“Clara,
Preciso urgentemente de
falar consigo. Está na altura de responder a tudo o que possa querer perguntar.
Venha ter comigo ao
convés às quatro e meia da manhã.
Não demore.
O seu irmão.”
Era
só o que mais me faltava. Mais um engraçadinho, ou seriam o mesmo?
Já
para não falar disso, quem é que entrega uma carta a marcar um encontro com um
empurrão?
Olhei
involuntariamente para o relógio. Eram quatro da manhã.
Deveria
ir? Ainda me tentei deitar, mas a meia hora seguinte demonstrou ser demasiado
atormentadora e era difícil conter a curiosidade.
Fosse
o que fosse, aquilo aguçara o meu interesse e assustara-me de uma forma que eu
não podia, pura e simplesmente, recusar o convite.
Nem
me dei ao trabalho de mudar de roupa. O pijama era de verão, mas com um roupão
e uns chinelos quentes, lá me agasalhei para sair.
No
corredor, uma empregada mostrou-se preocupada comigo: “Passa-se alguma coisa
menina?”
Respondi-lhe
que precisava apenas de apanhar ar. Ela pareceu desconfiada. Devia ter dito que
ia fumar um cigarro. Se calhar iria soar mais credível.
Sem
pensar mais nisso, dirigi-me nervosamente para o convés.
“Sabia
que vinhas”, ouvi antes de me sentir sufocar. A garganta parecia encolher entre
aquelas mãos gigantes e frias. Era demasiado tarde para gritar, já não tinha
folego para isso.
Ouvi
gritarem pelo meu nome. Era uma voz masculina. Fui sacudida e não me lembrava
de mais nada.
Devo
ter ficado adormecida muito tempo porque quando acordei senti-me quase como se
fosse a Bela Adormecida. Seis “macacos” de fato estavam de costas voltadas para
mim. Estavam com roupas escuras e imaculadamente engomadas.
“Ainda
bem que já acordaste. Estava a ver que tinha que te atirar com um balde de água
fria.”
Era
uma voz simpática, acolhedora. Tratava-me por “tu” apesar de não me ser
familiar. Talvez se tratasse de um médico ou de um enfermeiro. Não conseguia
ver ninguém tal era o aparato à minha volta.
Sem
me dar conta disso, levei as mãos ao pescoço. Doía-me bastante.
“Não
te preocupes, já apanhámos a pessoa que fez isso.”, respondeu de novo.
Tentei
levantar-me, mas tantas horas a dormir deixam marcas e as tonturas impediram-me
de continuar. Tentei novamente. Encostei-me à parede e pude finalmente ver o
que se passava.
Os
homens continuavam de costas voltadas, como se nada tivesse mudado entretanto.
Ou muito me enganava, ou eram seguranças. O homem do sobretudo estava com um
médico e uma enfermeira de idade avançada junto a mim.
“Esperávamos
que estivesse bem. Felizmente o atacante não deixou mais consequências que não
umas nódoas negras. O seu irmão salvou-a a tempo.”, constatou o médico olhado
para o homem desconhecido. Mal se deu conta da minha cara de espanto, calou-se
e ficou corado, como se tivesse falado mais do que devia.
“Clara.
Descansa agora. Mais tarde falaremos.”, disse o estranho.
“Farta
de descansar já estou eu. Alguém me diz o que se passa aqui?”
Ele
riu-se. Podia não ser meu irmão, mas tinha bastantes parecenças comigo.
“Já
me tinha avisado dessa tua faceta. Vem, eu ajudo-te a sair daí. Vais tomar um
banho e mudar de roupa para depois jantarmos.”
Nem
me dei ao trabalho de protestar. Sentia o pijama transpirado e quente.
O
desconhecido acompanhou-me até um camarote, que não era o meu, onde um vestido
me esperava em cima da cama. Ficaram todos na rua, a meu mando, enquanto eu me
refrescava.
Continua…
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