Certo dia, o
meu avô prometeu-me que iríamos fazer um passeio no campo, banhado pelo rio
Cértima.
Apesar das
minhas múltiplas insistências o passeio prometido tardava em realizar-se.
No fim do dia,
tinha eu chegado da escola e eis que ouço a sua voz doce a chamar-me:
- Catarina,
Catarina! Amanhã vamos dar o passeio prometido.
- Que alegria
meu querido avô! Posso levar a minha máquina fotográfica para registar tudo o
que é mais importante ver?
- Sim, mas
tem atenção ao peso da tua mochila!
- Está
descansado.
Nesse momento
apareceu, vinda do aido, a minha avó Júlia, que ficou curiosa com a conversa
que eu estava a ter com o marido e inquiriu:
-Também posso
saber o que estão a combinar?
- São coisas
nossas, mas que tu também podes saber e até ajudar-nos. Estamos a planear fazer
um passeio, mas falta preparar o lanche atendendo a que vai demorar umas boas
horas – indiquei-lhe eu.
- Deixem isso
comigo e prometo-vos que não passarão fome. Quero que disfrutem desse dia ao
máximo.
- Isso é que
é falar mulher! - respondeu com felicidade o meu avô.
A avó Júlia
respondeu que tinha muito a fazer em casa e lá se foi para realizar as lides
domésticas.
- Então, a
que horas partimos amanhã? - perguntei ansiosa.
- Como os dias
já são maiores, talvez devêssemos sair mais ao menos às 8:00 horas.
Mal dormi
toda a noite, tal era a ansiedade que tinha em percorrer aquela vasta planície
e o rio Cértima, que só conhecia de longe quando vislumbrava a água do rio a
transbordar e as margens a espraiar-se pelos campos vizinhos, formando um
grande lago. Era a época das cheias diziam os agricultores.
No dia
seguinte acordei às 7:00 horas da manhã, tomei o pequeno almoço e dirigi-me
logo para casa do organizador do passeio, que também já estava preparado e que
sorriu quando me aproximei. Vestia um fato de treino azul confortável, umas
sapatilhas da mesma tonalidade e um boné. Coloquei na mochila o delicioso
repasto que a minha avó tinha preparado com tanto carinho.
- Então senhor
Guia, para onde vamos? – disse eu a brincar e pular.
- Já vais ver,
vamos começar esta aventura!
Começámos a
descer um caminho térreo, muito inclinado que nos levou até um caminho onde
passavam os carros puxados por corpulentos bois.
Percorremos
algumas dezenas de metros quando, de repente, dei um grito de medo, pois um
animal que eu nunca tinha visto pulou à minha frente. Era uma rã, um anfíbio
inofensivo.
Tirei da
minha mochila a máquina fotográfica e registei a imagem dessa rã que,
entretanto, tinha saltado para cima de uma pequena pedra.
Entretanto lá
continuámos a nossa viagem que ficará na memória de ambos. Deixámos o caminho
principal e embrenhamo-nos num estreito carreiro que nos levou até a umas casas
velhas construídas junto ao rio.
- O que é
isto avô? - perguntei eu.
- É um moinho
que reduz o grão de milho, trigo, centeio ou outros cereais em farinha.
- Conta-me
como isso se faz!
- Eu gostaria
que fosse o dono do moinho a contar! Espera aqui que eu vou ver se ele está em
casa pois, gostava que fosse ele a mostrar-te e a explicar-te como se
transforma o cereal em farinha.
Logo de
seguida, apareceu o avô com um homem de idade avançada, cabelo grisalho e bem
aprumado que vestia umas calças cinzentas e um casaco castanho todo enfarinhado
e com ar muito simpático.
- Eu sou o
Malgas, mais conhecido por moleiro. Trabalho desde sempre com a minha mulher Maria
Moleira – apresentou-se o senhor.
O Malgas
disse-nos que iria mostrar o moinho, mas que devíamos ter muita atenção quando
colocávamos os pés no estrado do mesmo pois já era muito antigo. Foi para mim
uma grande surpresa saber como funcionava este meio tão ancestral movido a
água.
As empenas,
onde as águas do rio batem, fazem mover um eixo onde, mais acima, estão as
pedras de moer, uma fixa e a outra fortemente ligada ao eixo que a água faz
rodar. Segundo as explicações do Malgas, o cereal a moer é colocado numa caixa
colocada num plano superior ao das pedras que estão muito pouco afastadas. O
milho vai caindo para uma fenda e fica a ser esmagado pelas pedras de moer,
assemelhando-se a um milagre que transforma o grão do cereal em farinha.
Vi tudo o que
quis, mexi no milho e no trigo, meti as mãos na farinha e só compreendi o meu
verdadeiro “estado” quando o Malgas me chamou Moleira. Estava completamente
enfarinhada, maravilhada com tal atividade.
Como recompensa
trouxe um saco com farinha de milho que ajudei a moer para confecionar uma broa
no forno a lenha.
Deixámos para
trás o ruído do moinho e seguimos por um pequeno carreiro que passava junto ao
leito do rio. Vi peixes, uns maiores que outros, muito pequenos que disputavam
as migalhas de pão que eu lançava à água, migalhas que haviam crescido do
almoço que comemos com voracidade.
Aventurei-me,
depois de me descalçar e entrei na água fria do rio, sob a atenção e proteção
do meu avô. Pulei de pedra em pedra na esperança de agarrar um dos peixes que
nadavam em seu redor, mas nem um consegui agarrar, que desilusão.
- Avô! Avô!
Que peixe é aquele que ali anda?
- Não te
assustes! É uma cobra da água.
O meu avô foi-me
buscar ao meio do rio porque eu fiquei apavorada. Assim que se aproximou a
cobra deslocou-se de forma tão veloz que nem me apercebi do seu afastamento.
Lembrei-me de imediato do que aprendi sobre este réptil, ovíparo, um animal
vertebrado com o corpo coberto de escamas e que me repugna.
De novo no
caminho ainda podíamos ir visitar o Cabeço da Mama, um local idílico da região,
mas declinei esta visita pois sentia-me exausta.
Parámos, sentámo-nos numas pedras a descansar e a
ouvir o chilrear dos pássaros que sobrevoavam pelo local. Estava na altura de
regressarmos a casa e de finalmente poder partilhar todos os momentos vividos
com a restante família.
Foi um dia
maravilhoso e memorável, que nunca mais irei esquecer e do qual resulta um
enorme sentimento de agradecimento ao meu avô, por me ter permitido vivenciar
experiências tão enriquecedoras que irão fazer com que me torne um ser humano
mais completo.
Catarina Moreira Maia Novo | Centro Escolar de
Sangalhos