Endereço de correio eletrónico

ociclista@aeanadia.pt

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

“Como eu estabeleci uma estreita amizade com um ser espacial”


2º e último Episódio

Mas, para os astrónomos, o nascimento e evolução do nosso Universo explica-se pela teoria do Big Bang. Há cerca de 15 mil milhões de anos, o Universo era mais pequeno do que uma cabeça de alfinete. Toda a energia aprisionada neste ponto minúsculo teria sido subitamente libertada durante uma formidável “explosão”. Ter-se-iam começado a formar pequenas partículas neste recente Universo e a organizar-se em nós, estrelas e em galáxias.
- Sabes, estou fascinado com tudo o que me contas e vejo. Visto da Terra, é tudo tão diferente! De lá não passas de um pontinho brilhante.
- Estamos tão distantes de ti que os astrónomos criaram uma unidade especial que lhes permite medir estas distâncias inconcebíveis – o Ano Luz, isto é, a distância que a luz percorre num ano; estes calculam que num ano terão percorrido quase 10 000 biliões de quilómetros.
  — Mas agora, vou calar-me e continua tu. Diz-me, conta-me o que quiseres.
E falei-lhe da poesia, outro fantástico mundo onde nos podemos libertar e tudo criar.

“ Mar sonoro
   Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,
   A tua beleza aumenta quando estamos sós
   E tão fundo intimamente a tua voz
   Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
   Que momentos há em que eu suponho
   Seres um milagre criado só para mim.”
Dei-lhe a conhecer “ Sexta-Feira” propondo-lhe uma adivinha:
“Qual é coisa, qual é ela, que é uma mão que te embala, um cozinheiro que põe sal na tua sopa, um exército de soldados que te faz prisioneiro, um grande animal que se zanga, ruge e se agita quando faz vento, uma pele de serpente com mil escamas que brilham ao sol?”
- Oh! Conheço-o bem, amigo – é o Oceano, uma outra maravilha que percorro diariamente a fim de orientar e “salvar” os meus marinheiros. Mas não imaginas o medo que eles sentem quando ele ”ruge” e “se agita”!
- Olha, acalma-o, com este outro poema de Sophia que parece retratar os teus “protegidos”.
  
 Lusitânia
 
“Os que avançam de frente para o mar
    E nele enterram como uma aguda faca
    A proa negra dos seus barcos
    Vivem de pouco pão e de luar.”

   - Agora, que me mostraste a poesia, penso que poderei socorrer-me dela e pouparmo-nos desses desagradáveis momentos de zanga marítima.
Está na hora. Vou ter de te deixar, pois vou iniciar mais um turno, vou regressar ao meu trabalho.
Podes acompanhar-nos e quando quiseres, deixar-te-ei em “casa”. Poderás assim entender o que não te poderei fazer sentir por palavras... como sou feliz ao ser estrela! Como sou feliz sendo guia dos marinheiros, audazes homens que não se poupam a esforços e perigos para ganharem a vida!
- E olha amigo… no fundo o Universo é tudo o que existe, e também eu e tu fazemos parte dele. Ambos nascemos, envelhecemos e morremos.
  Vivi assim momentos numa paisagem pura, paisagem essa onde estabeleci uma relação com “alguém” com a candura original dos seres e dos objetos.
Mesmo revelados alguns dos seus segredos, o céu visto do meu jardim continuará para sempre, aos meus olhos um vasto oceano de mistério.

Henrique Seabra Ferreira



quinta-feira, 30 de agosto de 2012

“Como eu estabeleci uma estreita amizade com um ser espacial”


Concurso literário “Ler e Aprender”
Texto do género narrativo escrito pelo aluno, Henrique Seabra Ferreira, concorrente e vencedor do 1º prémio no Concurso literário “Ler e Aprender”, 1º Ciclo, edição de 2012.

A Equipa d´O Ciclista



“Como eu estabeleci uma estreita amizade com um ser espacial”

1º Episódio

Todos os dias, quando pretendo momentos solitários de paz e tranquilidade, dirijo-me ao meu jardim, preferencialmente de noite, em noites claras, onde as estrelas mais brilhantes desenham constelações sobre a tela do céu que fica assim decorada. Jogamos como que às escondidas, descobrindo o que os meus conhecimentos me permitem e, ora lá encontro a Ursa Maior, a Ursa Menor, a Estrela Polar e logo me imagino “perdido” nalguma das minhas viagens fantásticas que por vezes faço quando saboreio alguns capítulos de uma soberba aventura narrada por algum/a escritor/a preferida/o. Recuo, então, no tempo e relembro as palavras de Proust quando diz que
“Talvez não haja na nossa infância dias que tenhamos vivido tão plenamente como aqueles que pensamos ter deixado passar sem vivê-los, aqueles que passamos na companhia de um livro preferido”.
E assim, se pretendo desvendar os mistérios do mar, faço-me acompanhar da grande poeta “Sophia”, se pretendo desbravar a Speranza, entro nela através de “ Sexta-Feira ou a Vida Selvagem” com Michel Tournier e participo nas aventuras ao lado de Robinson Crusoe. Cativam-me com os diálogos entre este e Sexta-Feira.
Foi numa destas noites de contemplação celestial que, ao erguer mais uma vez os olhos para esse misterioso infinito, iniciei viagem até lá, uma vez que tenho olhos para o ver, mas não tenho braços para o abraçar.
Concretizei, assim, um dos meus sonhos e conheci um ser ilimitado que me pediu as minhas palavras, o meu saber, a minha confirmação ou talvez o meu amor para poder ser completamente.
Curioso como sou, escolhi, evidentemente, uma estrela comparável a mim: curiosa também o suficiente para que a sua paciência fosse capaz de me ir satisfazendo todas as questões que me intrigam.
Era pequena, vermelha, querendo isto dizer que não era muito quente. Era, no entanto, muito brilhante.
Apesar de espantada, a estrela não deixou de me saudar, de querer saber de onde vinha, o que fazia ali. Conversámos e ao fim de algum tempo senti que nascera ali uma estreita amizade.
     -Vem, vem conhecer e descobrir o que quiseres - disse ela - mas fala-me também de ti e do teu mundo.
Sou Polar, a Estrela guia dos marinheiros. Sabes, pastores, agricultores e os grandes viajantes foram os primeiros a estudar o céu. Argutos, repararam que os nossos movimentos constituíam indícios importantes que lhes permitiam orientar-se no mar ou atravessar vastos desertos sem se perderem; que os nossos movimentos aparentes mediam a passagem do tempo. Foi baseado nos nossos movimentos regulares que criaram os primeiros calendários.
- Mas, efetivamente, de onde veio todo este Universo? Interroguei-a.
- Ah! Sabes, todos os povos que atravessaram a história têm narrações para explicar o seu começo. Para os chineses, por exemplo, eu e todas as minhas irmãs estrelas, teremos surgido dos cabelos de um deus que se pôs a criar o mundo, tal como dos seus olhos surgiram o Sol e a Lua.

