2º Episódio
Ele desviou os
olhos, mas eu percebi a preocupação na sua voz apagada.
- Eu vou lá a casa. E depois digo-te alguma
coisa, ok? Podes sempre contar comigo: às vezes posso ser muito frio e
grosseiro, mas eu adoro-te João! Não quero te ver assim… vamos arranjar uma
solução.
Durante o resto da tarde só conseguia pensar
naquela rapariga e em todas as reacções que ela poderia ter quando me visse.
Para esta situação não estava preparado… nem com três anos de aulas no curso,
um de estágio e outro já a praticar, nem com todos os casos complicados,
estapafúrdios, sentimentais e malucos que tive no passado ano. Não estava
preparado para o que fosse acontecer. Seja o que fosse.
Quando cheguei a casa da Margarida admito que
estava assustado. Mas ela precisava de ajuda, de alguém. E aparentemente eu
tinha que ser esse alguém.
Respirei fundo e toquei à campainha. Niguém
respondeu. Toquei uma segunda vez, terceira e, quando estava prestes a voltar
as costas e desistir daquela ideia maluca de agir como um anjo caído dos céus
para salvar uma frágil alma sofredora, a chave rodou e a porta abriu-se. Por
trás dela, a Margarida, com cara cansada, olhos inchados, sem expressão; no
entanto, era a rapariga mais bela que alguma vez vira, o que fez com que o meu
coração acelerasse e o meu estomago desse um nó só de pensar na possibilidade
de não a conseguir amparar.
- Sou o Rui, o irmão do João.
Ela olhou para mim com um ar amedrontado, mas
quando ia começar a falar ela fez-me sinal para entrar e me sentar no sofá da
sala. Estava tudo muito sombrio, muito vazio. A atmosfera estava pesada, como
se uma nuvem negra pairasse sobre o tecto da sala.
- O João disse-me que vinha cá. Eu não quero
falar.
- Antes de mais, trata-me por “tu”. Somo
praticamente da mesma idade; chama-me Rui. Sei que não queres falar, mas podes
ouvir-me?
Ela acenou
afirmativamente, enquanto cruzava as pernas.
- Eu soube o que aconteceu e, primeiro de
tudo, não te vou obrigar a relembrar o passado a não ser agora… não me parece o
mais justo neste momento. Só te quero dizer que o que sentes agora é normal,
mas não tem que ser assim para sempre. A culpa que sentes não é tua. Tu não
causaste o acidente, não fizeste com eles morressem, não podes sentir-te assim.
Neste momento as lágrimas escorriam-lhe pelo
rosto fora e caiam-lhe no colo. Ela permanecia calada e eu sabia que era uma
questão de tempo até ela se revoltar, de berrar, de me insultar; era a calma
antes da tempestade. Mas também sabia que não podia parar agorar. Estava a ser
bruto, insensível, mas eu precisava de uma reacção, qualquer coisa que me
ajudasse a erguê-la das cinzas do passado.
- Eles morrreram, mas tu estás cá, percebes?
– elevei o tom de voz. - Que queres fazer? Ficar aqui presa até morreres? Não
sentir nada para o resto da tua vida? – a este ponto gritei – Se foi para isto
mais valia teres morrido com eles; só causas dor a quem está cá, aos teus
amigos que se preocupam contigo!
Ela saltou do sofá, lavada em lágrimas,
mandou-me um murro na cara e gritou:
- Não digas isso! Não fales mais nisso… eu
não quero morrer… eu quero acabar o curso, quero arranjar um emprego, quero
viajar, quero ser feliz… eles querem-me ver feliz, eu sei que sim! Eu quero…
quero ajuda! –disse a soluçar.
Eu, caido no chão a sangrar, senti-me
aliviado. Foi bom conseguir em cinco minutos o que muitos andavam a suar há
meses. Agora tinha a sua colaboração. Agora ia ser mais fácil.
- Tens a certeza?! Não queres voltar para o
teu quarto e enfiares-te na cama por mais dois meses? –perguntei num tom seco.
- Não! Não quero
Rui… - e abraçou-se a mim a chorar, sem dizer uma única palavra durante o resto
da tarde.
No dia seguinte passei logo de manhã pelo
apartamento da Margarida, antes de ir para o consultório.
- Como é agora? – perguntou ela depois de me
servir uma chávena de café – O que é que vais fazer para me consertar?
- Nada. – respondi calmamente. Ela olhou para
mim em pânico. – Ainda não sei se queres mesmo a minha ajuda…
- Eu mandei-te um murro, falei contigo quando
não falei com mais ninguém… Não achas que é um pedido de ajuda suficientemente
claro?!
- Tu queres sobreviver a tudo isto… mas ainda
não me convenceste de que queres viver… que queres encarar o que aconteceu e
arranjar uma forma de lidar com o assunto, de continuares com a tua vida…
- E quando é que te vou convencer?
Continua…
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