Ouvi o meu telemóvel
tocar e aproximei-me dele rapidamente, vendo a foto do João no meu ecrã.
Atendi, dizendo um simples “Olá”. João reparou que a minha voz estava um pouco
mais melancólica que o normal e perguntou-me:
- Tess, que se passa?
Adorava quando ele me chamava assim e, por
isso, ri um pouco. Respondi-lhe, tentando esconder a mentira na minha voz:
- Nada, estava só com
saudades tuas.
Bem, em parte era verdade. Imaginei-o a sorrir
e a formar as covinhas que tanto adoro. A verdade é que estava atrasada 3
semanas e, realmente, tinha medo, pois, da última vez que tínhamos feito amor,
esquecêramo-nos do preservativo.
- Posso resolver isso
num instante- disse-me e eu ri um pouco para não o preocupar.- Não queres vir
cá? Os meus pais saíram e podíamos aproveitar para estarmos juntos!
Eu queria, mas tinha combinado ir à farmácia com
a Joana comprar o teste de gravidez, por isso respondi-lhe:
- Combinei ir ter com
a Joana, desculpa.
Ouvi-o bufar do outro
lado da linha e ri com a sua reação.
- Está bem, mas amanhã
és toda minha.
- Com certeza.
Ambos rimos e, depois
de falarmos mais um pouco, desliguei, retribuindo o “Amo-te” que ele me tinha dito.
Deitei-me na cama, pensando no que iria fazer.
Como é que me fui
meter nisto? Devia ter-me lembrado de colocar o preservativo. Calma, Teresa…
pode ser apenas um atraso, ainda não tens certeza de nada. Uma reduzida
esperança percorreu o meu corpo, mas o meu subconsciente, tão bom que é,
relembrou-me logo que eu não tinha atrasos na menstruação. Desde os meus 13
anos que fui certa e não era agora, aos 16 anos, que isso iria mudar. E se ele
não quiser o bebé? O João sempre adorara bebés, mas acho que nenhum de nós estava
pronto para ser pai ou mãe. Eu tenho apenas 16 e ele 17 anos! E os meus pais? O
que irão dizer?!
Os meus pensamentos
foram interrompidos pela porta a bater. Gritei um “entre” e vi a Joana furiosa.
Olhei para as horas e reparei que estava atrasada. Muito atrasada. Tinha combinado com ela às 15h da tarde e eram já 15h20.
- Desculpa. Desculpa. Desculpa. Desculpa. –
repeti, tentando acalmá-la – Eu sei que estou atrasada, mas perdi-me no tempo…
estive só a pensar no que pode acontecer se… se… – não conseguia dizer a
palavra e, por isso, escondi a minha cara com as minhas mãos.
A Joana correu,
literalmente, para mim, abraçando-me logo de seguida. As lágrimas ameaçavam
mostrar-se, porém fiz um esforço para que elas continuassem no devido lugar.
- Não estás grávida,
tem calma. – Joana tentou animar-me, mas era tarde de mais. Já estava a chorar
compulsivamente.
Molhei a camisola toda da Joana, mas ela não pareceu
importar-se. Quando finalmente parei de chorar, corri até à casa de banho para
vomitar. Isto era mau, muito mau. Mudanças de humor repentinas e enjoos... Alguns
dos sintomas para determinar se há gravidez. Saí da casa de banho e dei um
sorriso mínimo à Joana.
- Vamos? –
perguntei-lhe, querendo despachar este assunto
- Já lá fui e já comprei
o teste –disse ela, mostrando-o na sua pequena mão.
Voltei a sorrir-lhe
fracamente e agradeci-lhe. Ambas nos dirigimos para a casa de banho e ela
deu-me o teste. Como já tinha urinado para um pequeno frasco, apenas coloquei o
teste lá, como vinha nas instruções. Não queria olhar e por isso virei a cara.
- Tem calma, Tess. Vai
correr tudo b… – Joana parou de falar e, num impulso, olhei para o teste.