Continua…


quarta-feira, 29 de agosto de 2012

“O triângulo da descoberta”


8º e último Episódio



Permaneci calada. Ela também conseguia respirar debaixo de água.
“Soubemos da tentativa do general para te raptar e destruir o barco depois de te encontrar. Tentámos detê-lo antes de eles abalroar o navio, mas foi uma tarefa que se revelou impossível contra todas aquelas armas.
A nossa tarefa é salvar todas as pessoas em perigo que consigamos salvar, tal como eu fui salva pelos animais daqui há muitos anos atrás.
Como podes imaginar, não podemos só salvar as pessoas, por vezes também temos que impedir que cometam erros de custem a vida de muitas outras. Deve ser por isso que tantos evitam passar por aqui.
Minha querida, não te vou fazer prisioneira deste lugar durante muito tempo. Não é de todo, minha vontade deixar-te desconfortável.”
“Diga-me só uma coisa.”, consegui, por fim, dizer. “Porque é que consigo respirar mesmo estando debaixo de água?”
“O Triângulo das Bermudas esconde muitos segredos. Muitos foram os humanos que, como eu, ocuparam o cargo de tomar a decisão de quem pode passar. Outros, como tu, limitaram-se a ser salvos e a voltar a casa.
Eu escolhi ficar.
Este é um sítio mágico. É aqui que todas as forças da Natureza se unem e engendram planos para combater as ameaças do Homem.”
Explicou-me que a função dela e dos governadores das outras zonas da Terra, era garantir que o equilíbrio era mantido. Aquilo fez-me rir: enquanto os homens se unem para garantir que continuam com o poder supremo perante os mais fracos, eles reuniam-se para garantir a igualdade. E eram humanos, o que provava que era possível escolher um caminho de vida melhor.
Garantiu-me que o meu irmão já estava a caminho de Crindiva e que sabia onde eu estava. Ficou aborrecido quando soube que eu tinha desaparecido, mas entretanto mostrou-se mais aliviado.
Agnes pediu-me, ainda, que tentasse seguir o exemplo dela. A Terra não é de ninguém, é de todos e cabia a cada um garantir que isso continuaria a ser assim.
Foi aí que eu percebi: não me sentia bem em lado nenhum, porque trabalhava a favor de alguém, de uma causa particular nem sempre muito nobre. Nunca me senti bem com isso porque não era essa a minha natureza. Queria mais, sempre mais. Cheguei a sentir-me egoísta por, apesar de ter mais do que muitos, nunca me sentir realizada. Mas ali sim. Finalmente pertencia a algo e tinha a oportunidade de marcar a diferença.
Mais uma vez, comparei-me com os navegadores portugueses: eles arriscaram a vida por algo muito superior a qualquer um deles – a glória de toda uma Nação. Lutaram, sofreram, muitos morreram, mas agora são lembrados como sendo os verdadeiros heróis de um tempo de decadência moral.
Agora era a minha vez. Quando temos o poder, é fácil deixá-lo cair para o lado errado, é fácil cair na tentação da corrupção. Sabia que não era uma heroína, mas se todos fizermos o que nos cabe, não somos, todos, heróis?
Era aquele o meu propósito de vida que nunca tinha descoberto: viver para os outros. Ser rainha dava-me o privilégio de poder fazer ainda mais pelos outros. Mas no fundo eu sabia: o mundo era totalmente marcado pelo egoísmo. As pessoas eram egocêntricas e interesseiras. Ninguém se preocupava com ninguém. E como o mar precisa das nascentes para continuar a ser mar, eu sabia que se me tornasse numa dessas fontes que brotam incessantemente, mais cedo ou mais tarde um novo mar nasceria e o mundo passaria a ser um lugar melhor.
“Obrigada. Muito obrigada, disse eu.”
Mais tarde descobri que o filho do general tinha sido preso por causar um incidente diplomático. Parece que também havia um senador dos Estados Unidos importante naquele cruzeiro.
O meu pai revelou-se uma pessoa muito simpática, apesar de já estar muito velho. Os meus “outros” pais vieram viver connosco a pedido do rei.
Acabei por governar com o meu irmão porque não tinha muitos conhecimentos sobre como administrar um reino.
No final de tudo, acabei por me descobrir e por saber o que queria do resto do tempo que passaria na Terra. 



