Querido ninguém,
Escrevo-te esta carta porque
quero partilhar o meu sucesso mais recente. Finalmente fugi dos meus medos,
tive a força para correr e a rapidez para ser mais rápido do que eles. Bem,
pode não ser grande conquista, mas uma vitória, por mais ínfima que seja, é
sempre razão para comemorar. E desta vez não pode ser diferente. Porque por
mais que o meu ato converta única e exclusivamente para algo covarde, não deixa
de ser invejável. Porquê? Porque alcancei aquilo que pensava que nunca
conseguiria alcançar: a felicidade. Ou dito de outra forma: algo que não o
desespero e a angústia que sinto dentro de mim. Ou, que sentia dentro de mim.
Porque agora eu ganhei, e ninguém me pode tirar isso. A vitória.
Talvez esta seja a minha escrita
mais difícil, mais confusa. Não sou profissional na explicação, mas quero
ensinar o meu método que me levou à obtenção do prémio dos prémios. O segredo é
básico: trata-se de algo que qualquer um, em teoria, poderia realizar. Trata-se
de trabalhar. Sim, trabalhar! Não no sentido de que os mais necessitados não
possam ser felizes, apenas não o serão da mesma maneira que eu sou! Porque na
realidade, a felicidade é subjetiva. Subjetiva no sentido que o que me faz
feliz, pode ser algo monótono ou entedioso para outro alguém. Para ti, por
exemplo. Mas essa é a parte genial do meu método: esta felicidade tão recente
que vivencio é comum a todo o ser humano! Não há um único pensador que não se
sentirá realizado com esta ideia inovadora. Esta ideia antiga, e covarde.
“Mas e depois? Basta trabalhar?
Ser produtivo também conta?” A resposta é “Sim!” Na verdade, o segredo
basear-se num único aspeto não é coincidência. O verdadeiro objetivo é tornar
as pessoas ativas num mundo onde precisa circular dinheiro. Mas um dinheiro
comum a todos, não algo exclusivo para cada um. Eu até vos diria que bastava
ganhar a lotaria, ou qualquer tipo de concurso impossível de vencer. Mas em
teoria, isso prejudicaria o futuro! Pois se todo o dinheiro do mundo convergisse
para uma única pessoa, sairiam os dois lados a perder: um sem capacidade de
obtenção dos bens básicos para a sobrevivência; o outro sem a capacidade de
gastar toda a sua fortuna, visto que não haveria fundos para a produção
material. De forma exagerada, essa seria a ideologia. Um trabalho conjunto é
necessário. Não para o bem dos outros, mas para o que verdadeiramente
interessa: o nosso bem pessoal.
Afirmo, com toda a certeza, de
que o dinheiro compra tudo, principalmente a felicidade. Na verdade, sempre pensei
que esta oração era, no mínimo, debatível, mas a ignorância humana, ou talvez a
sua suprema inteligência, sempre dissera que era o ridículo em forma de frase
afirmativa. Venho por este meio, portanto, fazer sentir o meu lado da discussão
e explicar a minha tão esperada ignorância.
O que nos provoca a infelicidade?
O que é capaz de nos deitar abaixo, querer desistir de tudo e fazer repensar se
vale a pena continuar a respirar o mesmo ar sufocante a que temos sido expostos
desde o dia que viemos ao mundo? Se a resposta fosse única, a escolha seria
reduzida. E a verdade, é que a maioria das pessoas responderia a maior das
verdades: “Tudo”. Tudo é capaz de provocar desgosto, angústia. Não
existe nada no mundo que não
possua uma segunda cara de maldade e sofrimento. Incluindo a própria realidade.
E eu, como usual vítima da mesma, vim-vos salvar.
O verdadeiro segredo, é fugir.
Algo imbatível, como o próprio mundo, não pode ser derrotado, mesmo se
juntássemos o exército de todas as almas perdidas. Eu próprio tentei. Eu tentei
derrotar a realidade, tornar-me aliado dela, qualquer coisa. Mas o que pude, o
que finalmente consegui fazer para me livrar dela, foi fugir. Fugir como um
covarde. Fugir como alguém incapaz de enfrentar os seus medos. Mas como eu
disse, o meu feito é invejável. Porque ninguém conseguirá vencer justamente.
Ninguém terá escolha, senão fugir. E é disso que esta carta se trata. É para
isso que esta carta foi feita. Porque esta carta, esta carta foi feita para ti.
Para ninguém.
Tu não és ninguém. Na verdade, és
igual a mim. É normal ficares chocado ou assustado: eu também fiquei quando
descobri. Mas é a pura das verdades. E é esta a verdade que ninguém gosta de
ouvir. Ou, melhor dito, que ninguém odeia ouvir. O dinheiro compra a
felicidade, eu não estava a mentir. O consumismo é a salvação do ser humano.
Somos uma sociedade consumista, porque fomos ensinados que ao consumir, obtemos
a salvação. A propaganda “Compre o meu produto e tenha os seus problemas
resolvidos” é, na verdade, a maior auto-manipulação criada pela humanidade em
si. Porque mesmo que isso se aplique apenas ao conceito para que foi criado, o
produto pode oferecer a salvação. A indústria pode oferecer a salvação. Vivemos
no colo do consumismo, sendo o maior consumista de todos, aquele que produz. E
se no mundo atual não encontramos aquilo que nos satisfaz, a salvação de que
tanto precisamos, vivemos então numa nostalgia sem fim. A dor da saudade, a
palavra portuguesa mais única de todas, não passa do mais escapismo criado. O
passado ser melhor que o presente é uma enorme ilusão. Porque na verdade, o
melhor, a suprema felicidade, é a inconsciência. A inconsciência que possuíamos
enquanto crianças. E a verdadeira dor, é a dor do pensamento. Os sábios antigos
estavam certos. E mesmo avisados, a sociedade não mudou. A sociedade não foi
capaz de mudar. E, como forma de se salvar, decidiram escapar. Nada mais único,
vindo de uma sociedade covarde e egoísta.
Foge dos teus medos: é a única
maneira de te salvares. Vive no passado, ou deixa-te escravizar pelo presente.
Vive na hiper-realidade criada pela tua mente: essa é a única felicidade. E se
não o desejares fazer, se abolires a cobardia humana, e decidires combater ….
Então desiste! Para tudo, e desiste. A tua única opção é morrer.
Carta de suicídio
PS: Sinto necessidade de fazer um
pequeno aparte. Esta carta trata-se do escapismo, da hiper-realidade, uma
ideologia explicada por Jean Baudrillard (e outros pensadores). Mais uma vez,
nenhuma carta que escrevo é pessoal, e em nenhuma carta afirmo que concordo com
a ideia apresentada. Nem eu nem Baudrillard incentivamos ao suicídio,
totalmente o contrário! Apenas quis apresentar-vos mais uma ideia que considero
interessante, como a própria ideia de que vivemos nesta hiper-realidade. Espero
que tenha ficado claro. Muito amor a todos!
Pedro
Fernandes, 12.º Ano | EBSA
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