Eu
era um simples cão. Não tinha raça, nem pedigree,
não tinha nada. Era simplesmente um cão.
Era
mais um de uma ninhada de cinco, o último por acaso e já não esperado, porque
atrasado como fui, julgavam que a cadela que era a minha mãe já tinha deitado
tudo cá para fora, como ouvi alguém dizer na altura do meu nascimento. Era,
talvez por isso, um ser minúsculo e muito insignificante. Foi fácil para todos
os meus irmãos e irmãs serem apreciados e de imediato escolhidos pelas crianças
que visitaram o canil, onde nos encontrávamos. Pois, esqueci-me de dizer, a
minha mãe tinha sido recolhida da rua, era uma vadia. Não foi abatida porque
estava prenha.
Eu
via-os dizerem-me adeus um a um, com aquela alegria no olhar de quem encontrou
a sorte e sentia-me cada vez mais triste, mais sozinho, abandonado e muito, mas
mesmo muito perdido e antevendo já o meu triste destino. As longas horas
pareciam eternas e os gritos daqueles que partiam, não escolhidos pelos humanos
que nos visitavam, mas pelos que ali trabalhavam, aliados aos silvos
estridentes daqueles que chegavam, ecoavam nos meus ainda débeis ouvidos. Queria
sair dali, mas ainda era tão dependente e mesmo que o não fosse, nunca o iria
conseguir. Porém, de que me estava a queixar?! Afinal, aquilo que eu escutava
dos outros não podia ser verdade, pois eu até estava a ser bem tratado, tinha
sempre o leite não da minha mãe, pois ela morrera durante o parto, devido ao
estado em que se encontrava, mas dado de um biberão por uma senhora muito
simpática, a Dra. Sara.
Eu
já não a vi viva e nem a cheguei a ver. E, se me perguntam se tenho saudades
dela, nem sei dizer, pois a verdade é que nunca a conheci. Contudo, lembro-me
bem do quentinho dela.
-
Eu quero aquele, papá.
-
Adriana, aquele é tão pequenino e nem tem raça nenhuma. Afinal tu sempre
desejaste ter um cão labrador e aquele não tem nada a ver com eles.
-
É aquele que eu quero. - insistia a criança.
-
Tudo bem, mas depois não te arrependas, isto não é um boneco, é um animal e é
para a vida.
Era
por causa de mim que aqueles humanos estavam a discutir. Parei os meus
pensamentos e tomei atenção ao que estavam a dizer, mas… afinal devia ter
ouvido mal. Pois viraram-me as costas e foram embora. Claro, como poderia
alguém escolher-me? Eu nem sequer era vistoso e bonito como os meus irmãos. Era
bem mais pequenino. Sim, tinha que me mentalizar que iria ter o destino daqueles
que eram trazidos para ali e que iam para a “chacina” como diziam, embora eu
ainda não percebesse muito bem o que queria dizer.
Estarei
a ver bem?! Eles estão a voltar com o encarregado e não é possível! Estão a
abrir a minha jaula e … o que é isto?! Ah! Como é que o humano lhe chamou
mesmo? Adriana, Adriana. A Adriana está a pegar em mim ao colo e, e, e … uau!
Sabe tão bem! Tão bem que me apetece lambê-la.
-
Olha, pai, ele gosta de mim. Ele já me adotou. Está feliz comigo. Está a dar-me
beijinhos.
Naquele
dia nasci outra vez e a minha felicidade não ficou por aí. Continuamos juntos.
Aliás, eu e a Adriana somos inseparáveis.
Perdido?
Nunca mais me senti, mesmo agora que já começo a ficar mais velhote, pois os
anos para os cães pesam mais que nos humanos e já lá vão quase dez!
Adriana
Matos, O Ciclista
Nota:
Imagem retirada da Internet.
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