Ana Rita Costa Pereira

terça-feira, 28 de agosto de 2012

“O triângulo da descoberta”


7º Episódio 



Ele fazia-me rir. Era como se estivesse a falar para um espelho.
O dia passou demasiado rapidamente. Pedi ao António para deixar que os seguranças pudessem descansar um pouco, mas o máximo que ele deixou, foi deixar que um deles descansasse enquanto os outros ficavam de vigia.
“A tua segurança acima de tudo. É a função deles.”, disse ele quando lhe fiz o pedido durante a tarde.
Naquela noite ia dormir muito melhor, disso tinha a certeza.
Não tinha voltado ao meu camarote inicial. “Não era seguro.”
Como o bilhete era de primeira classe, julguei que não havia camarotes melhores que aquele onde estava, mas havia. Parecia forrado a ouro ou algo do género. A mobília negra emanava um brilho quase natural. “Digno de uma rainha.”, eram estes os pensamentos que me faziam rir, agora.
“Rápido menina, venha, venha!”
Olhei para o relógio: tinha adormecido apenas há duas horas quando me tiraram violentamente da cama. O segurança que tinha ficado encarregue de vigiar a porta do quarto entrou de rompante enquanto gritava desenfreadamente, parecia um louco.
Não me deu tempo sequer para perguntar o que se passava. Agarrou no meu telemóvel e em alguns pertences mais pessoais deixados de forma a permitir uma fuga rápida (não que eu achasse necessário, mas o meu irmão assim o obrigava) e levou-me na direção do convés.
O António já lá estava.
Algo tinha chocado contra o navio, ou talvez o navio tivesse chocado com algo, era impossível de perceber.
“Chama o helicóptero.”, gritavam entre eles.
Com a confusão que se instalou, depois de empurrões intermináveis, acabei separada deles. Uma mulher forte veio contra mim fazendo com que eu me desequilibrasse e caísse borda fora.
Não sabia nadar muito bem e foi difícil chegar à tona da água.
Um animal veio contra mim. Parecia que não me queria aleijar, só chamar a minha atenção para ele. Tateei-o com as mãos e cheguei à conclusão que se tratava de um golfinho. Agarrei-me à barbatana dele e deixe-me ser levada.
Nadámos durante alguns segundos até que ele mudou bruscamente de direção mesmo antes de um objeto enorme com umas luzes demasiado potentes para a minha visão passar por nós. Um submarino, tal como eu previra. Só depois me lembrei que eles tinham mencionado algo sobre um helicóptero e não sobre um submarino. Seria aquela a razão da avaria do navio?
Continuei a ser levada e fomos descendo cada vez mais fundo até que me fui apercebendo de que conseguia respirar debaixo de água.
O golfinho deixou-me junto de uma baleia enorme, maior do que todas as outras que vira nos programas de vida selvagem até ali. Ela abriu a boca, sugando-me para o seu interior.
Primeiro estava escuro, mas depois uma luz apareceu e foi-se tornando cada vez maior até revelar um salão majestoso.
Cavalos-marinhos carregavam bandejas enquanto estrelas-do-mar cantavam animadamente.
Que sítio era aquele?
“Tragam-na!”
Dois golfinhos foram ao meu encontro e levaram-me até junto de uma mulher que parecia ter idade suficiente para ser minha avó.
 “Olá Clara.”, sabia o meu nome. “Espero que estejas bem, dei ordens para isso. O meu nome é Agnes. Sou a governadora do mar das Bermudas. Não te assustes. Só te queremos ajudar.”

Continua…

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

“O triângulo da descoberta”


