O João não gostava de escrever e também não gostava muito de ler.
Infelizmente, neste aspeto, não diferia muito dos rapazes da sua idade.
Dezasseis anos!
Jogos on line, telemóvel, séries. Estas eram as suas ocupações quando não estava na escola, quando não tinha treinos ou quando não estava a dormir.
Os pais tentavam contrariar esta tendência e ofereciam-lhe um livro de vez em quando. A mãe, mais paciente, sempre que havia oportunidade, tentava associar uma frase, um excerto de uma das suas obras preferidas, a acontecimentos banais do dia a dia “Estás a ver, João, já o Tom Sawyer no livro de Mark Twain tinha essa atitude” ou “Estás a fazer exatamente como a Zé d’Os Cinco da Enid Blyton”. O João olhava para a mãe com ar espantado:
- Mãe, andas sempre com livros na tua cabeça! Como é que consegues lembrar-te sempre de uma história ou personagem, a propósito de tudo e mais alguma coisa?
A mãe sorria, pois sabia que, mais cedo ou mais tarde, o João despertaria para a descoberta da importância da leitura.
Quando chegou a notícia de que a escola ia encerrar, ou seja de que era necessário ficar em casa para combater a pandemia que tinha assolado o mundo, o João quase entrou em pânico. Ficar em casa? Não ir à escola, aos treinos, ao café com o pai, não ir a casa dos amigos…
- Não vou aguentar, digo já, não vou aguentar!!!
Nos dias seguintes, mesmo com as aulas a distância, com muita conversa com os amigos nos chats, com mais tempo de qualidade em família, o João parecia ansioso. Era tempo a mais em casa. Tinha de conseguir ocupar o muito tempo livre que ainda restava…
A mãe reparou que, de quando em vez, havia um espacinho livre na estante da sala, de quando em vez um livro saía do seu lugar e voltava passado pouco tempo. Isto aconteceu algumas vezes, mas a mãe não fez qualquer comentário…
Numa manhã de sexta feira, quando abria a janela do quarto do João, para que o sol pudesse entrar, a mãe reparou numas folhas manuscritas em cima da secretária. O rapaz estava a fazer exercício físico no jardim. A mãe não resistiu, pegou nas folhas e leu.
Nos últimos tempos, o ser humano tem presenciado algo nunca antes presenciado encontrando-se assim num estado onde, para além do cuidado e da prevenção, o pensamento e a reflexão são a base de que este mesmo Homem se tem servido para ultrapassar esta situação e, de certa maneira, mudar a visão que tem do mundo.
Apesar de toda a desgraça e tristeza que a Covid-19 trouxe e ainda vai trazer, a verdade é que grande parte dos males vêm por bem e cabe ao Homem aprender a lição e transmitir o que aprendeu ao planeta que, tantas vezes, trata de forma rude e hipócrita.
É nestes momentos de tristeza, de dor, de pânico e, sobretudo, de incerteza que o Ser Humano dá a conhecer o seu melhor, tentando provar que é capaz de cuidar de si, dos seus e do próximo. Esta atitude prova que o Homem vai ser capaz de enfrentar este obstáculo, tudo depende da maneira como cada um vai reagir ao novo desafio.
Podem existir vários “génios”, refiro-me aos que se autoproclamam de “génio”, que referem a Covid-19 como apenas uma gripezinha, que desaparece com as altas temperaturas, que não mata e que não terá impacto na economia de nenhum país. Porém, os resultados que temos provam exatamente o contrário, pessoas a morrer todos os dias; trabalhadores que perdem os seus empregos para cuidarem dos filhos, que tanto amam; profissionais de saúde com uma elevada carga de trabalho que, dia após dia, põem as suas vidas em risco para salvar muitas outras; familiares desolados por não poderem assistir aos funerais dos seus entes queridos; crianças, que veem os pais e os avós morrer, a sentirem-se injustiçadas pelo facto dos seus familiares não terem tido acesso a equipamentos de saúde que podiam ter feito a diferença entre a vida e a morte...
Para além destes tristes acontecimentos é importante dizer que muitos países vão passar por crises económicas muito duras cujo impacto na vida das famílias vai ser significante, muitas vão perder o emprego, outras vão deixar de ter acesso a bens básicos como comida e água e muitas pessoas irão continuar a morrer.
Apesar da situação no nosso país não ser assim tão grave, a verdade é que Portugal vai passar por uma crise económica nos próximos anos, que irá afetar, de uma maneira ou outra, todos os portugueses.
Olhando para toda a desgraça causada e analisando bem toda a situação, é de admirar a fantástica reação do ser humano e o quanto o mesmo tem sido solidário com aqueles que mais necessitam. Simples gestos como a doação de comida ou a realização de uma chamada para linhas telefónicas solidárias são gestos valiosos e, quando somados e quantos mais forem, maior será a diferença que os mesmos farão na vida de muita gente e na eficácia na luta contra o Coronavírus.
O Coronavírus terá os dias contados, esta união que o Homem realizou consigo mesmo e com o próximo tem dado resultado e vai frutificar. O esforço e a luta diária de todos contra este vírus, mais tarde ou mais cedo, trará resultados e provará mais uma vez que, por pior ou mais perigoso que seja um determinado obstáculo, o ser humano unido jamais será vencido.
Não conseguindo conter as lágrimas, a mãe de João não se tinha apercebido da chegada do filho que, meio envergonhado, perguntou:
-Ah, estavas a ler isso?
-Filho, estou espantada! Não te imaginava capaz de uma reflexão tão bem feita e, sobretudo, tão bem escrita!
-É… tenho andado a ler umas coisas… vá, agora vou ter aula.
O espaço vazio na estante da sala tinha dado fruto e a mãe de João tinha, agora, a certeza de que, enquanto o confinamento durasse, essa estante seria um lugar privilegiado na vida do seu filho.
Francisco Roça, 10.º Ano, EBSA
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