Estava grávida! Há 2
semanas.
E o meu mundo caiu.
Uma dor horripilante e
medrosa percorreu todo o meu corpo. Olhei para a minha barriga e, por uma razão
desconhecida por mim, coloquei a minha mão sobre a mesma. Subitamente, ganhei
um ódio incondicional pelo bebé que se encontrava dentro de mim. Olhei para
Joana, que já tinha lágrimas nos olhos. Como eu odiava vê-la a chorar!
- Não te preocupes,
Joana. Eu vou ficar bem. – disse-lhe, tentado sorrir ao máximo – Eu vou
abortar. Eu tenho de o fazer. Não existe uma outra opção.
- Não! Vais destruir a
vida de um bebé que não teve culpa nenhuma! – disse ela, gritando na minha
cara.
- E a minha vida?!
Esta coisa vai arruiná-la para sempre! Como achas que vou ficar quando ouvir os
comentários de toda a gente?! E a minha mãe?! Como achas que ela vai reagir?!
Eu tenho que abortar, é a única solução.
- Não. Não vou deixar
que o faças. É errado.
- Errado foi o que fiz
sem tomar precauções, e agora preciso me livrar desta consequência! Isto vai
arruinar-me. – disse eu chorando.
Joana saiu do meu
quarto a correr, possivelmente devido a já não aguentar mais as lágrimas nos seus
olhos. Queria gritar-lhe para que ficasse comigo, mas não tinha forças para o
fazer. O meu corpo caiu no chão e, nesse momento, senti que estava, lentamente,
a cair do precipício ao qual chamamos vida. As lágrimas caiam-me dos olhos como
um rio e eu não sabia o que fazer para acabar com toda esta dor.
Quando finalmente
parei de chorar e clareei as minhas ideias, decidi ir a casa de João. Ele tinha
o direito de saber. Afinal, ele era o pai. Imaginei uma rapariga que estava
grávida, mas que não sabia quem era o pai do bebé. Dei por mim a rir, com este
pensamento. “És tão idiota, Tess”, pensei
para mim mesma.
Cheguei a casa de João
e bati à porta. Ele abriu-a rapidamente, abraçando-me logo de seguida.
Normalmente, ele beijava-me antes de me abraçar, mas desta vez foi diferente. “O teu aspeto, Tess” disse-me uma vozinha
na minha cabeça. Claro. Devia estar com um aspeto horrível, os meus olhos
estavam inchados e vermelhos de tanto chorar e, logo que ele reparou, fez o que
sempre fazia, abraçou-me e sussurrou-me que me amava.
Não queria romper este
abraço, mas tinha de o fazer. Tinha de olhar para os seus olhos verdes e encará-lo.
- Que se passa, amor?
– perguntou.
Ao ouvir a sua voz,
sorri. Era impossível olhar para ele e não sorrir, mesmo com esta dor no meu peito.
Entrámos, sem eu dizer
nada, e subimos até ao 2º andar. Quando já nos encontrávamos no seu quarto, ele
olhou-me com preocupação.
Nunca fui boa a
exprimir o que sinto, por isso fui direta ao assunto. Sim, eu sei que as coisas
não são assim, mas como é que digo ao rapaz que amo que estou grávida dele?
- Estou grávida. –
afirmei sem pensar duas vezes.
A sua boca formou um
autêntico ‘o’ e os seus olhos arregalaram-se perante tal surpresa.
Agora que penso bem,
talvez tenha sido má ideia! Quer dizer, a dor que eu estava a sentir deve estar
agora a duplicar-se e a apoderar-se dele. Fui surpreendida pelo seu sorriso,
assim que ele percebeu as minhas palavras. Abraçou-me novamente e beijou-me.
- Não estás
preocupado? – perguntei com medo da sua resposta.
- Não, de todo! –
disse, mostrando um entusiasmo que me surpreendeu ainda mais, fazendo-me
arregalar mais os olhos. - Eu amo-te, Tess, e quero ter uma vida contigo. Quero
um filho teu. Quero ser feliz a teu lado.
