3º Episódio
Entretanto, neste meu
deambular pela minha vida, nem dei pelo tempo passar. O autocarro já tinha
acabado de chegar à paragem da escola. E, enquanto me preparava para sair, senti
algo de diferente. Parecia que o cessar da chuva e a réstia de sol, que se fez
sentir, trazia com ele uma luz. Senti um súbito rejubilar dentro de mim que me
alegrou e me fez encarar o meu futuro com outros olhos. E senti ainda que,
naquele dia, algo iria acontecer.
Sai e fui logo abordada
por um grupo de “amigos” que me deram as boas-vindas:
- Então, otária, o que
vais fazer hoje? Namorar os profes?
Estás lixada se não nos dás os teus trabalhos de casa para nós passarmos. E bem
caladinha, sua …
Era isto todos os dias. E,
desta vez, até estavam a ser simpáticos! Usavam adjetivos suaves, comparados
com o calão baixo e indigno utilizado noutros dias.
Afinal, nada mudara. O meu
pressentimento acabara de cair na possa de água, tal e qual como os meus pés, pois,
empurrada pela maldade dos meus “queridos” colegas, eu desequilibrara-me.
Felizmente foram apenas os pés.
A primeira aula do dia
revelou-se diferente. Bem, não propriamente diferente. A aula foi igual a
tantas outras. A diferença foi que apareceu uma nova colega. Alta,
elegantemente vestida e que parecia saída de uma revista de moda.
A atenção de todos, mesmo
da minha, foi imediata. Ela sentou-se nos últimos lugares da sala. O professor
e diretor de turma apresentou-a. Chamava-se Selene, nome que se adequava
bastante bem à sua imponente e majestosa, isto é, solene figura. Os pais
tinham-se mudado para a nossa pequena cidade e ela, como é evidente, também
veio. Apesar de toda a distinção, elegância e do seu ar luminoso, sorriu-nos,
pareceu-me, de um modo bastante simples e bondoso. Enfim, daquela simplicidade que
cativa as pessoas e que lhes dá confiança.
A aula decorreu como
sempre, incluindo as piadas veladas de alguns colegas, quando qualquer aluno
tinha de intervir, bem, mais precisamente quando era eu. Os habituais
raspanetes do professor, pela falta de empenho de alguns, pelo barulho dos
mesmos e pelas muitas queixas recebidas de outros seus colegas, temperaram o
final da aula.
A partir desse dia, Selene
passou a ser o alvo de todas as atenções. Era tudo o que qualquer rapariga
queria: rica, gira, boa aluna e muito simpática. Mas, quanto a mim, nada mudou.
Tudo continuava na mesma. Ela dizia-me olá e eu respondia-lhe a medo. Afinal,
aquela sensação que tive no dia em que ela apareceu tinha-se esfumado.
Passado uns dias, no final
de uma aula, como sempre fazia, arrumei cuidadosamente os meus materiais na
minha mochila e preparava-me para sair, quando a nova colega me abordou:
- Olá, eu sou a Selene e
tu?
Pois, eu ainda não tinha
dito como me chamava. E preparava-me para o fazer, quando a Sara e o Roberto,
amigo bem mais velho que nós com quem a minha velha amiga se associara, o
fizeram por mim:
- É a betinha cá do sítio, com roupa em
segunda mão…
– Não lhe ligues. - disse Sara - É pobre e só
serve pró gozo do pessoal!
Continua…
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