6º Episódio



“Eu sei que é difícil acreditar. Mas a verdade é que tu és a herdeira legítima do trono, tinhas que ser mantida a salvo. Cabe-te a ti, e só a ti, escolher: ou continuas com a tua vida sem sentido ou aceitas o teu destino.”
Apetecia-me gritar com ele. Quem é que ele pensava que era? Talvez fosse a noção de que muitas coisas nunca tinham batido certo, ou talvez fosse o instinto a dizer-me que aquele era mesmo o meu irmão.
“Eu preciso de pensar, de falar com os meus pais. ”Isto começava a soar estranho. “Amanhã, amanhã dir-te-ei alguma coisa.”
Despedi-me, não sem que antes ele me convencesse a deixar-me seguir pelos seguranças. Lá tive que anuir. Até era agradável sentir-me vigiada daquela forma. Depois do atacante e desta história toda, só me apetecia ter uma boa noite de sono.
Nunca que orgulhei de dizer que não sonhava de noite. Devia ser maravilhoso poder fazer a nossa mente vaguear sem qualquer limite físico. Se já tinha sonhado, não me lembrava, mas este era um sonho que me ia marcar para sempre, ou talvez fosse o sonho de algo que me tinha marcado para sempre.
As pessoas gritavam porque vinha aí alguém mau. Eu não sabia quem, era demasiado pequena, demasiado frágil para me poder aperceber de alguma coisa. Recebi um beijo longo. Não vi de quem. Uma voz feminina dizia alguma coisa enquanto soluçava. Passaram-me apressadamente para um par de mãos rudes e desajeitadas e embrulharam-me num cobertor macio.
“E a minha mãe?”
Quando acordei, era aquela a pergunta que se impunha.
“Bem, ela morreu no ano passado. Nunca ultrapassou o facto de nunca mais te ter visto. Apesar de não ser filho dela, sempre me tratou como tal, mas eu sabia que era de ti que ela sentia falta.”
Não sabia o que pensar. Finalmente começava a sentir que pertencia a alguma coisa. Os meus pais sempre foram fantásticos. Não me podiam ter amado mais do que amaram. Depressa perceberam, pelo meu tom de voz quando lhes liguei naquela manhã, que algo mudara. Não negaram nada. Afinal era mesmo verdade.
“Como podes imaginar, esta é uma decisão difícil de tomar. Estás a pedir-me para deixar tudo aquilo que conheço para me embrenhar numa história de reis e guerras. Eu sei que seria egoísmo da minha parte escolher o abandono do reino porque, por muito aliciante que seja, não é aquilo que eu quero. Contudo, é isso que eu vou escolher. Tive o mais estranho dos sonhos esta noite. Confirmou tudo aquilo que disseste. E os meus pais não negaram nada.”
Ele acenou aliviado. Algo me dizia que o rei, o senhor que supostamente seria o meu pai biológico, não o deixaria voltar sem mim.
Apesar de o António querer interromper o cruzeiro, eu decidi que seria mais sensato continuar para não perturbar os outros passageiros. Isso seria de uma extrema indelicadeza e de um enorme egoísmo.
Dentro de algumas horas iríamos passar bem no centro do Triângulo das Bermudas. As histórias associadas àquele sítio específico do planeta não eram muito agradáveis e eram poucos os que não sabiam o que acontecera com o “voo 19”. Campos magnéticos, extraterrestres ou fenómenos marinhos… Ninguém sabia como explicar os efeitos que aquela zona tinha nos aparelhos elétricos.
Não era, de modo algum, agradável navegar num sítio daqueles. O desconhecido assustava todas as pessoas que se deparavam com ele. Quase me sentia como os descobridores portugueses prestes a navegar num imenso oceano assombrado por histórias de monstros marinhos e outros seres perigosos. Não era à toa que os chamavam de heróis.
Almoçar com o meu “novo” irmão revelou-se mais agradável do que eu pensava. Contou-me imensas coisas sobre a cultura do nosso povo e sobre a nossa família. Era fantástico o que se podia aprender sobre uma vida em tão pouco tempo. Mas ainda havia tanto por saber.
Acima de tudo, sabia que não tinha razões para me preocupar: devia haver submarinos debaixo de nós prontos para uma operação de salvamento a qualquer momento.
“Tenho pena de não te ter conhecido há mais tempo. Os meus pais não tiveram nenhum filho e nunca soube o que era ter um irmão.”
“Tens-me a mim agora. É quanto basta. Afinal, mais vale tarde que nunca, não é?”

 Continua…


domingo, 26 de agosto de 2012

“O triângulo da descoberta”


5º Episódio



O vestido amarelo era lindíssimo. Não muito adequado à ocasião, ou talvez até fosse. Dependia de qual era, mesmo, a ocasião.
Coloquei a mão na maçaneta, pronta a abri-la, mas dei por mim a questionar-me se sabia realmente aquilo em que me estava a meter. Ao rodar aquele objeto de metal, estaria a entrar numa nova fase de algo que ainda desconhecia e não sabia se queria mudar isso.
Quando saí para o corredor, seis pares de óculos escuros e um par de olhos azuis esperavam-me ansiosamente.
“Pronta?”
Acenei afirmativamente.
O convés estava cheio, mas aquela mesa parecia estritamente reservada para nós. Ninguém se aproximava sequer dela.
“Antes de mais, o meu nome é António. Penso que está na ora de saberes isso. Sou teu irmão, ou pelo menos é isso que as provas iniciais demonstram. Ainda estamos a realizar os testes de ADN. O meu pai, o nosso pai acredita que és tu a filha desaparecida há tanto tempo.”
“Isso é impossível. Os meus pais são reais. Não sou sequer adotada. Não há maneira de eu ser tua irmã.”
“Não penses assim. Diz-me, alguma vez viste fotos tuas de quando eras bebé?”, nem esperou pela resposta. Sabia que eu não tinha uma. “Pois, um incêndio, certo?” Como é que ele sabia? “Imagino que nunca que tenhas questionado sobre isso, parecia tudo demasiado credível.”
Depois explicou-me qualquer coisa sobre uma guerra entre o reino de Crindiva e uma república Corsaniana. Algo sobre um general que queria a todo o custo expandir o seu território e ameaçou o reino o rei não aceitasse casar o filho do general com a sua filha recém-nascida.
O rei, sabendo que a única forma de impedir o general de se conseguir apoderar do seu território era afastar-se da sua filha, entregou-a a um casal de empregados dando-lhe uma pequena fortuna para que a pudessem criar sem qualquer entrave. Nem o rei nem ninguém poderiam alguma vez saber para onde eles iriam, não fosse o caso de haver um traidor que denunciasse a sua localização.
António era apenas seu meio-irmão. Um bastardo, por outras palavras. Mas o rei, D. Manuel, fazia questão de o reconhecer como filho e de lhe dar as regalias de um filho legítimo. O problema é que ele não podia ascender ao trono. Quando as coisas acalmaram, o rei decidiu enviar detetives para a encontrarem, mas era impossível localizá-la.
Ainda não acreditava que eu era aquela rapariga.
“E como é que me encontraram aqui?”
“Bem, o pai tem espiões em todo o lado. Depois de fazermos um retrato robô no qual aparecerias de acordo com a tua aparência atual, não foi difícil localizar-te. Não quis falar contigo antes porque não tinha a certeza de que eras minha irmã, mas depois daquela carta do pai e de ver o homem a atacar-te não tive outra alternativa.”
“Quem era ele?”
“Vinha a mando do filho do general. Depois da morte do pai dele, descobriu um diário onde ele contava tudo o que pretendia para o reino e contava como a tinha tentado levar. Decidiu que estava na hora de seguir os passos do antecessor e que se não te tinham conseguido levar antes, iriam encontrar-te antes de nós. O plano dele era raptar-te e manter-te prisioneira para forçar o pai a dar-lhe o poder sobre o nosso reino.”
Parecia inacreditável.
“E porque é que nunca ninguém me disse nada? Oh, espera! O meu pai deu ordens para que não me contassem nada, com medo que eu o fosse procurar e deitasse tudo a perder.”
 Ele nem sequer respondeu. Eu tinha razão.
“Sabes, se eu fosse mais nova, ia adorar descobrir que era uma princesa. Mas não sei se o quero ser agora. Há muitas coisas que me impedem de deixar a minha vida.”
“Sim? Tanto quanto sei, não tens tido muita sorte na tua vida pessoal e ainda não te fixaste em lugar nenhum.”
Ora ali estava uma coisa que ainda ninguém me tinha dito em voz alta.