Voltou a beijar-me,
mas desta vez libertei-me dele, pedindo-lhe para parar.
- Vou abortar. –
disse, tentando acabar com o seu entusiasmo.
- O quê?! Não. Não
podes sequer estar a pensar nisso! – o seu tom de voz aumentou gradualmente o
que me fez encolher um pouco.
- Que queres que faça?
– perguntei-lhe, abrindo-me um pouco, para não mostrar quão receosa estava.
- Que venhas viver
comigo, que te cases comigo, que tenhas o bebé comigo a segurar-te na mão.
Quero-te a ti. O meu sonho está finalmente a tornar-se realidade e eu não vou
desistir dele! – exclamou, convicto.
- Eu também quero
isso, mas não agora. Não vou ter um bebé aos 16 anos. Não me podes obrigar a
tê-lo. – afirmei, contendo as lágrimas que ameaçavam mostrar-se ao mundo. – Não
agora. Desculpa, mas não posso.
- Não podes, como?
Tess, por favor. Se não o fazes por ele… – disse, tocando na minha barriga o que me
provocou vários arrepios agradáveis - … fá-lo por mim. Tem esse bebé por mim.
Por favor, Tess. Eu quero ser pai, quero ser o pai desse filho. Por favor.
As suas palavras
entraram na minha cabeça, fazendo-me hesitar, mas não mudar a minha decisão.
- João, eu… - já não
sabia o que dizer, estava sem forças – eu… eu… eu amo-te, mas… mas eu não
consigo. Desculpa. – finalizei, mordendo o meu lábio inferior.
- Não consegues, como?
- Não consigo.
Simplesmente não consigo. – insisti.
- Mas porquê?
- Porque não! – e dito
isto comecei a chorar.
- Calma, Tess. –
disse, abraçando-me – Estás de quanto tempo?
- Duas semanas, acho.
– informei entre soluços devido ao choro.
- Ainda temos oito
semanas para decidir o que vamos fazer. Se quiseres abortar tem de ser nas
primeiras dez semanas.
Como é que ele sabia
tanto sobre isto? Não sei, mas também não me interessava. Questionei-me a mim
própria se ele já tinha planeado um bebé comigo e que, por isso, tinha
pesquisado algumas coisas na internet, mas logo voltei à realidade, sabendo que
isso era um completo absurdo.
O abraço, que ele estava
a prolongar cada vez mais, acalmou-me e, quando deixei de chorar, ele largou-me,
deixando-me a pedir por mais. Beijamo-nos uma e outra vez, até que o meu telemóvel
tocou. Olhei para o visor e vi que era a minha mãe. Atendi e ela disse-me para
vir para casa, pois era hora de jantar. Menti-lhe, dizendo que iria dormir a
casa da Joana e ela não me impediu, fazendo-me sorrir um pouco.
- Vou ter companhia
esta noite, não vou? – João perguntou, adivinhando já o meu plano.
- Vês como sabes. –
disse-lhe com um dos meus maiores sorrisos. O seu sorriso fez com que toda a
dor desaparecesse, fez com que me sentisse viva, fez com que eu me esquecesse
de todos os meus problemas, fez com que eu me sentisse feliz.
Voltei à realidade
quando a sua mãe bateu à porta e ele gritou um “entre”. Sorriu quando nos viu.
Eu estava sentada e ele encontrava-se deitado nas minhas pernas.
- Eu e o teu pai vamos
a um jantar e voltamos tarde. Tenham juízo.
Dito isto fechou a
porta, deixando-nos com a casa só para nós. Um sorriso malicioso apareceu no
rosto de João, o que me fez rir um pouco.
- Tenho fome. – disse,
depois de ouvir o meu estômago a roncar.
- Exato, agora tens de
comer por dois. – comentou, fazendo-me rir um pouco.
Ele desceu e fez o
jantar, enquanto eu fiquei deitada na sua cama, à sua espera.
