os
anos, de como era odiosa e má. Naquele momento, eu só pensava que ela tinha de
ficar bem.
Estando já no meu quarto,
senti um formigueiro na barriga e endireitei-me. Encontrava-me frente ao meu
computador e escrevia mais um dos meus livros. O seu conteúdo fez-me recuar no
tempo e recordar aquilo que jamais esquecerei e que não pretendo esquecer, pois
mantém-me atenta para casos idênticos.
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