3º Episódio
- Então, estamos conversadas. A partir de amanhã, vais trabalhar para
casa da Senhora Dona Isabel Barbosa.
- O quê?! E a minha sacola para a escola? A minha lousa e o meu giz? Como
é que eu hei de ir à escola sem isso?
- A rapariga está a sonhar! Atão não é que ela pensa que tem o rei na
barriga?! Quem é que te meteu a ideia no corpo? Pensas que és rica? Onde é que
andas com a cabeça? Pensas que eu tenho dinheiro para vícios?! - gritou a mãe.
- Mas, o Manel vai…
- Ele é homem. Tem direito. Tu, pobre rapariguinha, tens mais é que
servir numa casa decente e, daqui a alguns anos, a ver se te arranjo um homem capaz
para tomar conta de ti.
Não podia ser. Estava a dormir e estava a ter o maior pesadelo da minha
vida. Perdi a voz, as minhas pernas vacilantes tremiam por baixo da mesa, os
meus olhos toldaram-se e, finalmente, o desespero tomou conta de mim.
O meu pranto valeu-me um valente par de estalos, acompanhados de uma reprimenda:
- És uma ingrata! É o que és. Eu a pedir favores para te arranjar uma boa
vida e tu a pensares em ir malandrar prá
escola. Essa é que era boa. Uma filha minha “dôtora”.
Tinha graça! Andares para aí a pavonear-te com essas minissaias que mal tapam os
joelhos. Com uns decotes que mostram o que não devem e, já agora de cigarro na
boca, não?! Falta-te um pai, é o que é. E eu que tenho de ser pai e mãe e tu
não dás valor nenhum, só queres gozar comigo. Ingrata!
Dito isto, seguiu-se uma outra estalada, que me deitou ao chão. A minha
mãe, por sua vez, levantou-se e foi para o quarto dela, deixando-me estendida
no cimento frio.
Naquele dia, uma parte de mim morreu!
Servir na casa de alguém não tinha sido algo em que não pensara, mas
nunca imaginara fazê-lo sem saber ler e escrever. De facto, imaginei-me, muitas
vezes, a ler as cartas que a Senhora Dona Isabel Barbosa ou que outra senhora
qualquer recebessem, ou quem sabe dos namorados das filhas que as partilhariam
comigo e depois rir-nos-íamos daquelas palavras cheias de amor e saudade. Só
nunca imaginei a minha vida sem a leitura e sem a escrita e agora, ali estava
eu a trabalhar em vez de estar sentada nos bancos da escola.
A primeira vez que entrei naquela casa fiquei deslumbrada. Nem nos meus
mais belos sonhos conseguira entrar em tal paraíso. Era… não tive palavras para
a descrever. O chão de mármore branco, como soube mais tarde que se chamava,
brilhava e eu senti que envergonharia o chão da minha cozinha.
Os móveis olhavam-me na sua imponência, reduzindo-me a uma tal
insignificância que eu julguei que, nesse preciso momento, deixaria de
respirar. A maneira como a casa estava enfeitada, mais tarde soube que se dizia
decorada, deixou-me a levitar num misto de fascínio e encantamento. Tudo era
perfeito de mais.
Tive dificuldade em me adaptar a tal grandiosidade, tinha medo de tocar
em tudo e de falhar. Mas, a Senhora Tina, a governanta, foi muito paciente e
disse-me que eu só teria de limpar tudo direitinho, como fazia em minha casa e
ia ver que tudo corria bem. Ensinou-me a limpar as pratas e eu passei a fazê-lo
com tal empenho que a Senhora Dona Isabel me presenteou com um belo lenço para
o meu cabelo, que usava aos domingos para ir à missa, e me disse que nunca em
sua casa as pratas tinha tido tal brilho.
Sempre que me encontrava sozinha, deixava as lágrimas passearem pelo meu
rosto, cheias de saudades do que nunca tivera. Era apenas uma criança de sete
anos que servia em casas ricas e que nunca saberia ler nem escrever.
Logo pela manhã, deixava o aconchego do meu colchão de carpelas e partia
para o campo, pois, antes de ir servir, tinha de tratar do gado.
Continua…
Que a tua vida Sofia e a tua Adriana sejam um misto de alegria, felicidade e Amor!
ResponderEliminarParabéns!
Com o maior Amor do Mundo.
Mãe.
Muitos parabéns, Adriana e Sofia, que este dia seja muito feliz para vocês!
ResponderEliminarAdoro-vos <3
Patrícia.
parabens as duas pelo aniversário e pelos textos que escrevem. tambem á equipa pelo blog, continuem pois é muito bom ler o que as escolas fazem.
ResponderEliminarMartim Almeida Rodrigues