Para ser sincera, eu
estava confusa. Não sabia se havia de abortar ou ter o filho com ele. Decidi
fazer uma lista de prós e contras. Dirigi-me até ao escritório e peguei numa
folha e numa caneta, indo por fim até à cozinha. Assim que o João me viu, um
sorriso iluminou a sua cara.
- Vamos fazer uma
lista de prós e contras, ok?
- Às vezes, tens boas
ideias! – exclamou, pondo a língua ligeiramente de fora
Sentei-me na mesa da
cozinha e tracei um risco a meio da folha, escrevendo “prós” e “contras”, um de
cada lado.
- Primeiro os
“contras” – disse-lhe.
- Nada. Não vejo
nenhuns. – referiu ele depois de fingir estar a pensar
Revirei os olhos perante
a sua afirmação e comecei a nomear alguns dos problemas que iria ter se
quisesse continuar com a gravidez:
- Demasiado nova;
comentários de toda a gente; o meu corpo vai mudar; não vou poder ir para a
faculdade; não vou poder sair à noite; a reacção dos nossos pais vai ser má; as
dores do parto; o meu organismo não está preparado para que o bebé cresça
saudável …
Mas logo parei, farta
de ouvir o João a bufar sempre que eu dizia alguma coisa.
Ele chegou-se ao pé de
mim e retirou-me a caneta da mão.
- A idade é só um
número – disse, riscando o primeiro ‘contra’.– As outras pessoas não interessam,
apenas eu, tu e o bebé. – continuou, riscando agora o segundo ‘contra’ e
dando-me um beijo na testa.
Para todos os
‘contras’, ele arranjava uma solução e riscava o que tinha escrito, o que me
deixou ligeiramente irritada. Ele disse que eu poderia ir para a faculdade,
pois iria contratar uma baby-sitter para o bebé (os pais dele eram ricos); que,
para sairmos à noite, poderíamos pedir aos meus pais ou, então, aos dele; que a
reação dos nossos pais iria ser má, mas que no final iriam apoiar-nos; que as
dores iriam diminuir, pois ele iria estar sempre ao meu lado; que se fizesse
uma alimentação saudável e recomendada pelo médico, tudo correria bem. E, para
finalizar, disse que me ia apoiar em tudo. E, com isto, já não existiam “contras”
e o único “prós” que encontrava era o facto de que o bebé iria fortalecer a nossa
relação.
Finalmente a comida
estava pronta e, como é óbvio, comi até não conseguir mais. Ele era um bom
cozinheiro e eu gostava bastante dessa qualidade dele, pois, apesar de nunca o
admitir, não sei cozinhar.
Jogámos playstation e, para variar, ganhei.
Pulei de alegria e, para minha surpresa, ele puxou-me para si e beijou-me a
barriga. Gostei do seu pequeno, mas perfeito, gesto e, por isso, sorri. Sorri,
como se quisesse aquele bebé, como se eu sentisse necessidade de o proteger, de
o amar. Eu queria ter uma vida com o João, e porque não agora? Sim, somos novos
e tudo mais, mas sempre ouvi dizer que “a vida são dois dias”. Sim, talvez não
se aplique a este contexto, mas que interessa? O João tinha razão. Eu ia ter
este bebé, custasse o que custasse. Instantaneamente, rodeei a minha ainda
pequena barriga com os meus braços, gesto que fez com que João sorrisse.
Depois de algumas
brincadeiras fomos para o seu quarto e, depois de vestir uma t-shirt sua,
adormeci nos seus braços.
Acordei com os raios
de sol a entrarem pela janela. Virei-me para o João e viu-o a olhar para mim
com o sorriso que eu tanto amava.
- Bom dia, princesa. –
saudou-me, rindo ainda mais por eu ter beijado as suas covinhas.
- Bom dia, amor. –
retribui, dando-lhe um beijo logo de seguida.
