2º Episódio
Amava e odiava a escola?! Se
alguém me ouvisse diria que estava a contradizer-me. É verdade! Por um lado o amor
à escola, por outro, o ódio a essa mesma instituição! Claro que eu amava as
aulas, o conhecimento, os professores e tudo o que me ensinavam. Vivia assim numa
ânsia de querer saber mais e mais. E nunca me satisfazia, apesar de me saciarem
a minha fome de saber e de me transportarem cada vez mais longe. Por vezes, emprestavam-me
livros, que rapidamente desbravava tirando partido das noites e dos breves
momentos em que a minha mãe não precisava de mim. Muitas foram as vezes em que
ela me dizia: “Vai-te embora, já está tudo pronto!”, apesar de eu saber que se
sobrecarregava só para me ver feliz. Eu sentia-me ingrata por saber e por
continuar a aproveitar-me desses momentos. Mas gostava tanto de estudar, de
aprender!
Mas também havia o ódio à
escola.
E tudo começou no meu
primeiro ano, logo no primeiro dia. A felicidade inicial de ir para a escola
esfumou-se no intervalo. Eu queria, como todos os outros meninos, conhecer os
meus colegas. Durante o tempo em que estive na sala de aula, até fui feliz! Porém,
tudo acabou no momento em que os meus pés pisaram o recreio.
Uma ruiva, a Sara, com olhos da cor do céu,
veio ter comigo. Fiquei logo fascinada… ia ter uma amiga! Mas, quando ela me disse:
“Afasta-te de nós, piolhosa!”, as palavras queriam sair-me mas os meus lábios
teimaram em ficar cerrados. Os meus olhos humedeceram-se e quando consegui ver
os outros colegas, constatei que eles se riam de mim e que me apontavam o dedo
como se eu fosse algo repelente.
Desde esse dia que fui
alvo da chacota de quase todos. Bem, havia alturas piores que outras. Havia
vezes que me ignoravam e para mim, esses eram os melhores momentos.
Entretanto, nesse mesmo
dia, prometi a mim mesma que isso não me iria perturbar, que iria ser a melhor
e que não me interessavam os outros. Mas, até ao décimo segundo ano, embora
tenha alcançado um dos meus objetivos, todos os outros, ou seja, aqueles que
também importam e muito, não os consegui! Dizia sempre a mim mesma que era o
que era, mas é claro que importava. Mesmo em casa, os meus irmãos chamavam-me
“betinha”. Gozavam-me, torturavam-me psicologicamente e eu nunca consegui
ultrapassar essa barreira.
Claro que havia alguns
colegas simpáticos, mas o medo e a dor eram tão intensas que eu refugiava-me no
meu casulo e não deixava ninguém entrar. Para quê? Para poderem espezinhar-me?
Apesar de tudo, era a
melhor em todas as disciplinas. Os professores elogiavam o meu trabalho, o que
aumentava a pressão dos meus colegas e dos meus irmãos. Os meus pais tomavam-me
como exemplo para alertarem os meus irmãos para estudarem. Eles não eram maus
alunos, mas podiam tirar melhores notas se estudassem. Os professores faziam o
mesmo em relação aos meus colegas. Porém, tudo isto acabava por me penalizar em
casa e na escola.
O apoio e o amor da minha
mãe e do meu pai davam-me ânimo e força suficientes para encarar cada dia de
escola, mesmo que eles não soubessem o tormento que eu vivia. Claro que eu não
lhes contara. Pois, se lhes dissesse, a eles ou aos professores, podiam pensar
que estava a armar-me em boa, que era aquilo que me diziam: “Vais fazer queixa
aos profes e vais ver…”. E eu sabia
que eles conseguiriam fazer-me ainda pior. Por isso, o melhor era manter-me
calada, fechada, isolada, triste, mas ao mesmo tempo feliz com tudo o que ia
aprendendo.
Sim, eu fui vítima de
Bullying! Tenho a plena consciência disso, mas não conseguia fazer nada para
acabar com ele. Ao longo desses longos anos, em que frequentei a escola, sofri atos
de violência silenciosa, psicológica como lhe chamam. Atos que intencionalmente
foram repetidos e praticados pelos meus colegas. Porém, apesar de tudo, a dor e
a angústia que sentia não me fizeram desviar nem um milímetro dos meus
objetivos. Mas o poder que exerciam sobre mim fizeram-me sentir diferente e,
embora me fragilizassem, foram um incentivo para alcançar bons resultados nas
aulas.
Continua…
Sem comentários:
Enviar um comentário