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segunda-feira, 25 de outubro de 2021

O método da salvação

Querido ninguém,

Escrevo-te esta carta porque quero partilhar o meu sucesso mais recente. Finalmente fugi dos meus medos, tive a força para correr e a rapidez para ser mais rápido do que eles. Bem, pode não ser grande conquista, mas uma vitória, por mais ínfima que seja, é sempre razão para comemorar. E desta vez não pode ser diferente. Porque por mais que o meu ato converta única e exclusivamente para algo covarde, não deixa de ser invejável. Porquê? Porque alcancei aquilo que pensava que nunca conseguiria alcançar: a felicidade. Ou dito de outra forma: algo que não o desespero e a angústia que sinto dentro de mim. Ou, que sentia dentro de mim. Porque agora eu ganhei, e ninguém me pode tirar isso. A vitória.

Talvez esta seja a minha escrita mais difícil, mais confusa. Não sou profissional na explicação, mas quero ensinar o meu método que me levou à obtenção do prémio dos prémios. O segredo é básico: trata-se de algo que qualquer um, em teoria, poderia realizar. Trata-se de trabalhar. Sim, trabalhar! Não no sentido de que os mais necessitados não possam ser felizes, apenas não o serão da mesma maneira que eu sou! Porque na realidade, a felicidade é subjetiva. Subjetiva no sentido que o que me faz feliz, pode ser algo monótono ou entedioso para outro alguém. Para ti, por exemplo. Mas essa é a parte genial do meu método: esta felicidade tão recente que vivencio é comum a todo o ser humano! Não há um único pensador que não se sentirá realizado com esta ideia inovadora. Esta ideia antiga, e covarde.

“Mas e depois? Basta trabalhar? Ser produtivo também conta?” A resposta é “Sim!” Na verdade, o segredo basear-se num único aspeto não é coincidência. O verdadeiro objetivo é tornar as pessoas ativas num mundo onde precisa circular dinheiro. Mas um dinheiro comum a todos, não algo exclusivo para cada um. Eu até vos diria que bastava ganhar a lotaria, ou qualquer tipo de concurso impossível de vencer. Mas em teoria, isso prejudicaria o futuro! Pois se todo o dinheiro do mundo convergisse para uma única pessoa, sairiam os dois lados a perder: um sem capacidade de obtenção dos bens básicos para a sobrevivência; o outro sem a capacidade de gastar toda a sua fortuna, visto que não haveria fundos para a produção material. De forma exagerada, essa seria a ideologia. Um trabalho conjunto é necessário. Não para o bem dos outros, mas para o que verdadeiramente interessa: o nosso bem pessoal.

Afirmo, com toda a certeza, de que o dinheiro compra tudo, principalmente a felicidade. Na verdade, sempre pensei que esta oração era, no mínimo, debatível, mas a ignorância humana, ou talvez a sua suprema inteligência, sempre dissera que era o ridículo em forma de frase afirmativa. Venho por este meio, portanto, fazer sentir o meu lado da discussão e explicar a minha tão esperada ignorância.

O que nos provoca a infelicidade? O que é capaz de nos deitar abaixo, querer desistir de tudo e fazer repensar se vale a pena continuar a respirar o mesmo ar sufocante a que temos sido expostos desde o dia que viemos ao mundo? Se a resposta fosse única, a escolha seria reduzida. E a verdade, é que a maioria das pessoas responderia a maior das verdades: “Tudo”. Tudo é capaz de provocar desgosto, angústia. Não

existe nada no mundo que não possua uma segunda cara de maldade e sofrimento. Incluindo a própria realidade. E eu, como usual vítima da mesma, vim-vos salvar.

O verdadeiro segredo, é fugir. Algo imbatível, como o próprio mundo, não pode ser derrotado, mesmo se juntássemos o exército de todas as almas perdidas. Eu próprio tentei. Eu tentei derrotar a realidade, tornar-me aliado dela, qualquer coisa. Mas o que pude, o que finalmente consegui fazer para me livrar dela, foi fugir. Fugir como um covarde. Fugir como alguém incapaz de enfrentar os seus medos. Mas como eu disse, o meu feito é invejável. Porque ninguém conseguirá vencer justamente. Ninguém terá escolha, senão fugir. E é disso que esta carta se trata. É para isso que esta carta foi feita. Porque esta carta, esta carta foi feita para ti. Para ninguém.

Tu não és ninguém. Na verdade, és igual a mim. É normal ficares chocado ou assustado: eu também fiquei quando descobri. Mas é a pura das verdades. E é esta a verdade que ninguém gosta de ouvir. Ou, melhor dito, que ninguém odeia ouvir. O dinheiro compra a felicidade, eu não estava a mentir. O consumismo é a salvação do ser humano. Somos uma sociedade consumista, porque fomos ensinados que ao consumir, obtemos a salvação. A propaganda “Compre o meu produto e tenha os seus problemas resolvidos” é, na verdade, a maior auto-manipulação criada pela humanidade em si. Porque mesmo que isso se aplique apenas ao conceito para que foi criado, o produto pode oferecer a salvação. A indústria pode oferecer a salvação. Vivemos no colo do consumismo, sendo o maior consumista de todos, aquele que produz. E se no mundo atual não encontramos aquilo que nos satisfaz, a salvação de que tanto precisamos, vivemos então numa nostalgia sem fim. A dor da saudade, a palavra portuguesa mais única de todas, não passa do mais escapismo criado. O passado ser melhor que o presente é uma enorme ilusão. Porque na verdade, o melhor, a suprema felicidade, é a inconsciência. A inconsciência que possuíamos enquanto crianças. E a verdadeira dor, é a dor do pensamento. Os sábios antigos estavam certos. E mesmo avisados, a sociedade não mudou. A sociedade não foi capaz de mudar. E, como forma de se salvar, decidiram escapar. Nada mais único, vindo de uma sociedade covarde e egoísta.

Foge dos teus medos: é a única maneira de te salvares. Vive no passado, ou deixa-te escravizar pelo presente. Vive na hiper-realidade criada pela tua mente: essa é a única felicidade. E se não o desejares fazer, se abolires a cobardia humana, e decidires combater …. Então desiste! Para tudo, e desiste. A tua única opção é morrer.

Carta de suicídio

PS: Sinto necessidade de fazer um pequeno aparte. Esta carta trata-se do escapismo, da hiper-realidade, uma ideologia explicada por Jean Baudrillard (e outros pensadores). Mais uma vez, nenhuma carta que escrevo é pessoal, e em nenhuma carta afirmo que concordo com a ideia apresentada. Nem eu nem Baudrillard incentivamos ao suicídio, totalmente o contrário! Apenas quis apresentar-vos mais uma ideia que considero interessante, como a própria ideia de que vivemos nesta hiper-realidade. Espero que tenha ficado claro. Muito amor a todos!

Pedro Fernandes, 12.º Ano | EBSA

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