Ele levantou-se, mas
eu continuei na cama cheia de preguiça. Observei-o a tirar a sua roupa e
dirigir-se à casa de banho para tomar um duche rápido. Quando ele voltou, ainda
estava na cama, o que fez com que ele me puxasse para eu me levantar. Fui tomar
um duche rápido, vesti-me e, quando dei por isso, tinha o pequeno-almoço na
cama. Ri um pouco e juntei-me a ele que já estava a comer panquecas.
Anunciei-lhe que queria ter o bebé e ele pulou de alegria, beijando-me várias
vezes seguidas. Decidimos que naquele dia iríamos a um médico verificar se eu
me encontrava mesmo grávida.
E assim aconteceu, durante
a tarde fomos ao hospital e, segundo o médico, eu encontrava-me grávida já de 3
semanas. Decidimos contar imediatamente aos nossos pais. Apesar de estar cheia
de medo, tinha de lhes dizer.
Foi difícil dizê-lo à
minha mãe, mas, entre muitas lágrimas e gritos, ela acabou por aceitar o bebé e
até disse que na consulta seguinte queria ir também. Sorri-lhe francamente e depois
dirigimo-nos para a casa do João. A reação dos seus pais foi bastante parecida
com a dos meus, por isso já sabíamos, à partida, o que haveríamos de dizer ou
fazer.
E de repente, a dor
tinha desaparecido e dado lugar a uma felicidade inexplicável. Eu amava o meu
filho. Amava-o como se fosse a única pessoa do mundo. E ainda nem sequer o
tinha visto ou sentido.
Senti-me obrigada a ir
ter com Joana e, quando lhe contei, ela pulou de felicidade e até chorou!
E assim se passaram 3
meses. Era a altura de fazer a primeira ecografia, a das doze semanas, e eu não
podia estar mais preparada do que isto. Assim que vi o meu bebé pela primeira
vez, uma sensação magnífica até aí desconhecida por mim percorreu o meu corpo e
eu não conseguia parar de sorrir. O João agarrava-me a mão e eu estava
realmente feliz por isso. Já tínhamos planeado a nossa vida juntos. Iríamos
viver para o centro da cidade num pequeno apartamento e, sempre que
precisássemos, deixávamos o bebé em casa dos meus pais ou dos dele, pois ficávamos
relativamente perto. Ele iria trabalhar com o seu pai na empresa da família e
iríamos ganhar o nosso próprio dinheiro. O casamento ficou agendado para dali a
dois anos, quando eu já estivesse na universidade e quando o bebé já andasse. Tudo
era perfeito!
Na segunda ecografia,
descobrimos que o bebé era um rapaz e decidimos dar-lhe o nome de Lucas. Todas
as outras ecografias correram bem e o Lucas estava bem e saudável. Continuava
tudo perfeito!
O parto correu bem. O
João esteve lá para me apoiar e os médicos foram profissionais. Estava a ser
tudo perfeito!
Depois do nascimento, fizemos
a mudança e vivíamos felizes na nossa pequena, mas confortável e acolhedora
casa. Passámos pelo período em que os dentes do nosso pequeno Lucas começavam a
nascer, um período de noites em claro, juntos. E a perfeição reinava a minha vida.
O casamento foi tal e
qual como eu tinha sonhado. Eu estava agora na universidade, mas, para dar mais
atenção ao Lucas, estava a tirar o Curso de Humanidades pela internet e tinha
aulas durante as horas em que ele dormia. Era um bocado difícil, pois a matéria
era cada vez mais e eu já não tinha tempo para tudo. Ainda assim, continuava
tudo perfeito!
O tempo ia passando: o
meu filho já andava sozinho; eu continuava com os meus estudos; o João
continuava a trabalhar e a ganhar dinheiro. Tínhamos alguns problemas
financeiros, mas nada de preocupante. Porém, já nem tudo era perfeito, e eu começava a perceber que a perfeição não existia.
Um dia, estávamos em nossa
casa a dormir e o Lucas não parava de chorar. Já me tinha levantado 3 vezes e
já estava farta de ser apenas eu a levantar-me.
