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domingo, 10 de julho de 2022

O Titã do Deserto (Vencedor Género Gustavo Campar)


Para lá do último passo, do último trilho, da última aldeia de todo império, depois da Floresta dos Queixosos que cobre as geladas terras de ninguém, há um imenso deserto inexplorado. Ouvi que para nascente há uma gruta guardada por um abominável titã, um gigante com quatro braços, mas pouco inteligente.

Não costumo ouvir rumores de meros mercadores. Eles não são exploradores experientes, ou guerreiros corajosos, são homens com cara de suíno ou de porco que viajam bem acomodados pelas calmas terras do Imperador, sempre com as suas preciosas bolsas de seda cheias de moedas douradas. São bolsistas de pouca bravura mas muita riqueza. E pela falta de inteligência, contam mitos horríveis e gozam da sua capacidade de proferir certas sílabas.

“Se conseguires enganar a estúpida besta, poderás retirar o teu peso da sua pilha de tesouros” - disse-me em tom sarcástico um elemento do grupo de homens disfarçados.

“Não sei onde poria tanto dinheiro…Já tenho os cofres todos cheios” Disse o porco. E a gargalhada voltou a juntar-se à festa.

Os malditos bolsistas tiveram razão em algo, eles têm muito dinheiro. Homens de valor como eu, que não se deixam ir pelos caminhos mais fáceis da vida, não podem dizer o mesmo. Mas não há muito trabalho para nobres mercenários, onde aqueles com dinheiro vivem bem. Desse modo, a falta de rendimento obriga-me a ir à caça de tesouros, e, então, à caça de rumores (normalmente sobre grutas em terras distantes).

Como cheguei ao ponto em que nem a conta da bebida, nesta taberna, posso pagar, acho que mais vale seguir as meias-palavras do suíno. Talvez encontre outros como ele, com dinheiro, que mal se aventuraram por terras sem guardas da província. Dessa forma, vou fechar o caderno e ver se sigo o rumo para lá da porta do estabelecimento, antes que o seu dono repare que já acabei com o copo e ainda não paguei.

Assim viajei para o último passo, do último trilho, da última aldeia de todo o império…e nada. Atravessei a claramente mal batizada Floresta dos Queixosos…e nada. Passei de um temível frio de tundra para, não sei como, um horrível calor de deserto…E NADA. E depois de viajar para este, chegando a uma gruta mal escondida neste mar de dunas, só encontrei uma dolorosa verdade: O Suíno estava certo!

Lá estava eu, frente à temível criatura de quatro braços, cinco – não, sete! – vezes maior que eu. Mas sem preocupações porque, num só golpe, trespassei a sua cabeça com a minha brava espada e (…)

- O que escreves, pequeno mortal? – perguntou o Titã antes de pegar no pequeno caderno de viagem do invasor.

- Ei, vil besta. Devolve-me o meu relato. - rebateu o humano. E antes de esperar por uma resposta, lançou um ataque contra uma das pernas do Titã. A espada afiada chocou contra a dura pele laranja do grande ser, dividindo-se em dois pedaços - Mas que…?

- “(…) porque, num só golpe, trespassei a sua cabeça com a minha brava espada,”?! Esperavas que as palavras se tornassem reais ou só te esqueceste de que eu estava aqui?

- Como sabes ler?

- Eu inventei a escrita. - respondeu o Titã.

Esta história, que estou a viver, esta imaginação, só encontrava lugar no magnífico mundo mágico da mitologia e da ficção científica.

- Ah, está bem… Sinceramente, só quis poupar tempo enquanto escrevia. Não sabia que esta coisa depois se revelaria tão mal forjada - explicou o mercenário, enquanto olhava para o punho sem espada que agora segurava - Consegues dizer-me quem és tu antes de me mandares para o Reino Infernal?

- Lá bem tu pertences. - comentou o Titã - Eu sou Humos. Domino esta terra.

