Para lá do último passo, do último trilho, da
última aldeia de todo império, depois da Floresta dos Queixosos que cobre as
geladas terras de ninguém, há um imenso deserto inexplorado. Ouvi que para
nascente há uma gruta guardada por um abominável titã, um gigante com quatro
braços, mas pouco inteligente.
Não costumo ouvir rumores de meros mercadores. Eles
não são exploradores experientes, ou guerreiros corajosos, são homens com cara
de suíno ou de porco que viajam bem acomodados pelas calmas terras do
Imperador, sempre com as suas preciosas bolsas de seda cheias de moedas
douradas. São bolsistas de pouca bravura mas muita riqueza. E pela falta de
inteligência, contam mitos horríveis e gozam da sua capacidade de proferir
certas sílabas.
“Se conseguires enganar a estúpida besta, poderás
retirar o teu peso da sua pilha de tesouros” - disse-me em tom sarcástico um
elemento do grupo de homens disfarçados.
“Não sei onde poria tanto dinheiro…Já tenho os
cofres todos cheios” Disse o porco. E a gargalhada voltou a juntar-se à festa.
Os malditos bolsistas tiveram razão em algo, eles
têm muito dinheiro. Homens de valor como eu, que não se deixam ir pelos
caminhos mais fáceis da vida, não podem dizer o mesmo. Mas não há muito
trabalho para nobres mercenários, onde aqueles com dinheiro vivem bem. Desse modo,
a falta de rendimento obriga-me a ir à caça de tesouros, e, então, à caça de rumores
(normalmente sobre grutas em terras distantes).
Como cheguei ao ponto em que nem a conta da bebida,
nesta taberna, posso pagar, acho que mais vale seguir as meias-palavras do
suíno. Talvez encontre outros como ele, com dinheiro, que mal se aventuraram
por terras sem guardas da província. Dessa forma, vou fechar o caderno e ver se
sigo o rumo para lá da porta do estabelecimento, antes que o seu dono repare
que já acabei com o copo e ainda não paguei.
Assim viajei para o último passo, do último trilho,
da última aldeia de todo o império…e nada. Atravessei a claramente mal batizada
Floresta dos Queixosos…e nada. Passei de um temível frio de tundra para, não
sei como, um horrível calor de deserto…E NADA. E depois de viajar para este,
chegando a uma gruta mal escondida neste mar de dunas, só encontrei uma
dolorosa verdade: O Suíno estava certo!
Lá estava eu, frente à temível criatura de quatro
braços, cinco – não, sete! – vezes maior que eu. Mas sem preocupações porque,
num só golpe, trespassei a sua cabeça com a minha brava espada e (…)
- O que escreves, pequeno mortal? – perguntou o
Titã antes de pegar no pequeno caderno de viagem do invasor.
- Ei, vil besta. Devolve-me o meu relato. - rebateu
o humano. E antes de esperar por uma resposta, lançou um ataque contra uma das
pernas do Titã. A espada afiada chocou contra a dura pele laranja do grande
ser, dividindo-se em dois pedaços - Mas que…?
- “(…) porque, num só golpe, trespassei a sua
cabeça com a minha brava espada,”?! Esperavas que as palavras se tornassem
reais ou só te esqueceste de que eu estava aqui?
- Como sabes ler?
- Eu inventei a escrita. - respondeu o Titã.
Esta história, que estou a viver, esta imaginação,
só encontrava lugar no magnífico mundo mágico da mitologia e da ficção
científica.
- Ah, está bem… Sinceramente, só quis poupar tempo
enquanto escrevia. Não sabia que esta coisa depois se revelaria tão mal forjada
- explicou o mercenário, enquanto olhava para o punho sem espada que agora
segurava - Consegues dizer-me quem és tu antes de me mandares para o Reino
Infernal?
- Lá bem tu pertences. - comentou o Titã - Eu sou
Humos. Domino esta terra.
- Húmus como aquela pasta de grão?
