Num mundo longínquo e numa realidade distante, crescia um menino. Um
menino conhecido por Letra, cidadão de um reino cinzento, dominado pela
nostalgia. Mas nem sempre fora assim. Outrora, este reino era reconhecido pela
sua alegria e fascínio pelos livros. Por todas as ruas e recantos ouviam-se
histórias lidas por miúdos e graúdos. Era como se as pessoas e aquele mundo
ganhassem vida através da leitura.
- Avô, avô! - gritou, entusiasmado.
- Acalma-te, Letra! O que me queres desta vez? - inquiriu, serenamente o
avô.
- Tenho curiosidade em saber o que é um livro. Aqueles livros de que me
falas com tanto apreço e saudade.
- Não fales disso! Esse assunto não é mais
permitido, mas eu mostro-te uma página rasgada que guardei daqueles bons
tempos. Sabes...naquela altura até achávamos que os livros tinham poderes. -
comentou, tirando a folha duma caixa velha e dando-a ao neto.
Letra ficou profundamente fascinado com aquela folha, apesar desta já
apresentar sinais de tempo. Os olhos daquela criança encheram-se de encanto ao
ler as palavras nela escritas. Era como se estivesse a descobrir um mundo novo
que lhe despertou um maior interesse à volta dos livros.
- Avô, será que posso ficar com ela? - juntou as mãos, suplicando.
- Esta folha é uma relíquia para mim, mas a tua felicidade é um bem
maior! - diz isto, concedendo o pedido ao seu amado neto.
Letra, por sua vez, saiu a correr entusiasmado e foi precisamente ao
encontro da sua amiga Sílaba.
- Olha o que eu tenho aqui! Aposto que nunca viste uma igual! É um
verdadeiro tesouro!...- exclamou ele, entrando repentinamente na casa da amiga.
- Mostra-me logo, não faças suspense!
- Não aqui! Este assunto é secreto...vamos para a casa da árvore.
Quando chegaram junto da casa da árvore, Letra mostrou-lhe a folha.
- O que são estes rabiscos? Tanto alarido para me mostrares um desenho
teu?! - indagou a amiga.
- Ah! Esqueci-me que sou o único menino a saber ler neste reino! Graças
ao meu sábio avô que sempre me ensinou aquilo que ele sabia e lembrava de
quando ainda havia... - calou-se ao lembrar que aquele assunto não era
permitido.
- Mas, afinal, o que está aí escrito, Letra?
- “Os mais velhos tudo sabem!”. No caminho vinha intrigado a pensar no
que isto poderá querer dizer, mas, até agora, não encontrei resposta.
- Quem te deu isso?
- Foi o meu avô!
- E será que ele nos consegue explicar esse enigma? Se ele tinha a
folha, pode muito bem saber o significado disto!
Eis, então, que saíram apressadamente dali para irem ao encontro do avô
a fim de lhe pedirem ajuda. Ao chegarem, interrogaram-no e suplicaram que este
lhes explicasse tudo o que sabia sobre aquele papel antigo. O avô suspirou, ao
lembrar-se de como era o reino antigamente e de como ele era agora, naquele
momento. Eram, pois, lembranças que o amarguravam e que lhe causavam um
sentimento de revolta para com o vilão, agora rei, Analfabeto.
Analfabeto havia usurpado o reino ao anterior monarca Enciclopédia. Fora
uma guerra travada ao longo de vários anos e, após a derrota, o rei
Enciclopédia refugiou-se no Mundo dos Livros para livrar-se da ira do vilão.
Aquando da posse da coroa, Analfabeto proibiu a prática da leitura e o
uso dos livros e ordenou que estes fossem banidos do reino. Demandou, então,
que fossem retirados todos os livros de todas as casas.
-Era apenas uma criança e ainda me recordo da guarda real a entrar na
minha casa subitamente, para confiscar todos os livros que guardava. Num ato
desesperado, arranquei essa folha do meu livro preferido para a guardar, pois
não sabia nem sei se, algum dia, voltarei a ler e a sentir a alegria dos
livros.
- Espero vir a saber o que é um livro. Mas lembra-se do que essa frase
quer dizer? - perguntou Sílaba, melancolicamente.
- Se bem me recordo, a personagem principal dessa história estava à
procura da passagem secreta para o Mundo dos Livros. As pistas apontavam que
esta estaria próxima das ruínas dos Três Sábios que foram os criadores do
primeiro livro. Eram homens cultos, já de idade, e que sabiam um pouco de tudo.
- E conseguiu encontrá-la? - interrompeu o neto, com euforia.
- Não cheguei a acabar de ler o livro. Mas se existem as ruínas, por que
razão não existirá a passagem secreta?!
Letra, nesse mesmo instante, olhou para Sílaba que, de forma perspicaz,
entendeu a intenção daquele olhar. De seguida, as duas crianças agradeceram a
ajuda do avô e saíram a correr em direção ao monumento dos Três Sábios. Quando
finalmente encontraram o destino, Sílaba questionou:
- E agora? Por onde começamos a procurar? - olhando à sua volta a
imensidão de arvoredos.
