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terça-feira, 7 de agosto de 2018

A Química do Amor, a Matemática da Vida!

Tudo aconteceu de forma abrupta e inesperada. Tinha quinze anos e era muito feliz.
Até essa idade vivi despreocupadamente e, embora com regras, algumas que considerava serem muito exigentes, adorava a minha vida.
A minha mãe, uma advogada de sucesso era a mais amorosa e querida das mães. O meu pai, engenheiro civil, geria uma empresa de construção que ia de vento em popa, como os ouvia dizer, e era o mais carinhoso e brincalhão dos pais. O casamento deles era um misto de alegria e ternura. Reinava o amor.
- Une-nos a química: a química do amor! - diziam a sorrir.
O nosso mundo desabou num dia torneado pelo mais profundo nevoeiro, que trouxe a escuridão, o sofrimento e a infelicidade às nossas vidas. A incompreensível e eterna partida do meu pai deixou todos envoltos em desgosto. Foi o primeiro momento verdadeiramente doloroso da minha vida.
Os meus avós, pais do meu pai, vieram, lacrimejantes, despedir-se dele. Nesse dia, senti o que sempre soubera, que ele fora um homem muito querido. Amigos e desconhecidos desfilaram perante nós, enchendo aquela fria casa onde ele se encontrava, de palavras vãs, de flores e de cartões.
A minha mãe deixou-se deslizar para o abismo do desgosto, perdendo-se num profundo coma depressivo. Esqueceu-se do mundo e permaneceu num mutismo devastador.
Nesse momento desejou que o meu pai a tivesse levado nessa viagem sem retorno, pois viajava pelo silêncio dos dias, num lento deambular pela vida e completamente esquecida de mim.
Na minha tenra idade ninguém está preparado para perder o pai. Quanto mais perder a mãe presente!
Todos os dias, eu via o seu olhar distante a vaguear pelo infinito. A cada instante, eu via que se afastava para bem longe de mim. Em cada desvario seu, eu sentia a dor autoinfligida e era essa dor gritante que a levava para um mundo de apatia e silêncio. Era esse mundo que cominava o meu frágil ser. Não era violência física, pois essa decerto que não seria tão dolorosa, era a letargia do seu olhar, era o desprezo a que, diariamente, me submetia. E, eu… eu apenas lhe pedia para voltar a ser a minha mãe. Eu apenas queria dela, amor.
Lembrei-me da antiga máxima de quando o meu pai ainda povoava este mundo, e que os fazia felizes, que fazia resplandecer o meu mundo de então: a química do amor!
A química do amor tinha de ser a solução para mim e para a minha mãe. Tinha de encontrar a sua fórmula para a fazer renascer. Para fazê-la sorrir outra vez. Era um sonho, o meu sonho e eu pretendia agarrar nele e torná-lo uma realidade, para mim e para a minha mãe. Para a minha frágil, mas já sofrida existência essa foi, infelizmente, uma realidade utópica.
Cada amanhecer, solitário e triste, via no vermelho intenso do Sol o renascer de uma nova chama, de uma nova esperança. Mas, todos os dias vagueava ao sabor do vento, qual flor selvagem que atira com a sua beleza na paisagem, mas rapidamente é esquecida.
Eu estava sincronizada com o meu coração amordaçado pela perda e queria tornar amnésias as enegrecidas lembranças, mas estas teimavam em investir contra o meu eu, numa presença constante, intolerável e maleficente. E, essa dor excruciante bem definida e sentida, parecia-me definitiva.
Assim estava eu.
Eu, uma pobre e inocente criança que apenas queria o carinho da sua mãe de volta, o seu amor. O amor de mãe.
Quando me lembrei dessa química, quis estudar e ver se conseguia a tal fórmula e foram incansáveis viagens no mundo da Internet em busca dela, tantas as folhas gastas, tantas as palavras lidas, os livros que gastei, as páginas percorridas, as experiências e mais experiências feitas, mas nada me conduzia ao sucesso!
Inaugurei a minha pesquisa pela fórmula mais simples, mas mais importante. Tinha de ser a solução, já que a água é a solução da vida. Essa mágica fórmula, H2O, levou-me ao Hidrogénio e ao Oxigénio. Num ápice descobri que não chegava e fui mais longe e vi as suas proporções, onde os elementos se combinam : eu e a minha mãe juntas, como os dois átomos de Hidrogénio e aquele átomo de Oxigénio. Resultou! Com os átomos, connosco, não!
Socorri-me da Lei de Charles e Gay Lussac, para promover o calor do amor, uma vez que o volume de uma quantidade constante de gás, sob pressão também constante, aumenta com o aumento da temperatura:
  Em vão, pois não consegui que o meu imenso calor a despertasse da intolerante dormência.
Sem qualquer efeito, fiz reações químicas, tentando trazer a nossa casa antigas amigas da minha mãe, tais substâncias que se combinam para formar uma nova substância N2(g)+3H2(g) è2NH3(g).
Estava certa que a solução estava na química e lembrei-me da “Regra dos Abraços”!…
“Abracei” os meus mais belos pensamentos e juntei-os a todo o amor que sentia pela minha mãe. Todavia, não foi como adicionar o ião de amónio NH4+, ao ião de fosfato PO43- para chegar ao fosfato de amónio: (NH4)3PO4, embora o resultado fosse o mesmo: um composto altamente instável. Conquanto os dois fossem excelentes para pesquisas científicas, no nosso caso, talvez fosse um bom motivo de estudo para psiquiatras, mas seria só isso e nada mais, pois esses encontros apenas serviram para levar a minha mãe a cair num fosso cada vez mais fundo.
Investi tempo e mais tempo na busca da tão desejada fórmula química, que a fizesse voltar para mim e a afastasse desse seu mundo de abandono e ruína, mas cheguei à conclusão que, fizesse eu o que fizesse, os resultados seriam sempre afetados por um qualquer erro, já que todas as medidas experimentais apresentam erros, como me ensinou a química. Eu necessitava de compreender esses erros. Trataram-se de erros sistemáticos, que sabia poder eliminar evitando o que os originavam, usei fórmulas e mais fórmulas sobre essas incertezas: 
E, finalmente, compreendi que o pior de tudo estava nos erros acidentais, que não podia controlar. Foi essa imprevisibilidade que afetou as minhas medições. Foi essa mesma imprevisibilidade que não deixou o amor da minha mãe fluir.
Eu, tal janela a que é arremessada uma pedra, quebrei muitas vezes e tantas outras me ergui e lutei. A ânsia de chegar a bom porto levou-me quase ao desespero, mas, tal criança que nos seus primeiros passos cai e volta a erguer-se, eu caía e levantava-me. Contudo, tardava o meu andar.
Eu não conseguia encontrar a solução para o meu dilema. Nada resultava! O meu problema subsistia e não conseguia chegar à tal química do amor.
Tentei, por fim, a Teoria do Big Bang, podia resultar já que resultara na formação do Universo. Mas, não resultou no amor.
O monólogo que diariamente travava com a minha mãe batia na parede da indiferença. Os seus vidrados olhos, não me viam. As minhas palavras ecoavam no vazio da sua alma e eu sentia-me perdida. Compreendi que todas as palavras usadas, nessa incessante batalha, acabavam gastas pelo tempo.
Um dia, em que as forças me abandonavam e a debilidade da tristeza se aportava em mim, senti que o abandono me estava destinado. Senti o inevitável sofrimento e o poder da desistência a apoderar-se de mim. Nesse dia, em que a energia que cuidava do meu cansado ser viajava para mais longe que a minha vontade, ouvi-a chamar-me.
Corri desalmada até onde ela se encontrava e, ao final de um infinito tempo, vi luz ténue, mas luz, no seu baço olhar. A esperança que a resiliência vagante estava a afugentar, voltou mais forte que o pensamento.
Aqueles fragilizados braços estenderam-se cansados e aguardaram pelo meu também frágil corpo e ouvi o sussurrar de um sentido perdão.
Queria falar-lhe, mas as palavras baralhavam-se e o riso descuidado brotava nervoso por entre lágrimas. Naquele momento despertaram-me sentimentos esquecidos pelo torpor da vida. Lembranças do que tinha sido e do que iria ser.
O tempo passado tinha sido dolorosamente longo. Um caminho de reaprendizagem constante. Valeu a pena a longa espera. Valeu pelo Hoje que vivemos.
Sem ti, querida mãe, eu sentir-me-ia incomensuravelmente paupérrima.
Compreendi, por fim, que a química do amor não se baseia em fórmulas químicas ou matemáticas. Afinal, a ciência do amor não é exata mesmo no lugar mais ínfimo do mundo.

Hoje, consigo libertar da minha memória esse tempo reprimido, triste e dolorosamente só e permito que, finalmente, se desprendam de mim essas penosas lembranças e liberto-me também a mim dessa incansável procura pela química do amor e confio na beleza pura da matemática da vida!
Adriana de Matos Pedrosa, n.º 2, 12.º Ano, turma D, Escola Básica e Secundária de Anadia

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