- Vai lá tu, ainda não
foste nenhuma vez hoje – disse-lhe, meia ensonada.
- Mas por que raio tem
ele de chorar tanto? – perguntou-me com irritação presente na sua voz.
- Ou são os pesadelos
ou está com cólicas. – informei-o.
Ele reclamou baixinho,
mas acabou por ir acalmá-lo. Quando voltou, murmurou que já estava farto disto,
o que foi equivalente a ter-me dado uma estalada. A dor alastrou-se quando ele
se virou de costas para mim, em vez de me abraçar, como costumava fazer.
Ele tinha mudado muito,
já não era o mesmo rapaz que me costumava amar. Agora, ele andava distante, como
se não quisesse saber de mim, como se não me amasse, como se não amasse o nosso
filho, como se quisesse mudar de vida. E isso estava a matar-me psicologicamente.
O Lucas chorou mais 2
vezes e, só mesmo para não variar, fui eu que me levantei e o fui acalmar. Eu
amava o meu filho, mas isto já cansava. Quando decidi não abortar, eu pensava
que o João me ia ajudar em tudo, ele próprio o disse. Mas enganei-me!
Ultimamente, saía todos os dias à noite e só regressava bastante tarde, o que me incomodava
profundamente. Porém não lhe dizia nada por uma questão de orgulho e de medo.
Os dias passavam e a
rotina tornava-se desgastante: acordava, o João fazia o pequeno-‑almoço para
mim e para ele e eu fazia o do Lucas, o João ia trabalhar, eu ficava a tomar
conta do Lucas e chorava quando ele dormia (com o tempo vim a descobrir que ser
uma mãe adolescente não era tão fácil como parecia), dava de comer ao Lucas (o
meu jeito para a culinária não melhorara e, por isso, o João deixava sempre
algo que eu pudesse aproveitar), tinha aulas durante a tarde, o João chegava e
fazia o jantar (a única refeição que tenho comido ultimamente), via o João a sair
de casa às vinte e uma horas e a
regressar às duas da manhã do dia seguinte com a desculpa de ir trabalhar mais
um pouco, esperava por ele e deitávamo-nos os dois já sem dizer “amo-te” um ao
outro.
Aquele dia não fora
exceção. Houve apenas uma diferença: o João não me deu um beijo antes de sair
de casa, nem me disse adeus, nem nada parecido. A nossa relação estava cada vez
pior. Pensava que, ao ter o bebé, nunca mais me iria separar dele. Pensava,
pois…
Já passavam das três
da manhã e o João ainda não tinha aparecido em casa. Isto não podia continuar, simplesmente
não podia. Liguei à minha mãe, que estava a par da situação, e pedi-lhe para
ela vir buscar o Lucas e ficar com ele no dia seguinte. Passados 10 minutos, a
minha mãe chegou e levou o bebé. Peguei nas chaves do carro e dirigi-me ao
escritório onde João trabalhava, conduzindo o mais rápido que me era permitido.
Como eu calculava, ele não estava lá. “É claro
que ele não está cá.” O meu subconsciente disse-me, fazendo-me perceber o
óbvio. Dirigi-me para o café da zona e entrei. E mais uma vez acertei, ele
estava lá. A beijar outra rapariga!
Os meus olhos
encheram-se de lágrimas, mas contive-as, já que toda a gente se encontrava a
olhar para mim. O olhar dele dizia-me tudo. Ele não queria saber. E o sorriso
dele deu-me a confirmação de que ele se encontrava bêbado.
Como é que ele foi
capaz de fazer aquilo?! Ele prometeu, caramba! Prometeu que iria ficar comigo,
prometeu que iríamos ficar juntos para sempre! Como é que uma pessoa consegue
esquecer uma promessa assim tão facilmente?! Ele disse que me amava! Como é que
alguém pode dizer isso, sem o sentir?! Já passáramos por tanto e à mínima
dificuldade ele desistia?! Quer dizer, eu sei que não é mínima, mas o pior já
passara e ele desistia depois de termos conseguido tudo isto?! Não compreendia.