Continua…

sábado, 25 de agosto de 2012

“O triângulo da descoberta”

                                       4º Episódio

 “Clara,
Preciso urgentemente de falar consigo. Está na altura de responder a tudo o que possa querer perguntar.
Venha ter comigo ao convés às quatro e meia da manhã.
Não demore.
O seu irmão.”
Era só o que mais me faltava. Mais um engraçadinho, ou seriam o mesmo?
Já para não falar disso, quem é que entrega uma carta a marcar um encontro com um empurrão?
Olhei involuntariamente para o relógio. Eram quatro da manhã.
Deveria ir? Ainda me tentei deitar, mas a meia hora seguinte demonstrou ser demasiado atormentadora e era difícil conter a curiosidade.
Fosse o que fosse, aquilo aguçara o meu interesse e assustara-me de uma forma que eu não podia, pura e simplesmente, recusar o convite.
Nem me dei ao trabalho de mudar de roupa. O pijama era de verão, mas com um roupão e uns chinelos quentes, lá me agasalhei para sair.
No corredor, uma empregada mostrou-se preocupada comigo: “Passa-se alguma coisa menina?”
Respondi-lhe que precisava apenas de apanhar ar. Ela pareceu desconfiada. Devia ter dito que ia fumar um cigarro. Se calhar iria soar mais credível.
Sem pensar mais nisso, dirigi-me nervosamente para o convés.
“Sabia que vinhas”, ouvi antes de me sentir sufocar. A garganta parecia encolher entre aquelas mãos gigantes e frias. Era demasiado tarde para gritar, já não tinha folego para isso.
Ouvi gritarem pelo meu nome. Era uma voz masculina. Fui sacudida e não me lembrava de mais nada.
Devo ter ficado adormecida muito tempo porque quando acordei senti-me quase como se fosse a Bela Adormecida. Seis “macacos” de fato estavam de costas voltadas para mim. Estavam com roupas escuras e imaculadamente engomadas.
“Ainda bem que já acordaste. Estava a ver que tinha que te atirar com um balde de água fria.”
Era uma voz simpática, acolhedora. Tratava-me por “tu” apesar de não me ser familiar. Talvez se tratasse de um médico ou de um enfermeiro. Não conseguia ver ninguém tal era o aparato à minha volta.
Sem me dar conta disso, levei as mãos ao pescoço. Doía-me bastante.
“Não te preocupes, já apanhámos a pessoa que fez isso.”, respondeu de novo.
Tentei levantar-me, mas tantas horas a dormir deixam marcas e as tonturas impediram-me de continuar. Tentei novamente. Encostei-me à parede e pude finalmente ver o que se passava.
Os homens continuavam de costas voltadas, como se nada tivesse mudado entretanto. Ou muito me enganava, ou eram seguranças. O homem do sobretudo estava com um médico e uma enfermeira de idade avançada junto a mim.
“Esperávamos que estivesse bem. Felizmente o atacante não deixou mais consequências que não umas nódoas negras. O seu irmão salvou-a a tempo.”, constatou o médico olhado para o homem desconhecido. Mal se deu conta da minha cara de espanto, calou-se e ficou corado, como se tivesse falado mais do que devia.
“Clara. Descansa agora. Mais tarde falaremos.”, disse o estranho.
“Farta de descansar já estou eu. Alguém me diz o que se passa aqui?”
Ele riu-se. Podia não ser meu irmão, mas tinha bastantes parecenças comigo.
“Já me tinha avisado dessa tua faceta. Vem, eu ajudo-te a sair daí. Vais tomar um banho e mudar de roupa para depois jantarmos.”
Nem me dei ao trabalho de protestar. Sentia o pijama transpirado e quente.
O desconhecido acompanhou-me até um camarote, que não era o meu, onde um vestido me esperava em cima da cama. Ficaram todos na rua, a meu mando, enquanto eu me refrescava.