- Húmus como aquela pasta de grão?

- Não, “Humos”, com um “O”. Mas o que importa é: Quem és tu e porque invadiste o templo a que tu chamas de - relê o caderno - “gruta”?... Isso é só desrespeitoso.

Eu sou só um nobre guerreiro que luta por dinheiro. Cheguei ao teu “templo” enquanto procurava alguém para roubar.

- Sim, eu li. Está nesta miséria de escrita. - interrompeu o gigante.

- Mas já que estou aqui, tencionava ficar com parte do teu tesouro. - arriscou o “nobre guerreiro”. - Não viajarei para o próximo mundo sem dar luta, mas quando acabares comigo, ó horrendo monstro, não comas o que sobrar de mim por favor!

- Não sou capaz de comer. Mesmo que pudesse, não tocaria em algo tão amargo. – O Titã pegou no humano com duas das suas mãos e, elevando-o para a sua face, pronunciou – Não temas pequeno mortal, eu não te farei mal. Não tenho uma visita há séculos, por isso, deixar-te-ei ver aquilo que te trouxe aqui.

O Titã seguiu em direção a duas portas, com as suas mãos inferiores a segurar o humano. Abriu um enorme portão, no fundo da sala de entrada e revelou uma enorme divisão repleta de montes luminosos. Encontravam-se certos objetos, livros e até um esqueleto humano, espalhados em cima dos montes.

- Quem era aquele ali deixado? – perguntou o mercenário quando chegou ao chão.

- O último tolo que perguntou pelo tesouro. Ficou aqui a viver por muito tempo - respondeu o Titã - era um aventureiro como tu, igualmente odiável, mas um pouco mais louco. Pediu-me para o enterrar na “maior desilusão da sua vida”. Pena que se foi já tarde, deu-me cá um trabalho.

- Só mesmo um louco para achar isto uma desilusão. – exclamou o humano enquanto avançava para os montes dourados – Pepitas de ouro? Mais fácil de carregar, pelo menos.

- São sementes douradas. Portadoras de vida.

O mercenário duvidou bastante da resposta do gigante. Pegou numa das tais sementes e trincou-a. Ela desfez-se entre os seus dentes.

- Porquê sementes? - disse, depois de cuspir, quase no desespero.

-- Esse é o meu tesouro, a minha maior criação. – admirou o Titã – Tal como o teu sucessor, pensaste que cobiçava o vosso ouro. Não ligues a esse metal inútil, aprecia os frutos da vida, que são o melhor que poderás encontrar.

- Porque manténs estas sementes aqui? De certeza que já não têm muita utilidade.

--Quando chegar a altura certa, plantá-las-ei no solo deste deserto e criarei outro paraíso, tal como fiz com o teu lar.

- Isso é incrível… - exclamou o humano - Mas continuam a ser inúteis para mim. Posso levar um saco cheio delas? Com alguma sorte engano o próximo bolsista que encontrar.

- Com certeza, mas em troca ficarei com estas páginas que escreveste. Juntá-las-ei ao monte. Não posso deixar que mais alguém encontre este sítio. Por mais que goste de visitas, vocês humanos conseguem ser muito enervantes.

O Titã levou o humano para a saída do templo fazendo-o prometer que não contaria o paradeiro desse lugar a ninguém.

- Antes de sair, tenho uma última pergunta. - disse o mercenário.

- Fá-la, então. Mas digo-te, humano, há segredos do mundo que não posso revelar.

- Como é que o bolsista, cara de suíno, sabia sobre este sítio?

- Ele nunca soube. Inventou a história enquanto bebia. Estranho que tu acreditaste nisso. Agora adeus e nunca voltes, caro viajante.

Os portões fecharam-se, antes que o humano pudesse libertar algum som da boca. Portas abertas da imaginação, livros abertos nos capítulos por escrever …

João Bastos, 9.º F

Parabéns, João, pelo primeiro lugar alcançado!

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