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quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Um momento de nada

Estava tudo a acabar.

Tanto que nasceu e evoluiu, para tudo morrer, num único momento de indiferença para com o vasto Tempo. Este era o verdadeiro fim de tudo.

Ainda dois seres observavam, espantados pela vastidão, mais pequena do que nunca antes tinham olhado. Eles dirigiram-se um ao outro, e logo começaram a proferir as últimas palavras que alguma vez se ouviram:

- Olá? De onde vieste? - perguntou o primeiro ser.

- De algum lugar no cosmos - expressou o segundo - Mas já não me lembro onde isso fica.

- É aquilo? - inquiriu o ser Um, apontando para as frágeis luzes da escuridão - Eu vim de lá.

- Acho que sim, devo também ter aparecido lá. Eu acho que…nasci.

- Nasceste? - pronunciou Um.

- Sim, mas agora não importa. Nada nunca mais vai importar!

A miséria começou a apoderar-se do diálogo. Dois começou a chorar:

- Não quero que acabe, eu nunca cheguei a viver!

- Viver? - continuou-lhe Um - Isso é o quê?

- Não sabes o que é? Mas quem és tu? - Interrogou Dois

- Nem eu sei, e nunca se saberá. Só sei que somos o mesmo.

- O mesmo? - perguntou Dois - Mas como?!

Um ignorou-o. Esclareceu depois o que queria dizer.

- Estamos a morrer sabes? Aquelas luzes são as nossas forças a apagarem-se. Em breve nunca mais nos poderemos contemplar.

Dois estava preocupado com Um. Pensava que a sensação de nada o tinha enlouquecido.

- Porquê dizeres isso agora? Num momento em que tudo à nossa volta morre?

Dois foi outra vez ignorado.

- Não é lindo, mas ao mesmo tempo…triste?

- Lindo? - Dois já não aguentava - Eu nunca mais vou viver e tu dizes que vês algo lindo?!

- Estás a viver, pelo menos comigo. As luzes a darem espaço ao nada são algo que nós nunca imaginaríamos ver. Experienciar algo assim é de certeza viver.

Dois estava mais calmo, afinal Um não estava louco. Mas continuavam perguntas:

- Quem somos nós?

- Nós somos o que viveu tanto e agora está a ver-se a morrer. Passou tanto tempo que nem nos lembramos de onde viemos ou quando aparecemos. Só começámos a existir a certo ponto, mas já estava na altura de nos olharmos - respondeu Um.

Dois pensou nas palavras que ouvira, e de repente ela fizeram-no recordar.

- Foi agora - disse Dois.

- O quê?

- Foi agora que aparecemos, mas só para nos podermos ver a morrer.

Agora era Um que estava preocupado. Dois continuou:

- Tens razão, estamos a viver. O facto de estarmos a acabar fez-nos tomar consciência de que existíamos. É pena que tenha sido só agora, no final de tudo. Pensámos que éramos eternos, então não achámos necessário preocupar-nos com quem éramos nem com o que nos estava a acontecer nessa pequena eternidade. Que errados estávamos.

- Nós somos tudo? - finalmente perguntou Um. E então Dois disse:

- Eu acho que sim.

E ambos começaram a chorar. Agora não havia sofrimento, porque já sabiam o que eram.

- Acho que o fim está a chegar - disse Um.

- Sim…foi bom viver contigo.

- Foi bom vivermos juntos.

Agora já tudo tinha acabado. O Tempo já não era uma coisa, o mesmo com o Dois ou o Um, por isso não se sabe quanto durou o Nada.

Simplesmente…durou.

João Rui Flores Bastos, n.º 10, 8.º F | Escola Básica e Secundária de Anadia


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