Continua…


sexta-feira, 24 de agosto de 2012

“O triângulo da descoberta”


3º Episódio


Peguei no livro que tinha levado e deixei de lado a carta, nunca mais me lembrei dela.
Durante a hora de jantar, subi ao convés para apanhar um pouco de ar. Sentia-me muito melhor e já tinha comido algo mais consistente. Um casal estava junto da piscina a trocar presentes. Provavelmente, era o seu aniversário de casamento, ou de namoro, nestes dias nunca se sabe.
Havia mais uns quantos passageiros a apreciar o sol enquanto ele se escondia e, enquanto voltava para dentro, com frio, um vulto passou repentinamente. Assustei-me quando ele veio contra mim, quase caí. Quis gritar e esbracejar, mas já era demasiado tarde para isso. Já não o conseguia ver em lado nenhum. Podia ser qualquer pessoa. Alguém muito parvo, por sinal, ou alguma criança, não sabia.
Os concertos eram bastante usuais, segundo o que ouvi dizer. Jazz não seria a minha escolha inicial, mas acabou por se revelar um tanto ou quanto agradável.
Eram três da manhã quando acabei por sucumbir ao cansaço.
E que susto eu apanhei quando encontrei rosas brancas em cima da cama. Quem tinha ali estado?
“Excelentíssima menina Clara. Pedimos desculpas pelo incómodo que possamos ter causado. Como recompensa, a Copanhimar oferecer-lhe-á uma nova viagem com data a programar. Esperamos as suas melhoras.” Ainda deviam estar com medo que eu os processasse por causa do marisco.
O pijama era o meu melhor, não que fosse o bonito, não disse isso, mas sem dúvida, o melhor. O único que não tinha nódoas por causa do chocolate quente que adorava beber enquanto via filmes antes de adormecer.
Mal tirei o casaco, dei-me conta de algo no bolso esquerdo: era outra carta. Da mesma pessoa, quase de certeza. Lembrei-me que ainda não tinha lido a outra e poisei-a junto dela para as ler depois de me lavar.
Quando voltei para junto delas, decidi começar pela primeira.
“Clara.
Começar esta carta foi das coisas mais difíceis que já fiz em toda a minha vida. Encontrar-te, foi a mais demorada. Procurar-te durante todos estes anos deixou-me muito fragilizada, mas sempre acreditei que chegaria o momento em que estarias a ler esta carta.
Minha querida filha, era assim que devia ter começado.
Não penses minha querida, lê primeiro o que tenho para te dizer.
Não estou aí contigo porque é extremamente difícil viajar para outros sítios que não seja por negócios. Não que não sejas mais importante que tudo isso, mas deixei a missão de te encontrar a outra pessoa da minha inteira confiança.
O teu irmão é um pouco desconfiado e não nos podemos dar ao luxo de nos expormos sem ter-mos a certeza do que estamos a fazer. Já o deves ter visto por aí. Não deve demorar muito para que ele te procure e te explique tudo o que tens que saber. Já agora, não ligues ao mau feitio dele, é crónico.
Deves ter muitas perguntas, questões às quais não te posso responder por carta. Mas não te preocupes, a seu tempo, terás todas as respostas.
O teu pai,
D. Manuel de Crindiva.”
Mas isto era alguma piada? É que, se fosse, estava a dar resultado. Só podia ser uma brincadeira de mau gosto. Os meus pais eram as pessoas mais honestas que eu conhecia, nunca me esconderiam algo tão difícil.
Ainda faltava uma carta. O que será que vinha aí?

Continua…

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

“O triângulo da descoberta”


