Vencedor do Género narrativo do Ensino Secundário
Parabéns, Pedro!
Carta a Tom
Anadia, novembro 2019
Querido Tom,
A nossa relação começou de forma estranha: eu estava desolada e triste com o mundo, talvez porque não tivesse amigos ou, então, era típico daquela idade fazer algo sem sentido, só para chamar a atenção, quando tu chegaste e me ofereceste ajuda. Fiquei curiosa. O meu primeiro pensamento foi que talvez fosses alguém com segundas intenções, alguém que se quisesse aproveitar de uma rapariga que estava chateada com o mundo, ou de uma rapariga cujo namoradinho a tivesse trocado por outra de silhueta mais atraente. Ou, então, que fosses alguém que pensava que, ao ajudar-me, poderia receber algo em troca, como dinheiro ou algo mais íntimo, até. No meio de todos estes pensamentos, de toda esta minha curiosidade, lá estavas tu, a olhar para mim com o sorriso mais típico dos charlatães mais conhecidos do cinema. O problema é que a depressão é complicada e, no calor do momento, colocada sobre a pressão de ter de dar uma resposta para a situação não ficar ainda mais estranha, decidi aceitar a tua ajuda.
Estenderes-me a mão foi o teu primeiro passo. Bastante cliché, admito, mas eficiente. De seguida, entrámos numa espécie de rotina. A princípio, achei que fosse algo desnecessário, um incómodo apenas, mas que segundo a tua ideologia, servia apenas para me ajudar. Acreditar em ti foi o meu primeiro passo. Bastante precipitado, admito, mas aparentemente eficiente. Acreditei em ti porque, por mais que não concordasse com o teu método de ajuda, com a tua ideologia sádica e egoísta, por mais que achasse que isso não me levaria a lado nenhum, só pelo facto de ser uma possível solução, uma possível saída para a minha insignificante depressão, significava muito! E foi essa minha confiança depositada em ti, foi essa minha crença de que eras o ponto de partida para a minha fuga, que me fez ver a primeira característica que eu iria invejar em ti: a tua coragem. Não te importavas com o que os outros pensavam, não te importavas com o que eu pensava. A tua única missão era ajudar-me e eu admirava isso. Para onde quer que eu fosse, tu seguias-me. Qualquer coisa que fizesse, tu ajudavas-me. Qualquer coisa que eu dissesse, perguntavas se era a coisa certa a dizer. Foi através do teu método que eu escapei ao labirinto que é a depressão. Eu acreditei na tua promessa e tu cumpriste.
Fiquei sem palavras para te agradecer. Era uma sensação diferente, nunca ninguém me tinha ajudado com tal paixão e dedicação, parecia até um sonho. Pois, um sonho…. Posso nunca ter sido grande aluna a português, mas se há coisa que admiro na nossa língua é a veracidade dos nossos ditados. Pode ter sido culpa minha, depois da tua ajuda fiquei tão grato que talvez tenha criado uma relação de afeto contigo… Mas, de todo queria que te tornasses tão obsessivo, tão controlador…. Parecia até um filme de terror! Onde quer que eu fosse, tu perseguias-me! Qualquer coisa que eu fizesse, tu ameaçavas-me! Qualquer coisa que eu dissesse, tu calavas-me, proibias-me de falar! Deixou de ser uma simbiose, tu ajudavas-me e eu contribuía para os teus gostos bizarros, era parasitismo, e apenas tu saías beneficiado nesta nossa relação. Isso levou ao segundo atributo que eu mais invejava em ti. Por mais que essa característica fosse minha, por mais que eu possuísse essa qualidade, eu invejava a tua inteligência. A inteligência que usavas para me manipular e me controlar das maneiras mais terríveis. Foi essa tua (e minha) inteligência que me levou a amar-te. Sim, Tom, eu amo-te! Não te amo porque eu quero, não porque continuo atraída por ti, mas porque tenho de te amar. Tenho de te amar, caso contrário, fico nervosa, a minha autoestima baixa e o meu cérebro vai à loucura. É esta nossa relação que leva os meus amigos a dizerem que eu te devo esquecer, que me devo separar de ti! Este amor incondicional e indescritível, que tenho por ti, torna isso impossível. É este meu amor, Tom, que leva os outros a lançarem-me olhares de desprezo quando ando na rua a evitar todas as rachaduras no passeio. É este amor, Tom, que leva as outras pessoas a perguntar se está tudo bem quando mostro anseio e preocupação por me dizeres que deixei a porta de casa aberta, quando já confirmei dez vezes que estava fechada. É este meu amor, Tom, que leva os outros a terem pena de mim, quando me veem isolada num canto, com medo dos meus medos, com medo de ti!
Sabes uma coisa, Tom? A última coisa que eu quero é que tenham pena de mim…
Adeus, Tom.
(Carta de uma adolescente vítima de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC))
Pedro Fernandes, 11.º A, EBSA
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