Se ele não me amava agora, nunca me amara…E isso doía, doía saber que tudo não
passara de mentiras…
Queria ir até ele e
gritar-lhe na cara tudo o que estava a pensar, mas não conseguia. O meu corpo
parecia colado ao chão e, se eu não conseguisse chegar até ele, iria gritar-lhe
tudo ali, sem me preocupar com as pessoas à nossa volta. Abri a minha boca para
poder falar, mas nenhum som saiu. Sentia-me perdida e não sabia o que fazer,
por isso fugi, tentando livrar-me daquele mar de dor, no qual me estava a
afogar cada vez mais.
Assim que cheguei a
casa, desabei e deitei fora tudo o que estava a guardar desde que os tinha
visto a beijarem-se. Os olhos ardiam-me e, na minha garganta, formava-se um nó
que eu era incapaz de desfazer. Fui deitar-me, mas antes fechei todas as
portas. Esperava que ele tivesse a decência de não voltar, pelo menos durante
uns tempos. Flashbacks passavam pela
minha cabeça, fazendo a dor aumentar. Claro que a noite foi passada em claro.
No dia seguinte,
mandei uma mensagem à minha mãe a pedir para ficar com o Lucas durante um tempo
e ela não se importou, claro. Telefonei ao advogado da minha família e pedi-lhe
que viesse até minha casa, pois não estava com disposição para ir ao seu
escritório que ficava do outro lado da cidade. Quando ele chegou, falei-lhe que
queria o divórcio e ele disse-me que em dois dias, no máximo, os papéis
estariam prontos e que bastava eu e o João assinarmos. O único problema era o
Lucas! Teríamos de ir a tribunal para decidir quem iria ficar com a sua guarda.
Tinha que ser minha. O Lucas era tudo o que tinha e não estava disposta a
perdê-lo.
E os dias foram
passando, até já ter passado uma semana desde o acontecimento que eu preferia
não recordar. Já tinha os papéis do divórcio e estava apenas à espera que o
João viesse cá a casa. Visitava o Lucas em casa da minha mãe, mas ainda não
estava estável o suficiente para cuidar dele sozinha.
Tinha adormecido no
sofá e acordei com alguém a bater à porta. O meu aspeto estava horrível, mas
ignorei isso e fui abrir a porta.
Era ele. Ele estava à
minha frente com preocupação no seu olhar. “Ai,
agora é que estás preocupado?”
- João…– a minha voz
estava um pouco trémula, mas tendo em conta tudo, acho que era normal.
- Teresa. – chamou,
seguro de si próprio.
Ele nunca me chamava
assim, era sempre “Tess”. Isso é mau, muito mau.
Ele tentou entrar
dentro de casa, mas eu não deixei. Não sabia o que lhe dizer, por isso
limitei-me a olhar para os seus olhos verdes.
- Nós precisamos de
falar. – disse, quebrando o silêncio que cada vez se tornava mais
constrangedor.
- Não quero falar
sobre o que vi, mas sim do nosso
futuro. Entra. – disse-lhe, com o objectivo de o fazer assinar os papéis.
Ainda se encontrava
tudo na mesa da cozinha, por isso apenas me dirigi até lá, ouvindo os seus
passos atrás de mim.
- Quero o divórcio.
- O quê? – ele
levantou ligeiramente o tom de voz.
- Ouviste bem. Agora
assina aqui. – disse apontando para o espaço que o advogado me tinha indicado –
Vais ficar com metade dos pertences, tal como eu. Se não concordares, telefono
ao meu advogado e podemos negociar.
- Não vou assinar
isso, Tess.
- Tu o quê?
- Não vou assinar. (“
Tinhas de ser assim tão teimoso?!”) –
Não antes de falarmos sobre ‘nós’.
- Não existe um ‘nós’,
existes tu e existo eu, pessoas que já não têm nada a haver uma com a outra. –
o seu olhar encontrava-se na minha mão. – O que foi? Pensavas que te ia perdoar
e simplesmente esquecer o que vi e senti?!