2º Episódio


Ainda demorou algum tempo para sairmos do porto, mas isso deu-me algum tempo para me instalar. Os compartimentos para arrumar as roupas eram pequenos, mas como não eram muitas, não representavam grande problema.
A primeira classe, só pelo nome, fazia-nos sentir como princesas, rainhas de um mundo sem nome. Era fantástico o que um monte de lençóis de qualidade, umas bebidas caras e um jantar requintado faziam à autoestima de alguém.
Decidi sair um pouco para assistir à partida. Por pouco não chegava a tempo.
O homem do sobretudo estava lá. Mais uma vez, era um obstáculo para mim: demorava demasiado tempo a subir as escadas. Para uma pessoa tão nova e tão bem parecida, andava muito devagar.
Quando estava prestes a desistir, ele chegou ao cimo. Já não era sem tempo!
Dirigi-me à proa do navio e esperei para sentir o vento na minha face.
Havia algumas pessoas a despedirem-se dos seus familiares. Umas choravam, outras mantinham a esperança de um regresso. Desejei ter os meus pais ali.
A distância foi aumentando gradualmente e, quando já estávamos suficientemente longe, decidi ir beber e comer alguma coisa. No meio de tanta água e com tanta sede.
Não era muito dada a bebidas alcoólicas. Nunca fui. A adolescência, mesmo não o parecendo é um período mais difícil da vida de alguém. Tantas formas de nos deixarmos cair, tantas tentações, tantos caminhos sem fim que não oferecem maneira de voltar atrás. Era disso que me orgulhava, de ter sido superior a tudo isso, de ter conseguido dizer que não. Se na geração dos meus pais, alguém era visto a fumar ou a beber, depressa era tido como um modelo de vida, um exemplo a seguir. Hoje, se há heróis, são os que mostram que é possível resistir a tudo o que nos suga para o vício.
Nem me dei conta do barman. Deixou-me o sumo e continuou o seu trabalho.
Senhoras e senhores, aproxima-se uma tempestade com chuva e ventos moderados. Pedimos que se dirijam aos seus camarotes. Obrigada.”, isto repetiu-se em mais não sei quantas línguas.
Andar de barco era bastante agradável quando tínhamos um leque de lojas para escolher, cinema e tudo o mais que possamos necessitar. Esperava poder descansar um pouco ao sol. O tempo de Londres não me tinha beneficiado muito no bronze. Era húmido e cinzento. Talvez também tivesse contribuído, em parte, para a minha partida de lá.
Já não fazia compras, sabe Deus há quanto tempo. Não havia disponibilidade para isso e era tudo tão caro. Não que fosse uma pessoa sem recursos económicos, mas nunca senti necessidade de gastar cem euros numa peça de roupa insignificante. Ali, a situação era diferente. Estava de férias e com disposição para tal. Porque não?
Mesmo não comprando nada, senti-me uma garota outra vez. Experimentei vestidos, camisolas, casacos. Tudo!
Quando ia a sair da terceira loja de calçado, deparei-me com o homem do sobretudo, de novo. Agora já não tinha o casaco. Afinal, não era assim tão feio quanto parecia debaixo daquela capa enorme e do chapéu com aba, tipo detetive privado. Apesar de manter o fato, não parecia muito mais velho que eu.
A expressão dele pareceu-me assombrosamente familiar. Os olhos, principalmente. Se não me conhecesse, diriam que eram os meus olhos e que aquele indivíduo que andava a seguir. Que tontice!
A viagem ia demorar alguns dias, talvez devido a ser feita em velocidade de cruzeiro. No segundo, já não me estava a sentir muito bem. Devia ser de dormir em mar alto. Acordei pálida e não demorei muito até expulsar os restos do marisco do dia anterior. Estaria estragado?
Procurei a enfermaria. Naquele barco havia de tudo. Parecia que tinha acontecido o mesmo a mais pessoas mas felizmente sabiam o que fazer. Estavam assustados com as consequências daquele incidente. Porque haveria eu de processar a companhia que organizou a viagem? Aquilo poderia ter acontecido em qualquer lado.
Por volta do meio-dia já me estava a sentir melhor, mas preferi continuar com as bolachas de água e sal e o chá.
A tempestade da noite anterior não tinha causado estragos. Era estranho olhar pelas janelas e ver tanta água em redor.
Uma funcionária bastante simpática veio ao meu camarote levar-me a segunda dose de medicamentos para o dia, não fosse dar-se o caso de a mal disposição voltar. Junto, trouxe uma carta lacrada. Quando lhe perguntei quem era o remetente, apenas me respondeu que tinha sido deixada ao comandante e que tinha o meu nome no destinatário. Ninguém se atreveu a abri-la.
Não lhe dei grande importância. Algum admirador secreto ou algo do género, pensei eu. Optei por tomar os químicos que me deixavam mais aliviada e comer mais um pouco.

Continua…

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

“O triângulo da descoberta”


Concurso literário “Ler e Aprender”
Texto do género narrativo escrito pela aluna Ana Rita Costa Pereira, concorrente e vencedor de uma menção honrosa no Concurso literário “Ler e Aprender”, Secundário, edição de 2012.

A Equipa d´O Ciclista

“O triângulo da descoberta”

1º Episódio
O homem do sobretudo negro nunca mais se despachava.
Queria desesperadamente entrar naquele barco. Era a viagem da minha vida, a oportunidade que só aparece uma vez e que passa por nós tão repentinamente que pouco é o tempo que temos para a agarrar.
O coração batia forte a cada passo: pum, pum, … pum, pum, … pum, pum, …
As Caraíbas. O destino paradisíaco por excelência onde tencionava recomeçar a minha vida. A verdade é que Londres não se revelara uma boa opção, tal como Paris ou mesmo aquela pequena cidade Alemã onde todos pareciam tão felizes.
Emprego? Claro que tinha! Não era muito difícil de o obter tendo em conta o meu currículo. Era a felicidade, a felicidade é que parecia fugir de mim como o dia foge da noite.
Mais uns centímetros.
Depressa percebi que em Portugal não conseguiria emprego, não na área da Astronomia ou mesmo da Física (que eu até tolerava apesar de não ser a minha paixão).
Queria ir mais longe, não me sentia realizada e a todo o custo ambicionava, acima de tudo, sentir-me feliz.
Viajei. Os meus pais apoiaram-me mas lá no fundo senti-os entristecer, afinal de contas, a sua única filha estava a afastar-se.
Avancei um pouco mais. Já não faltava muito.
De facto, a viagens que fiz não foram totalmente em vão. Trabalhei em empresas de investigação espacial. Foi assim que cheguei à conclusão que não era aquele o futuro que desejava para mim. A ideia de algo mais para além do mundo que conhecemos. Seres e vidas fantásticas, mistérios que o universo traz até nós sem qualquer explicação. É tudo isto que move a nossa imaginação e a inocência da nossa infância.
Mas de que servem estas fantasias se não as podemos viver para lá de um escritório e de um monte de papéis cheios de símbolos a que o Homem atribui os significados que mais lhe convém.
Nunca antes acreditei na sorte mas não tenho quaisquer dúvidas de que foi disso que se tratou quando comprei a raspadinha. Sorte ou não, esta viagem não podia ter vindo em melhor altura.
A derradeira oportunidade de começar do zero. Uma cultura estranha, um país longínquo, pessoas diferentes.
Mais um passo.
Era das pessoas que eu tinha mais medo. Dos seus pensamentos ocultos, dos seus olhares desafiadores que nos perseguem e nos consomem lentamente, questionando a nossa capacidade de sermos mais fortes, de chegar aonde outros não conseguiram.
Daquela vez não ia seguir o mesmo padrão. Daquela vez, ia explorar, procurar, conhecer-me e, depois sim, viver a vida que eu queria. Qualquer que fosse ela.
Já só faltava aquele homem. Era incrivelmente alto e as suas costas eram imensamente largas. Não parecia muito velho mas as roupas executivas davam-lhe um ar pesado, Provavelmente estaria nalguma viagem de negócios.
Era a minha vez.
A funcionária era absolutamente atenciosa. Não sei bem como – ou talvez até saiba -, detectou a minha ansiedade e apressou-se a deixar-me avançar.
As regras de segurança eram apertadas. Revistaram tudo: procuraram por fundos falsos nas minhas malas, reviraram os meus bolsos. Naquele momento, perguntei-me se tinha valido a pena tanto cuidado a arrumar a roupa.
Demorou, mas quando me vi livre dos seguranças senti-me muito mais aliviada. Não que tivesse medo de algo, que fosse culpada de um crime. Talvez fosse só a certeza de que era menos um obstáculo para transpor.
Quando finalmente pisei a madeira exótica que cobria o chão do convés, percebi que era ali que as coisas iam mudar para sempre. Queria tanto aquela viagem!
Estar sozinha e longe não é algo de que me orgulhe. Todos falam na responsabilidade, mas eu sempre preferi a família.