- Hum! Também não sei...na folha do avô está escrito: “Os mais velhos
tudo sabem!”.
Dito isto, moveu-se uma rocha como se fosse magia, abrindo-se um caminho
desconhecido. Letra e Sílaba aventuraram-se e seguiram-no sem saber para onde
este os levaria.
Passado algum tempo a caminhar, os dois amigos encontravam-se exaustos e
prestes a voltar para casa, pois achavam que aquele percurso não tinha saída.
Letra, desanimado e enfadado, num ato de revolta, pontapeia uma pedrinha que se
encontrava no caminho. Já decididos a desistir, voltam-se para trás e são
surpreendidos por uma estranha figura. Era uma espécie de gnomo vestido com uma
capa azul, numa mão tinha uma pena e, na outra, uma folha em branco. Letra e
Sílaba ficaram boquiabertos perante aquela personagem e não se atreveram a
dizer uma única palavra.
- Caros jovens, o que vos traz por aqui?
As crianças, assustadas, olharam uma para a outra, sem saber o que
responder.
- Es-es-ta-ta-mos à pro-pro-cura … - dizia Sílaba, gaguejando, quando é
interrompida pelo gnomo.
- Não se apoquentem, não vos farei mal … podem ver-me como um bom e
velho amigo! Digais-me o que quereis?
- O meu avô ofereceu-me esta página rasgada do seu livro favorito em que
o protagonista se aventurou em busca de um acesso oculto para o Mundo dos
Livros e ...
Nesse preciso momento, Letra calou-se perante um olhar reprovador de
Sílaba.
- Para quê tantas explicações, Letra?!… vai direto ao assunto.
- Estamos à procura do Mundo dos Livros. Por acaso, sabe onde fica a passagem?
- Posso-vos dizer que estão no caminho certo! – exclamou a criatura,
abrindo um sorriso.
- Estamos a algumas horas a tentar descobri-la. Será, então, que nos
poderia ajudar? - interrogou Sílaba, impaciente.
- Eu sou o caminho!
- Sendo assim pode guiar-nos até lá? - perguntou Letra, curioso e
intrigado com a resposta que tinha acabado de ouvir.
- Antes têm de mostrar que são dignos de entrar neste mundo! Terão que
responder corretamente a um oráculo para que as portas se abram.
- Que venha ele! - exclamou Sílaba, com esperanças de finalmente
encontrarem o destino.
- Estão preparados? Apenas têm uma oportunidade.
Os dois amigos acenaram com a cabeça, afirmando que sim.
- “Tem cinco letras e com eles podem ir a qualquer lugar através da
vossa imaginação!”.
Após estas palavras, Letra e Sílaba reuniram-se durante breves instantes
para desvendarem aquele enigma.
- O vosso tempo está a escassear! Apressem-se! “Tic...Tac...Tic...Tac!”.
Os dois jovens, após chegarem a um consenso, responderam convictamente:
- Livro... a resposta é “Livro”!
- As pistas desta folha rasgada trouxeram-me até aqui e é apenas uma
folha retirada de um livro...imagino até onde não nos poderá levar um livro
completo! - constatou Letra, de forma pensativa.
Ao ouvir tais palavras, o pequeno gnomo espantou-se com a astúcia destas
jovens crianças pois, apesar de nunca terem contactado com um livro,
reconheciam o valor e o poder dos mesmos. Como tal, este decidiu presenteá-las
com uma visita pelo reino e, por fim, um encontro com o monarca daquele mundo,
o rei Enciclopédia. Para dar início a esta surpresa, escreveu na sua folha “Os
mais pequenos também sabem!” e, mais uma vez, magicamente, abriram-se os
portões do grandiosíssimo Mundo dos Livros.
No caminho até ao Palácio da Leitura, Letra e Sílaba ficaram
maravilhados com o esplendor daquele reino, sem suspeitarem para onde estavam a
ir. Pelas ruas era frequente ver pessoas radiantes a ler um livro, embora ainda
não soubessem bem o que era. Todo aquele mundo, quase que imaginário, estava
repleto de livros, os rios levavam folhas soltas, as folhas das árvores eram
livros e os telhados das casas eram livros abertos, como que inspirassem os
habitantes. Tal como no reino do Analfabeto, a população precisava de ar puro
para viver, também naquele reino as pessoas “inspiravam” livros.
Os dois amigos foram, então, levados até ao rei Enciclopédia que, ao
vê-los chegar, interrogou Letra e Sílaba sobre o seu reino de origem. Estes
contaram de onde eram e para que vieram.
- Quando ouvimos falar deste mundo, ficamos deveras empolgados com a
ideia de conhecê-lo. Torna-se cada vez mais real o meu sonho de aprender a ler!
- suspirou Sílaba.
- Eu posso conceder-te esse desejo! Deixo-te à disposição toda a minha
biblioteca e os meus melhores mestres para te ensinarem a ler! - exclamou
Enciclopédia, orgulhoso por poder ser útil e por incentivar, ainda mais, estas
crianças para o gosto que partilham.
