O sol acabara de passar
a linha do horizonte e estava um clima abafado, daí a razão de andarmos de
bermudas e camisas de manga curta brancas. Tínhamos acabado de jantar e
dirigíamo-nos para a praia, para um passeio à beira-mar tardio. Sidle estava
ansiosa pelo grande dia e não parava de o dizer. Eu apenas olhava para a sua
cara, completamente alheado da sua conversa e ocasionalmente abria um pouco
mais os olhos e acenava a cabeça para parecer interessado, enquanto admirava a
sua face nívea ligeiramente corada pelo sol intenso do Mediterrâneo e o seu
cabelo ruivo atado por um puxo, formando um rabo-de-cavalo laranja. Sempre
achei interessante o facto de a maioria dos ruivos serem britânicos ou
nórdicos.
Na manhã seguinte, era
o grande dia. Sidle já se encontrava pronta em frente à porta do meu bungalow,
completamente frenética. Finalmente íamos descobrir a desgraça de Winston
Churchill no seu primeiro cargo como chefe do Almirantado Inglês. Por vezes a
sua ousadia saíra-lhe cara e não havia melhor exemplo do que a invasão anfíbia
fracassada de Galipoli, que resultara
na morte de milhares de soldados aliados, perda de embarcações e vitória das
forças da Tríplice Aliança.
Seguimos para o cais e
avistamos umas nuvens não muito grandes, não as podíamos considerar indício de uma
possível tempestade, por isso embarcamos na lancha e seguimos mar adentro. À
medida que avançávamos, o mar escurecia tão rápido como as nuvens. Sidle temia
que a sua expedição aos destroços submersos dos contratorpedeiros e das
embarcações afundadas tivesse de ser cancelada, contudo continuamos a nossa
jornada, não tendo a menor ideia de onde nos íamos meter. O que inicialmente
era uma expedição marítima sobre a primeira Guerra Mundial rapidamente se
tornou numa busca desesperada por costa. Estávamos perdidos.
O combustível já se
encontrava na reserva, os trovões anulavam o ruído do motor e o céu escurecia
cada vez mais, até que finalmente a tempestade rebentou sobre nós. Ondas
enormes e chuva intensa abatiam se sobre a fraca lancha insuflável que
rapidamente se virou. Eventualmente, as ondas levaram-nos a uma ilha
aparentemente desabitada. Estávamos sozinhos e perdidos. Rapidamente as nuvens
desapareceram e o sol voltou a brilhar. Completamente desorientados, concordamos
em entrar na floresta constituída por árvores e plantas semelhantes às da Ilha da
Madeira. Apenas se ouvia o barulho das aves que abundavam naquelas árvores e
voavam para longe a cada passo nosso que sentiam. Até que, no meio do nada, nos
deparamos com um bunker. Ficamos
perplexos com aquilo que víamos. Munidos com uns paus, entrámos, rodámos a
porta até metade e as dobradiças enferrujadas quebraram se, fazendo a porta de
ferro cair pelas escadas que se entranhavam no solo. Um cheiro parecido com
enxofre, pútrido e nauseante pairava no ar. Apesar do cheiro, decidimos entrar
e deparámo-nos com cerca de quatro cadáveres fardados com uniformes do exército
nazi. Reparei que Sidle ficara pálida e chocada mas, ao mesmo tempo,
entusiasmada, pois, apesar da expedição fracassada, tínhamos feito uma
descoberta que compensava. Entretanto com o meu instinto de sobrevivência
comecei a vasculhar o bunker em busca de algum meio de comunicação. Debaixo de
uma camada de pó encontrei um radio VHF e uma
Mauser, a famosa pistola alemã. Enquanto tentava estabelecer contacto com
algum navio nas proximidades via rádio, mexia e tentava ler uns documentos e
papéis que se encontravam em cima da secretária. Sidle chamou por mim:
- David! - exclama com
um tom de interrogação.
