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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Nunca é tarde para aprender!


5º e último Episódio
Todos os anos, cada chegada era uma festa, em que os foguetes troavam na minha cabeça, iluminando o meu sorriso. Mas cada partida parecia uma morte anunciada, um pouco de mim que ficava e um grande pedaço que se partia ao abalar para longe daqueles que amava.
Os anos passaram, os netos cresceram, casaram e o meu mais antigo sonho manteve-se oculto, preso no meu mais íntimo ser. Mas, permaneceu sempre ativo, tal vulcão em ebulição.
Aos setenta e cinco anos, bati com a mão na mesa e disse ao meu marido que o tempo passado em França já tinha chegado ao limite. Tinha chegado assim a hora de regressar definitivamente a Portugal. Para minha grande alegria até já tinha uma bisneta, filha do meu neto mais velho, que fazia seis anos em julho e em setembro, iria para o primeiro ano. Eu queria assim acompanhar o seu crescimento.
Finalmente, regressei!
O meu neto e a esposa tinham de trabalhar até tarde, pelo que a minha nora ia buscar a neta à escola e vinha sempre buscar-me para ficarmos as três em casa dela.
Num belo dia, o verão despedia-se com um resplandecente sol e Inês, assim se chamava a minha bisneta, presenteou-me com a mais bela das perguntas:
- Vó Ná, - como me chamava, - o papá disse-me que, quando era pequeno, queria ensinar-te a escrever, mas que tu estavas muito longe. Agora que estás cá, sou eu quem te vai ensinar!
Não era possível. Ali estava eu, passados mais de setenta anos, a ter a oportunidade que me negaram, quando era uma criança. Mas só que agora era tarde. Eu estava velha para aprender. Sentia-me cansada, esgotada. A vida não me tinha sido nada fácil. Não conseguiria pegar numa caneta e escrever. Nunca iria pegar num livro e ler as bonitas palavras que ele transporta. Nunca iria ser capaz! Não, era impossível!
Inês olhou-me nos olhos e sei que viu neles a minha incapacidade e a minha desilusão.
Eu não consegui enfrentar a minha bisneta. Mas ela chamou-me baixinho. Levantei os meus olhos e encarei-a com um ténue sorriso. Como era capaz de dececionar esta inocente criança que me olhava com aquela certeza e esperança?! Como podia eu desiludi-la?!
De repente, exclamei:
 - Sim, claro que me ensinas e claro que vou aprender!
 Fiquei surpresa com as minhas próprias palavras e, embora saídas nem sei bem de onde, foram minhas e iria honrá-las.
- Sabes, Vó Ná, basta que faças aquilo que eu faço na escola. Conheces as vogais, não é? Todos as sabem. Agora, basta começares a escrever. Hoje aprendi a primeira, aprendi a fazer o “i” e é essa que vais aprender.
E eu que pensava que a primeira letra era o “a”. Afinal, precisava mesmo de aprender do início.
A minha nora, por sua vez, ofereceu-me uma elegante pasta de cabedal castanha com o meu nome bordado e lá dentro estavam os cadernos e o estojo com tudo o que era necessário para eu escrever. Agora, já não havia a lousa nem o giz, mas também não era importante, estes eram novos e meus. E eu voltei a ser criança outra vez!
Dediquei-me de alma e de coração a aprender a escrever as letras, depois a formar as sílabas. Aprendi os ditongos, as palavras, as frases e consegui redigir o meu primeiro texto.
Hoje, faço oitenta anos e, sentada à mesa do meu jardim, tenho à minha frente alguns textos que podem não ter o brilho dos grandes poetas, podem ter erros na construção das suas frases, podem até conter um ou outro erro ortográfico, mas são escritos pela minha mão. Esta mão calejada por uma vida difícil de trabalho árduo, a quem foi negado aquilo que considero ser um bem essencial. Esta mão que satisfeita faz deslizar a caneta, que dança em círculos e em linhas direitas, desenhando as letras que eu escrevo para no final poder ler estas palavras perfeitas, que a minha jovem professora me ensinou. Claro que teve a ajuda da avó!
Hoje posso dizer: aprendi a ler e a escrever.
Já tão tarde?! Podem interrogar-se. Mas não! Eu agora sei que nunca é tarde para aprender. Posso dizer que a expressão “Burro velho não aprende línguas” não faz sentido.
Eu que sei falar português e francês, que percorri milhares de quilómetros, que já fui sujeita a várias intervenções cirúrgicas e que já vivi mais anos do que esperava viver. Eu, Nazareth, nascida entre as duas grandes guerras, eu não sabia ler, nem escrever.
Posso dizer que a força de uma criança fez renascer em mim a criança que estava escondida e que me deu o estímulo para aprender. Me deu aquilo que outrora fora negado e que eu sei que tinha direito.
Devo tudo o que está nestas folhas aos meus dois netos, à sua mãe e à minha bisneta que conseguiu concretizar o sonho da sua bisavó.
A minha crença transformou assim o meu sonho em realidade. Hoje, sou completamente feliz, porque consegui concretizar o meu primeiro e último sonho.
Só me resta dizer que nunca é tarde para aprender!

Sofia Matos, nº 21, 8º Ano, Turma C

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