Certo dia, estava eu a passear pelas
ruelas de Aguim, quando me deparo com uma pequena caixa de madeira de cerejeira
com um desenho que eu nunca tinha visto, mas que despertava logo a atenção pelo
modo como as linhas delicadas do desenho sobressaíam na madeira. Permiti que a
minha curiosidade fosse mais forte do que eu e abri a caixa. De repente sou
atingida por um enorme clarão e transportada para a Inglaterra do século XIX.
O meu traje era totalmente fora do comum,
comparado com o das restantes pessoas que passeavam pela rua, quando passavam
por mim conseguia perceber o desprezo nos seus olhos, mas eu sentia que não era
só desprezo, mas também curiosidade por aquele ser estranho com um traje
invulgar que estava diante dos seus olhos. Decidi que não podia continuar a
tomar atenção aos olhares que recebia, tinha finalmente percebido onde estava,
mas não conseguia entender o porquê de lá estar, o que é que eu, uma menina de
16 anos do século XXI, fazia numa realidade do século XIX?
Perdida nos meus pensamentos, ao mesmo
tempo que vagueava pelos jardins da aldeia rural de Steventon, reparo que
estava alguém a observar-me com tanta atenção que parecia saber os meus
segredos mais profundos só de olhar para mim… Era uma mulher magra, mas, ainda
assim, o seu corpo mostrava pequenas curvas, o que lhe dava um ar de sabedoria.
Ostentava uns belos cabelos castanhos que tombavam na sua face e que faziam
sobressair os seus olhos verdes, não era o que se considera uma beleza de outro
mundo, mas tinha a sua própria beleza que encantava qualquer um que a olhasse
com especial atenção.
Dirigi-me a ela e, antes de lhe poder dizer fosse
o que fosse, fui saudada com um sorriso caloroso, ao mesmo tempo que me dizia
“Estava à tua espera.”. E assim, sem mais nem menos, o nervosismo tomou conta
do meu corpo porque estava diante de uma das melhores romancistas do século XIX
e uma das minhas autoras preferidas.
Não sei se foi destino ou uma simples
coincidência, mas eu e a Jane tínhamos a mesma altura então consegui vestir um dos
seus vestidos, optei por um majestoso vestido azul-claro adornado com um tule
branco o que me dava um ar imponente, mas, ao mesmo tempo, de alguém afável. Devido
ao espartilho, o vestido assentava-me como se tivesse sido desenhado
especialmente para mim, estava a viver um sonho (só me faltava o típico romance
dos livros da Jane).
Depois de arranjada, estava na altura de
uma pequena conversa com a minha predileta escritora, serviram-nos o típico chá
inglês com uns scones (sentia-me como se estivesse a viver dentro de um livro)
e começou a conversa… Ela contou-me como era complicada a sua vida pois não tinha
as mesmas liberdades que as mulheres do século XXI. Referiu que lhes devia dar
muito valor pois fora preciso muita luta para eu ter liberdade de escolha. Eu
disse-lhe o quão honrada me sentia por conhecê-la, tinha muitas perguntas para
lhe fazer. Jane explicou-me que aquela caixa, que me transportara, era mágica e
funcionava como uma máquina do tempo. Só quem não a desejasse para fazer o mal
ou para mudar a História a conseguiria ver e utilizar.
- A vida é uma história. Disseram-me uma
vez “A tua história ainda está por escrever”, a tua história também está a ser quer
a aprecies quer não, nunca está concluída. – dizia-me Jane – Eu sei que por
mais complicado que seja, às vezes é difícil não desistir desta luta constante,
a luta pela igualdade, a luta pela vontade de nos afirmarmos (mesmo quando
ninguém nos quer ouvir) ou a luta de ganharmos a capacidade de tomarmos as
rédeas da nossa própria vida. Ser mulher, não é fácil!
Refleti nas palavras de Austen, mas, por
detrás de todas estas palavras senti que existia um outro significado, um
significado muito mais profundo do que aquele em que a minha mente queria
acreditar. O meu subconsciente alertava-me “Presta atenção às palavras! Atenta
no seu significado!” e assim, decidi ouvir o meu subconsciente e prestar
atenção ao que Jane me queria transmitir.
- Enquanto mulher no século XIX, sei que
não nos ouvem quando estamos a dar os gritos mais altos, o que é ninguém se
importar o suficiente para te perguntar “E tu, o que pensas sobre isto?”, eu
sei o quão complicado e confuso o mundo pode ser. Lidar com a desigualdade e
com a desonestidade das pessoas é algo que nos revolta, que nos faz sentir impotentes
por não conseguirmos mudar o que está errado.
- O que pretendes com esta conversa? Eu
sou uma menina com 16 anos, eu não sou capaz de mudar o mundo sozinha, eu não
sou capaz de entrar nesta guerra para a qual não tenho armas. Não sei porque de
entre todas as pessoas, de todas as meninas e mulheres que habitam o planeta
Terra, me escolheste a mim… - contestei. As minhas dúvidas estavam a ganhar uma
dimensão assustadora.
- Tu não estás sozinha, és uma menina
com 16 anos que tem uma vida pela frente. Escolhi-te porque sei que farás tudo
o que esteja ao teu alcance para ganhar esta guerra, não digo que a consigas acabar,
mas sei que a conseguirás colocar mais próxima do fim. Não é uma guerra para a
qual não tens armas, conténs dentro de ti a maior arma, essa arma é a tua
paixão pela vida. Gostas de ler e escrever, fazer isso é algo que te motiva,
então utiliza as palavras, no teu século tens uma voz que eu nunca tive, usa-a,
mas usa-a sabiamente!
E continuou a falar como se me
conhecesse de forma profunda. Sabia tudo sobre os meus gostos literários.
Conhecia todas as obras que eu já tinha lido e chamou a minha atenção para as
mudanças que as minhas leituras tinham operado em mim. Afirmou que a maior
parte das guerras se fazia com palavras e não com armas.
Eu, imediatamente, recordei as palavras
da minha professora de Português A palavra é a arma do poeta e do escritor.
Vieram à minha memória uns versos do poeta Alexandre O’Neill “Há palavras que
nos beijam/Como se tivessem boca” ou de Sophia “Pois é preciso saber que a
palavra é sagrada”. De facto – pensei – eu posso usar as palavras para mudar o
mundo! A chave está na leitura, a resposta para muitas das minhas perguntas
está nas palavras! São elas que me conferem poder!
- Como sabes tanto? Como é que sabes
quem sou ou do que gosto? Como sabes que sou capaz de colocar esta guerra mais
próxima do fim? – questionei-a.
- Essas são questões para as quais só tu
poderás encontrar resposta. Quando chegar o momento certo, tu entenderás quais
são as respostas. Agora, podes perguntar o que quiseres…
Estava para lhe perguntar a razão de um
final tão abrupto no seu livro “Orgulho e Preconceito” quando sou invadida por
abanão como se todo o meu mundo estivesse a tremer e a fugir-me das mãos. Fecho
os olhos e, de repente, para tudo, deixo de tremer e quando, finalmente, abro
os olhos, vejo a minha mãe a olhar para mim com um ar de surpresa.
- Estás bem? – pergunta.
Aceno-lhe com a cabeça a dizer que sim,
mal sabe ela que acabei de viajar no tempo e conhecer a Jane Austen, suponho
que isto é um segredo que será para sempre só meu…
A palavra, o seu poder…
Mariana
Lopes, 10.º A
Parabéns, Mariana, pelo primeiro lugar
alcançado!
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