- O teu anel? – perguntou, ignorando a minha pergunta
retórica.
- Ahh? – fiz-me de
desentendida.
- A tua aliança. Está
onde?
- No lixo.
Na verdade, estava
apenas na sua almofada, para que eu tivesse algo que me lembrasse sempre dele,
mas não me ia mostrar fraca.
Olhei para a sua mão e
a aliança continuava no seu dedo, o que me surpreendeu. Observei-o a assinar os
papéis e a retirar a sua aliança violentamente, colocando-a em cima da mesa.
- Podes afastar-te de
mim, mas o Lucas vai ser meu. – e dito isto dirigiu-se até à saída, pegando,
pelo caminho, o saco que continha toda a sua roupa.
Assim que ouvi a porta
bater, perdi todas as forças e as lágrimas que estava a conter mostraram-se
agora desesperadamente. Fui tomar um banho e decidi ir fazer uma visita ao
Lucas, já estava com demasiadas saudades dele. Achei que estava pronta para o
trazer para casa, o que me fez querer acelerar um pouco mais.
Quando o Lucas me viu
correu logo para mim, abri os braços e girei-o no ar, fazendo-o rir.
- Olá, meu amor. –
disse-lhe docemente.
Pousei-o no chão,
deixando-o continuar a brincar, e fui falar com a minha mãe. Contei-lhe o que
era necessário e ela apoiou-me no divórcio e disse-me que o João nunca iria
conseguir tirar o Lucas de mim, pois eu era a mãe. A minha mãe disse que era
melhor irmos viver para lá por causa da comida. Eu sei que não sou boa na
cozinha, mas sei desenrascar-me! Acabei por aceitar, pois assim iria ter ajuda
em tudo. Voltei à minha antiga casa e arrumei tudo o que era meu, pondo todo o
tipo de coisas no carro. Depois, mandei uma mensagem ao João a dizer “Fui-me
embora da que era a nossa casa, podes voltar lá, porque eu nunca mais lá volto.”
Ele não respondeu, mas também não me importei com isso.
Era incrível como eu e
o João tínhamos namorado 3 anos, mas estivemos apenas casados um ano.
Realmente, a vida dá muitas voltas.
Os meses seguintes
foram passados em tribunais para resolvermos a questão da guarda do Lucas. Já
estávamos no tribunal e quem estava a depor era o João. Ele dizia que tinha
melhores condições económicas para tratar do Lucas e a raiva crescia demasiado
rápida dentro de mim.
Quando fui eu a depor,
falei sobre o amor, sobre o carinho que uma mãe pode dar. Falei o quanto amava
o meu bebé, como eram as nossas brincadeiras, falei de tudo o que me veio à
cabeça. Eu sabia que não era suposto fazer isso, mas se não o fizesse as
hipóteses de ficar com a custódia de Lucas seriam reduzidas e isso não podia,
de maneira alguma, acontecer. Falei da primeira vez que o levei a passear no
parque, da maneira como ele ria ao ouvir os pássaros a cantar, de como ele
largava sempre os balões, e da sua primeira palavra: “mamã”. Todos ficaram
bastante comovidos ao ouvir isto, exceto o juiz que parecia querer
despachar-se. Bem, não era o único.
Já nos encontrávamos
todos sentados nos devidos lugares, quando o juiz anunciou:
- A guarda da criança
é entregue à mãe. O pai irá ficar com a criança de 15 em 15 dias, aos
fins-de-semana e poderá estar com ela sempre que a mãe o permitir. Caso
encerrado. – o martelo soou.
Eu, Teresa Martins,
com apenas 18 anos de vida, tenho um filho com apenas ano e meio e sou uma mãe
feliz.
Beatriz
Duarte, nº 7, 8º Ano, Turma B
3ª
Ciclo – Género Narrativo
Nota:
Conto produzido na
temática da “Saúde”.
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