Parte II
Crianças! O que foi que eu fiz?! Ó Posídon, o que foi que eu fiz? E ai vem o arrependimento, pois olho e vejo os rostos sofridos daqueles que como eu choram a destruição. Vejo o seu desespero, a sua angústia, a sua perda e a sua desilusão.
O que posso eu fazer, Posídon?
Decido, então, acalmar as minhas águas e tento levar todos os humanos lentamente até à praia. Vejo que alguns ainda podem ser salvos, outros, não sei.
Na verdade, tenho de mudar, tenho de pensar antes de agir incontrolavelmente. Como pode a minha sede de vingança atuar sobre tudo e todos, sem pensar que há alguns que não têm culpa nenhuma?! Como pude pensar em agir sobre todos de igual forma?! Como sou inconsequente… Leviano, mau carácter. Eu, um herói. Como sou bom a autoelogiar-me. Claro, quem haveria de o fazer! Os meus animais e plantas? Os Homens? Não! Só podia ser eu. E só eu para decidir a sorte dos outros e fazer aquilo que considero o certo e o errado. Só eu para atuar pela natureza toda e fazer a destruição. Sim, a destruição. Foi o que eu fiz. Agora, olho para as praias e é o que vejo: destruição. Famílias que já não o são. Crianças que já não têm pais, pais que já não tem filhos e eu, eu estava aqui feliz. Feliz porque tinha sido o grande e consciente causador de tudo isto. E porquê? Porque há um conjunto de Homens que como eu são inconscientes e que só pensam neles, na sua economia, no seu bem-estar, esquecendo-se que há um Mundo para gerir, que há uma natureza que não nos pertence, que há uma natureza que é de todos nós!
Nem sempre sou aquele mar agitado, mau, cruel!
Gosto de sentir os pescadores, que com os seus barcos mergulham as suas redes nas minhas águas para retirarem os meus peixes, pois sei que com eles vão alimentar outros seres… é a lei da vida, eu sei. Não sou egoísta. Mas, claro, não gosto de exageros!
Gosto de espraiar-me ao longo das praias que ajudei a criar, umas mais arenosas, com as suas belas areias tão brancas que até à neve faz inveja. Outras mais pedregosas, mas que também gostam de ser visitadas pelos humanos por causa das minhas águas bem quentinhas. Outras, apesar da cor mais escura das suas areias, não deixam também de os atrair. Há para todos os gostos.
Gosto daquele jovem humano que sulca, num perfeito nadar, as minhas águas com aquela arma em busca do meu mais belo polvo e que, num jogo de esconde e agarra, acaba por sair vencedor, levando finalmente o seu troféu para terra.
Sinto aquele barco que faz aquela menina deslizar sobre as minhas águas até que, cansada, acaba por deixar-se cair sobre mim e então, eu e ela em uníssono rimo-nos da sua aventura e salpico-a com uma branca espuma para ela ver que não lhe faço mal. Ela responde-me atirando-me com a minha própria água e rindo em sonoras gargalhadas. O barco volta, enfim e ela sobe, deixando-me um pouco triste por me deixar ali sozinho.
Também me sinto feliz, ao ver aquele par que nada esquecido e não vê que a noite já tombou sobre as minhas águas. Sinto o calor que os seus corpos irradiam e lanço sobre eles uma vaga mais intensa, alertando-os para a hora tardia e vejo-os, então, desaparecer por entre as rochas que há muito abandonei!
Mais à frente, peço ao meu amigo vento que levante um pouco e ajude aqueles que estão sobre as minhas águas para que aqueles velejadores possam estimular a adrenalina e dar asas à sua emoção.
E sabe tão bem ver grandes e pequenos a correr na minha direção e vê-los saltar e mergulhar nas minhas ondas e agitar as minhas águas. Alguns, e não pensem que são apenas os mais pequeninos, deleitam-se a verter as suas próprias águas nas minhas, mas essas são pequenas insignificâncias que até me fazem rir.
Vejo aqueles que incautos se deleitam ao sol e depois, vêm até mim refrescar-se e eu tento lentamente mostrar-lhes que não devem entrar de imediato nas minhas águas.
Observo aquelas crianças que gostam de fazer pocinhas junto a mim e eu brinco com elas, derrubando os seus castelos de areia. Mas, elas persistentes voltam e voltam a construí-los e eu sempre a destruí-los. Como me delicio, eu e elas nesta constante brincadeira de crianças.
Também faço ondas mais pequeninas para aqueles humanos, sim, aqueles que parecem temer-me, e que não vão molhar muito mais do que as pontas dos pés. Sempre que uma mini, mas mesmo muito mini onda lhes tenta chegar, eles fogem espavoridos para o mais longe possível de mim e tentam refugiar-se na areia escaldante, onde saltitam entre um pé e o outro. Mas depois lá voltam, quase a medo, pois o calor assim o exige.
Depois aparecem alguns humanos completamente vestidos. Levantam as calças, as saias, ou lá como se chamam as roupas e quando decido mandar uma onda mais forte e se molham todos, é engraçado vê-los aos gritinhos… parecem crianças!
Lindas são as crianças, com as suas boias e/ou braceletes coloridas, que sem medo tentam vir a mim. Mas aí vêm os pais com os seus mil olhos e mais mil a protegerem-nas de tudo e de todos e dando instruções e mais instruções, recomendações, avisos, quase não os deixam ser eles. Eu não lhes faço mal, porém grito-lhes, mas eles não me escutam. Então, tento brincar com eles e lanço um pouco de água. Por vezes, cubro-lhes a cara para os fazer rir, a uns sim, mas a outros faço-os chorar. Os pais ficam logo aflitos e eu também! Pois, penso eu, o ser humano é mesmo estranho!
Mas logo, logo, esqueço este momento e sigo noutra direção, pois vejo os surfistas que me aguardam vestidos a rigor, a maioria de preto, com as suas belas pranchas aguardando as minhas ondas. Sei que esperam os meus famosos tubos, como eles lhes chamam e eu não os quero desiludir. Por isso, clamo a minha força, não a destruidora, mas aquela que eles esperam, e enrolo para eles as minhas águas e deixo que eles se maravilhem bailando como só eles conseguem e que desfrutem desse magnífico espetáculo que só eu e eles conseguimos proporcionar. E eis toda a nossa plenitude, a simbiose perfeita entre o mar e o Homem!
E, assim, vou vivendo, umas vezes ajudando o Homem, dando-lhe felicidade, outras vezes, quando me apercebo das suas injustiças e vejo que ele me está a destruir e que ao destruir-me também se está a destruir a si próprio e nos está a destruir, chamo-lhe a atenção.
Eu, o mar, não suporto ver ninguém, nem mesmo o Homem, a destruir este belo planeta que é de todos e que é a nossa Terra.
Adriana de Matos Pedrosa, nº 1, 9º C
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