Sílaba ficou encantada e empolgada por conhecer aquele pequeno mundo
dentro do palácio.
- E tu, meu rapaz? Posso fazer algo por ti?
- Felizmente, ler eu já sei! Ainda assim, não tive nenhum contacto com
livros. O pouco que sei sobre eles deve-se às boas lembranças que o meu avô
partilha comigo dos tempos em que estes ainda eram permitidos no reino onde
habito. Portanto, gostava de descobrir os meus amigos livros, ler uma história
do início ao fim e criar as minhas próprias recordações.
Passados alguns dias, mergulhados naquele paraíso, Letra já tinha lido
tantos livros quantos os que o Palácio da Leitura acarretava. Sílaba, por sua
vez, era agora uma exímia leitora que também passava os seus dias a ler.
Hipnotizados por aquele sonho, agora concretizado, os dois amigos já não
queriam voltar ao reino sombrio onde cresceram. Contudo, estes concordaram em
voltar às suas casas determinados em devolver a alegria dos livros ao seu
mundo.
O rei Enciclopédia decidiu ajudá-los nesta aventura, concebendo ao Letra
o dom da escrita e, à Sílaba, o da criatividade, para que em conjunto estes
pudessem criar histórias e distribuí-las pela população com o fim de a contagiarem
com o amor pelos livros e, posteriormente, pela leitura destes.
- Antes de partirem, quero dar-vos um último presente! Guardem-no bem,
pois será crucial num momento funesto. Uma vez pronunciado em voz alta,
surpreender-vos-á o poder destas simples palavras.
- De que se trata? - interveio Sílaba, dominada pela curiosidade.
- É um poema retirado de um dos tantos livros da minha biblioteca! Mas
não foi de um livro qualquer...foi do primeiro livro escrito pelos Três Sábios.
- proferiu ternamente, enquanto entregava o poema ao Letra.
De seguida, as crianças despediram-se do rei e do gnomo e retornaram a
casa.
- Avô, avô! Aquela folha era mesmo especial! Levou-nos até ao Mundo dos
Livros!
- Contem-me tudo o que viveram! Há tantos anos que não ouço uma boa
história.
Os três passaram assim a tarde a conversar sem sentir o passar do tempo.
Reviveram com o avô as aventuras que experienciaram e revelaram o seu desejo de
devolver àquele mundo a alegria que lhe foi roubada quando lhe tiraram os
livros.
Todavia, os planos destas crianças tiveram de ser adiados, quando, dias
depois, Letra adoeceu, ficou de cama e nada melhorava o seu estado. Os seus
ínfimos momentos de felicidade eram quando Sílaba o visitava e criava histórias
para o animar. Numa dessas regulares visitas, a amiga recordou-se do poema
oferecido pelo rei Enciclopédia e perguntou se Letra já o tinha lido e este respondeu
negativamente. Sílaba sugeriu, então, que o lessem.
- Onde o guardaste?
- Guardei-o dentro da caixa velha do avô para não o perder. Podes ir
buscar, por favor?
- Aqui tens! Lemos juntos?!
À medida que pronunciavam cada verso, Letra foi melhorando
progressivamente, até recuperar por completo o seu bem-estar. Para além de ter
reposto a saúde ao Letra, aquele poema, como que por magia, acabou com o
domínio do Analfabeto e voltou a unir os dois reinos anteriormente separados
num só. Por mais uma vez, os livros mostraram todo o poder que possuem.
Letra e Sílaba começaram a dedicar-se diariamente à escrita. Sílaba, com
a sua invejável criatividade, elaborava as melhores peripécias e Letra, com o
seu talento para a escrita, redigiu com mestria as novas histórias pensadas
pela amiga. Por último, passaram a distribuir os seus livros por todo o reino,
influenciando, assim, os restantes habitantes a também desenvolverem aquele
gosto pela leitura.
Enciclopédia voltou a ocupar o seu trono e, no dia da coroação, decidiu devolver
os livros àquele mundo, agora denominado “Reino do Livro e da Leitura”.
- Hoje, com os poderes que me foram concedidos, nomeio-te Sílaba guardiã
do Palácio da Leitura, para poderes preservar todos os livros de hoje em
diante.
Sílaba fez uma vénia e agradeceu.
- Letra, meu caro rapaz aventureiro, a ti, concedo o mais importante dos
cargos do reino. Pois, a partir de agora, serás o guardião da magia dos livros.
Por seres um menino tão pequeno, mas tão grande em valores, passarás a
chamar-te Texto.
- É com muita honra que recebo este voto de confiança! - disse Letra
emotivamente.
Após esta lição memorável, Letra e todos os habitantes daquele reino,
tiveram a única certeza de que, enquanto houver uma pessoa que acredite na
magia e no poder dos livros e da sua leitura, estes estarão vivos em cada um de
nós, podendo assegurar a alegria perpétua deste nosso mundo.
Ana Bárbara Vasconcelos Miranda e Bárbara Pereira Cerca, 11.º C | Escola
Básica e Secundária de Anadia