Virei-me para ela, que,
eufórica, me comunicava que, depois de analisar demoradamente cada um dos
cadáveres pelos uniformes, chegara a uma estrondosa e fantástica conclusão, o
corpo até então desaparecido do supremo Führer
tinha sido encontrado. Tínhamos feito uma das maiores descobertas do século!
Estávamos surpreendidos a olhar para o nosso achado, quando, por detrás de nós,
o radio começa a emitir sinais de estática e entre isso ouvimos uma voz:
- Daqui fala Capitão da
embarcação Californian, escuto.
Sidle correu para o
rádio e por um mapa que se encontrava em cima da secretária indicou as nossas
coordenadas. Do outro lado apenas se ouvia um som distorcido. Sidle tentou
ajustar a frequência, mas uma faísca e um ruído surgiram de dentro do rádio que
começou em chamas. Com esperanças de que o barco tivesse recebido as nossas
coordenadas, corremos para a praia e já víamos um barco a aproximar-se. Tirei
do meu cinto com suportes para vários acessórios uns binóculos e tentei
observar o barco que se aproximava. Olhei para Sidle e ela olhou para mim de
volta e, surpreendida com a minha expressão facial, perguntou:
- Que foi?
- Não vêm em nosso
socorro, são piratas! Corre para a floresta!- berrei.
Entretanto as balas das
armas semiautomáticas já nos raspavam e corríamos mais do que conseguíamos para
o bunker. Peguei na Mauser e fiquei à escuta. Eles
rapidamente repararam no misterioso edifício pequeno no meio da ilha deserta. O
meu coração batia freneticamente, mas Sidle parecia estranhamente calma, parecia
que os anos de reportagens na Somália a tinham habituado a isto. Ouviu-se um ruído
no topo das escadas, Sidle pegou silenciosamente numa cadeira e eu puxei a
coronha da arma para colocar uma bala na câmara. Tínhamos o elemento surpresa
pois eles não tinham a certeza se nos encontrávamos lá. Então Sidle saiu do seu
esconderijo e atirou a cadeira contra o pirata. De seguida, eu disparei em
cheio no abdómen dele. Estava perplexo, nunca havia disparado uma arma, muito
menos contra uma pessoa. Um ruído agudo tomava conta da minha mente, estava
estático. Sidle gritava para me despertar, o ruido desvanecia-se e voltei a acordar.
Subimos as escadas, desviando nos do corpo do pirata. Como o barulho dos tiros deveria
ter atraído o resto deles, saímos do bunker e escondemo-nos entre a vegetação.
Passaram mesmo à nossa frente e não repararam. Podíamos tê-los apanhado de
surpresa e matado os três, mas escolhemos fugir para a praia e tentar saquear o
barco deles. Saímos de entre os fetos e corremos para a praia. O barulho da
vegetação que agitávamos atraiu a atenção deles e não demorou muito até as balas
começarem a voar sobre nós. Quando chegamos ao barco, constatamos que um deles lá
ficara de vigia. Descarreguei o carregador da arma numa salva de balas sobre
ele e sem perder tempo saltamos para o barco e fugimos dali.
Sidle olhou para mim e,
de seguida, baixou a cabeça, olhando para a sua barriga e afastando a mão que
mantinha sobre a camisa ensanguentada. Estava pálida e desmaiada em cima de mim.
Com uma mão no leme e outra a fazer pressão sobre a ferida, tentei chegar à
civilização o mais rápido possível.
Finalmente, tínhamos
encontrado onde aportar, uma ilha italiana. Sidle recebeu a devida ajuda médica.
Estranhamente os médicos não pediram justificações do ferimento de bala, apenas
se limitaram a trata-la e a receber o dinheiro. Após ter recuperado a consciência,
Sidle disse que devíamos voltar à ilha com ajuda para mostrar a nossa
descoberta, mas tínhamos morto duas pessoas e não sairíamos impunes com isso.
Assim, decidimos manter a descoberta e esta aventura em segredo para sempre.
David
Pires, 9.º B
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