Continua…




terça-feira, 21 de agosto de 2012

Bullying!

7º e último Episódio

Hoje, estou sentada na minha secretária a acabar o meu novo livro. Sou uma escritora com fama. E, sim, a Sara contribuiu para isso.
No dia em que saíram os resultados dos exames, decidimos encontrar-nos junto às pautas. Depois de saborearmos juntas a vitória pelas notas alcançadas, reparei que Sara e Selene tinham, nos seus radiosos rostos, um sorriso maroto. Ambas pareciam conspirar contra mim. Mas não me senti assustada. Conhecia-as o suficiente para saber que estavam a preparar-me alguma coisa. Nada de mal, claro!
Sara, ainda recorrendo aos seus tempos de controladora, embora agora sem a maldade que então possuía, e Selene, que desenvolvera uma espécie de cumplicidade astuta, disseram-me que tinham uma surpresa para mim. Com isso, estenderam-me um grande envelope. Nele estava um livro, olhei para o título Bullying e para a autora. Era, era… era eu!
Como era possível?! Como é que podiam ter publicado um dos meus livros? Como é que ele tinha chegado a uma editora?
Foi então que me contaram todo o “enredo”. Um dia, estávamos a estudar para os exames e uma delas levara por engano um dos meus caderninhos. Como andava atarefada com os exames nem me lembrei dele. A curiosidade de ambas tinha sido maior do que a honra e tinham lido o meu texto. De seguida, falaram com a mãe da Sara e ela também o leu. Depois, enviou-o para uma editora e esta acabou por editá-lo com a autorização dos meus pais.
Eu não queria acreditar. A cerimónia de lançamento estava já marcada para a Biblioteca Municipal, no fim de semana seguinte e eu … eu estava nas nuvens. Nem queria acreditar. O meu sonho tornara-se realidade e as minhas amigas tinham sido as “culpadas”.
Consegui estudar com o dinheiro das vendas e também ajudei os meus pais e os meus irmãos a construírem um futuro mais sólido.
Continuei a escrever e, hoje, tenho vários livros publicados e milhares já vendidos, não apenas em Portugal, mas também no estrangeiro.
 Apesar de escrever histórias para as crianças e jovens, os meus livros abordam muitas vezes o Bullying e são tidos como referência.
As nossas vivências e o drama vivido acabaram por ditar os percursos universitários que escolhemos. Apesar de eu e a Selene seguirmos medicina e a Sara direito, as especializações foram idênticas.
Em conjunto, com as minhas duas amigas, lutamos para que o Bullying deixe de reinar nas escolas. Um longo caminho já foi percorrido, temos ido fazer palestras a escolas contando as nossas experiências.
Penso sempre que ficam mais encantados com a Sara do que comigo ou com a Selene, pois ela foi uma heroína que conseguiu vencer o seu lado negro. Ela especializou-se em Direito Penal e trabalha diretamente com crianças vítimas de maus tratos, dando especial atenção àquelas que são vítimas de Bullying.
A Selene, especializada em Psiquiatria, estuda as motivações das crianças e jovens para a violência e dá lições aos alunos e mesmo aos professores, durante as nossas palestras. Dialoga com todos os alunos e mostra-lhes como evitar ser molestado, como fugir às tentações de molestar. Aos professores ensina-os a identificar as vítimas e os fomentadores do Bullying.
Eu especializei-me em Ciências Médico-Forenses e Investigação Criminal. Mas a minha história de vida também é apreciada nessas palestras, onde consigo falar de como ultrapassei os meus medos, os meus receios e como, ao enfrentá-los, consegui pelo menos alterar o comportamento de uma colega. Termino sempre da mesma maneira:
 - Importante é evitar o Bullying, mas se ele existe e se conseguirmos reabilitar pelo menos um aluno, já é uma grande vitória!
Decidi que este meu livro deveria terminar dessa mesma forma. Pode ser que ajude alguém.
Mas muito há ainda a fazer!

Adriana Matos