Concurso literário “Ler e Aprender”
Texto género narrativo escrito pela aluna Sofia de Matos Pedrosa, concorrente
e vencedora do 1º prémio no Concurso literário “Ler e Aprender”, 3º Ciclo, edição
de 2012.
A
Equipa d´O Ciclista
Nunca é tarde para
aprender!
1º Episódio
Há muito tempo que ansiava por um dia como este.
Nos meus mais secretos sonhos, via-me sentada na mesa de jardim, a
escrever. Era um sonho que desde sempre povoava o meu pensamento. Contudo,
durante décadas, manteve-se simplesmente adormecido, quase esquecido, ou
lembrado com dor. Dor de não o ver concretizado. Dor, por não o conseguir alcançar.
Esse sonho quase ficou esquecido para sempre!
Até aos sete anos, adorava olhar para o meu irmão e vê-lo pegar na sacola
e, com ela a tiracolo, partir para a escola, para onde eu já deveria ir. Na
verdade, invejava-o pelo simples facto de ser mais velho e já ter idade para
aprender a ler e a escrever. Até essa idade, ainda me foi permitido sonhar.
No dia em que completei os meus sete anos, a minha mãe disse-me que tinha
uma prenda para mim. Era hoje! Chegara finalmente o dia em que a mãe me iria
dizer, como fizera há três anos com o meu irmão, que em outubro eu iria para a
escola. Então, dar-me-ia o mais belo presente, embrulhado em papel pardo,
aquele pelo qual eu tanto e há tanto tempo esperava: uma pasta para eu
concretizar assim o meu sonho.
Sabia que não seria uma pasta nova, pois já tinha passado pelas mãos de uma
das filhas da patroa da minha mãe, mas para mim seria sempre nova. Porém isso
era sonhar alto. No entanto, não me importava se fosse apenas uma sacola feita
de sarapilheira, como vira já a algumas das meninas que passavam para a escola.
Não importava, já que eu iria torná-la na sacola mais bonita que jamais
existira. Por outro lado, bordaria um grande livro aberto e nele escreveria o
meu nome. Não na sua totalidade. Simplesmente Nazareth.
Dentro da pasta, ou da sacola, estaria uma lousa de ardósia e um pau de
giz, que guiaria a minha mão, fazendo-a dançar em círculos e em linhas
direitas, desenhando as letras que eu escreveria para no final poder ler
aquelas palavras perfeitas, que a professora me iria ensinar.
Depois de engolir a côdea de broa e o café acabado de coar, aguardei pela
minha surpresa, a minha bela prenda de anos!
A minha mãe entrou na ampla cozinha da nossa casa, com o cântaro de água
à cabeça, que tinha ido buscar à fonte, e disse-me para a ajudar. Levantei-me
de um salto e tirei-lho da cabeça depositando-o, com dificuldade, pois era
muito pesado, sobre o armário que se encontrava junto à banca de pedra. De
seguida, coloquei o prato sobre a boca do cântaro de barro e a caneca virada
para baixo, os dois feitos de esmalte.
- Vai acendendo a lareira que já volto.
Pegando nas agulhas e na lenha, que já fora buscar ao alpendre nessa
madrugada, fiz uma bela fogueira. Entretanto, fui colocando a panela de ferro
preto sobre a trempe para a sopa do almoço. Durante
a manhã, enquanto a minha mãe ia trabalhar para a mansão dos senhores Miranda
de Azevedo, eu descascaria as batatas, arranjaria a abóbora, os nabos, as
couves, que ainda tinha de ir cortar ao quintal e, com um pouco de toucinho,
que tiraria da salgadeira, faria uma bela sopa.
A minha mãe entrava entretanto na cozinha, amarrando o seu lenço preto na
cabeça, cor que usava desde que o meu pai partira para o céu. Agora, eu iria
receber a minha prenda. Mas, afinal a minha desilusão acompanhou o meu dia. A
mãe esquecera-se de ma dar.
O dia decorria e apesar do grandioso sol, que sorria para mim, eu sentia
um vazio muito grande.
Fui fazendo as minhas lidas e tentei abstrair-me do meu dia de anos. Por
isso, dirigi-me ao quintal e apanhei a comida para o gado. Com a foice ceifei
alguma erva, pois era necessária para na manhã seguinte lhes fazer as camas de
lavado, como eu gostava de pensar e, com as couves debaixo do braço, fui fazer
o almoço.
Ao meio-dia, levei o farnel à minha mãe a casa dos senhores e ela apenas
me disse para ir direita a casa e fazer bem as minhas tarefas.
- Não te distraias! Já sabes que, se algo estiver mal, levas uma tareia.
Ai, não que não sabia! Ainda me
doía o rabo das vergastadas levadas há dois dias atrás, quando deixara cair um
dos ovos que fora buscar ao galinheiro.
Arrastei, então, os tamancos pelo caminho de pedras que me levaria a
casa, sem conseguir deixar de pensar no meu aniversário. Afinal, era uma data
muito importante, principalmente porque chegara a hora de ir para a escola,
aprender e também brincar com as outras meninas, no intervalo da manhã. Ah! Como
seria bom saltar à corda com elas, jogar às apanhadas e saltar à macaca.
No entanto, entrei em casa com a certeza de que estava triste e que não
podia piorar mais o meu dia, que era o que iria acontecer, se não fizesse tudo
o que a mãe me destinara.
Comecei assim por despejar água na grande bacia de barro. Depois de ter
agitado a água para que a gota de detergente, que entretanto colocara, fizesse um
pouco de espuma, pus os pratos coloridos de barro, já muito gatados, dentro da
bacia e, em cima do mocho, que fui buscar para chegar melhor à louça, lavei-os.
O chão estava bem esfregado, embora os joelhos me ardessem por causa de
os ter arrastado no cimento que o cobria. Mas sempre era melhor que a terra que
antes existia. O tio Nando, o irmão da minha mãe, que é trolha, no início do
verão, tinha conseguido um pouco de cimento e, com ele, transformou a nossa
cozinha numa verdadeira beleza. Agora, parecia mesmo uma cozinha de bonecas.
Não que alguma vez tivesse visto alguma, nem cozinha nem bonecas, mas era assim
que as imaginava.
Era a vez de apanhar a roupa, que eu ajudara a mãe a lavar ainda o sol
não acordara e que estendera de manhãzinha. Peguei no cesto de verga e fui
apanhar a roupa das cordas que dançavam ao som da bela melodia tocada pelo
vento. Lembrei-me do que a mãe me ensinara: "Dobra bem a roupa, pois a roupa bem dobrada é roupa meia passada."
E, assim fiz.
A cozinha já estava enxuta, por isso fui junto à lareira e peguei na
panela das brasas e coloquei-as no ferro preto de passar a roupa. Estendi o
velho cobertor sobre a mesa da cozinha e, como o ferro já estava quente, passei
a roupa.
Continua…
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