- Não, “Humos”, com um “O”. Mas o que importa é:
Quem és tu e porque invadiste o templo a que tu chamas de - relê o caderno -
“gruta”?... Isso é só desrespeitoso.
Eu sou só um nobre guerreiro que luta por dinheiro.
Cheguei ao teu “templo” enquanto procurava alguém para roubar.
- Sim, eu li. Está nesta miséria de escrita. - interrompeu
o gigante.
- Mas já que estou aqui, tencionava ficar com parte
do teu tesouro. - arriscou o “nobre guerreiro”. - Não viajarei para o próximo
mundo sem dar luta, mas quando acabares comigo, ó horrendo monstro, não comas o
que sobrar de mim por favor!
- Não sou capaz de comer. Mesmo que pudesse, não
tocaria em algo tão amargo. – O Titã pegou no humano com duas das suas mãos e, elevando-o
para a sua face, pronunciou – Não temas pequeno mortal, eu não te farei mal.
Não tenho uma visita há séculos, por isso, deixar-te-ei ver aquilo que te trouxe
aqui.
O Titã seguiu em direção a duas portas, com as suas
mãos inferiores a segurar o humano. Abriu um enorme portão, no fundo da sala de
entrada e revelou uma enorme divisão repleta de montes luminosos.
Encontravam-se certos objetos, livros e até um esqueleto humano, espalhados em
cima dos montes.
- Quem era aquele ali deixado? – perguntou o
mercenário quando chegou ao chão.
- O último tolo que perguntou pelo tesouro. Ficou
aqui a viver por muito tempo - respondeu o Titã - era um aventureiro como tu,
igualmente odiável, mas um pouco mais louco. Pediu-me para o enterrar na “maior
desilusão da sua vida”. Pena que se foi já tarde, deu-me cá um trabalho.
- Só mesmo um louco para achar isto uma desilusão.
– exclamou o humano enquanto avançava para os montes dourados – Pepitas de
ouro? Mais fácil de carregar, pelo menos.
- São sementes douradas. Portadoras de vida.
O mercenário duvidou bastante da resposta do
gigante. Pegou numa das tais sementes e trincou-a. Ela desfez-se entre os seus
dentes.
- Porquê sementes? - disse, depois de cuspir, quase
no desespero.
-- Esse é o meu tesouro, a minha maior criação. –
admirou o Titã – Tal como o teu sucessor, pensaste que cobiçava o vosso ouro.
Não ligues a esse metal inútil, aprecia os frutos da vida, que são o melhor que
poderás encontrar.
- Porque manténs estas sementes aqui? De certeza
que já não têm muita utilidade.
--Quando chegar a altura certa, plantá-las-ei no
solo deste deserto e criarei outro paraíso, tal como fiz com o teu lar.
- Isso é incrível… - exclamou o humano - Mas
continuam a ser inúteis para mim. Posso levar um saco cheio delas? Com alguma
sorte engano o próximo bolsista que encontrar.
- Com certeza, mas em troca ficarei com estas
páginas que escreveste. Juntá-las-ei ao monte. Não posso deixar que mais alguém
encontre este sítio. Por mais que goste de visitas, vocês humanos conseguem ser
muito enervantes.
O Titã levou o humano para a saída do templo
fazendo-o prometer que não contaria o paradeiro desse lugar a ninguém.
- Antes de sair, tenho uma última pergunta. - disse
o mercenário.
- Fá-la, então. Mas digo-te, humano, há segredos do
mundo que não posso revelar.
- Como é que o bolsista, cara de suíno, sabia sobre
este sítio?
- Ele nunca soube. Inventou a história enquanto
bebia. Estranho que tu acreditaste nisso. Agora adeus e nunca voltes, caro
viajante.
Os portões fecharam-se, antes que o humano pudesse
libertar algum som da boca. Portas abertas da imaginação, livros abertos nos
capítulos por escrever …
João Bastos, 9.º
F
Parabéns, João, pelo primeiro lugar
alcançado!
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