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sábado, 30 de julho de 2022

Modo de avião

Sou a Mónica, ou melhor, @moniica067d. Este é o meu nome de usuário no Instagram.

Estou agora no Rio de Janeiro. Viajei para cá para visitar a minha tia Lúcia que vive num prédio amarelo com o seu cão em Jacarepaguá.

O meu perfil transborda de fotografias nos mais emblemáticos lugares da cidade: Ipanema, Copacabana, Cristo Redentor... Loucura.

Perco-me no meio de ruas preenchidas por multidões, de odores, melodias. Brasil. Entre gostos e comentários, perco-me. 

Caminho, descalça, sobre a calçada. Está calor e os meus pés ardem, mas resisto. Ups... fui de encontro a alguém. Estou tão concentrada a trocar mensagens com a Ayla, da Turquia, que conheci no Cyber Friends, que não me apercebo dos obstáculos que surgem. Falo diariamente com dezenas de pessoas de todo o mundo sobre as tendências do momento. Outro encontrão. Repetidamente, chegam-me notificações e eu, atrapalhada, procuro ficar a par de tudo. Uma mensagem do Oliver. Outro encontrão. O sol arde. Sento-me num banco, absorta neste “mundo virtual” e não reparo nas pessoas que descontraidamente percorrem as avenidas com chinelos nas mãos, nas palmeiras altas que murmuram, nas maritacas* verdes que discutem... não olho ao meu redor. Edito fotografias que partilharei ainda hoje.

As ondas, serenas, aproximam-se e afastam-se, sou capaz de ouvir os seus suspiros profundos. Está calor, mas o ar é húmido e sinto uma brisa meiga a infiltrar-se na minha pele. Continuo entretida. Rio de Janeiro. As suas pessoas. Eu. Eu e o meu mundo. O meu mundo.

Acabei de publicar um conjunto de fotografias rapidamente atacadas por likes. Desligo o telemóvel e cerro os olhos com toda a força. Volto a ligá-lo. Respondo aos comentários. Respondo a mensagens. Estou conectada! Num pequeno dispositivo que é um telemóvel existe um grande mundo, uma confluência de personalidades, hábitos, ideias, opiniões... de vidas. Vidas. Vidas?

 Sinto-me cansada, os raios solares confundem-se com a luz do ecrã.

Desligo o telemóvel. Olho ao meu redor. A cidade vive. As suas pessoas vivem. Caminham vagarosamente, descalças, sobre a calçada que arrefece. Mentes pacíficas. Saboreiam gelados. Saboreiam o momento que estão a viver. Estão isentas de pensamentos. Não pensam em publicar uma fotografia ou story no Instagram. O sol está cada vez mais baixo. Os restaurantes começam a abrir e a praia enche-se de pessoas. Pessoas tão diferentes. Pessoas com vidas diferentes. Vidas.

 

Entardecer. O céu adquire um tom alaranjado e as nuvens refletem as formas do mar. Rio de Janeiro. As pessoas estendem longas toalhas na areia à espera que se anuncie o início do fenómeno mais belo da natureza: o pôr do sol. Estão felizes e convivem partilhando momentos do seu dia. Relações autênticas. Ninguém pensa em escrever um comentário no Twitter. Aguardam. Conversas afáveis. Risos vivos.

Diversidade. Cada pessoa com a sua personalidade, o seu sorriso, a sua vida. Todas olham para o mar. Imensidão. Veem-no de forma diferente, mas sentem o mesmo: liberdade. A melhor sensação.

Levanto-me do banco e a passos lentos, tentando não deixar qualquer rasto na areia flava, aproximo-me do mar. Fecho os olhos e inspiro a peito inteiro. Ar.

Penso nas pessoas e penso em mim. Na minha identidade mutável. Sinto uma espécie de remorso. Nas redes sociais, mostro aquilo que acho mais conveniente. Crio uma versão otimizada de quem sou.

Sempre acreditei que para ser aceite pelo corpo social deveria ser possuidora de determinados atributos. Tentei moldá-los em mim e acabei por perder a minha individualidade e essência.

Eu não sou a @moniica067d, mas sim a Mónica. Sou eu, eu mesma!

Abro os olhos. Liberdade. Sento-me.

Surgem as primeiras estrelas no céu: Vénus, a mais brilhante.  Invade-me o cheiro a comida proveniente dos restaurantes, ao longe, vejo um grupo de pessoas a dançar e cantar ao som de tambores. O sol abraçou a paisagem. Laranja. Os montes, as palmeiras e os edifícios tornam-se negros em contraste com a luz do sol. Vermelho. Ditosamente, bandos de aves exibem coreografias. Cada pássaro entoa a sua melodia, e, na discordância, juntos, formam uma airosa canção de despedida de um dia.

Amanhã será outro. O sol desaparece no horizonte.

Aqui, deixo de parte o meu diário digital. Começo a construir a minha entidade, a partir de vivências e experiências reais. Esta é a realidade. Esta é a minha vida. Este é um momento que eu tenho de sentir e apreciar.

Pego no telemóvel. Coloco-o em modo de voo.


  *Maritaca: é o nome de uma ave abundante no Brasil, o mesmo que maitaca. 

Anna Shevchenko, 10.º A - Escola Básica e Secundária de Anadia

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