Ler
um livro, não é fazer um voo rasante sobre as palavras. É mergulhar nelas, como
se nos quiséssemos molhar, sem, contudo, perdermos o pé e, nos afogarmos, na
complexidade ondulante da narrativa.
Ler
um livro é, também, desmontar o pensamento do narrador, e ir para além do
conteúdo, descobrindo o teor, quantas vezes contido nas mensagens subliminares
que se encontram nas entrelinhas e, sobre as quais, o nosso espírito crítico,
deve estar alerta para as poder diferenciar.
Se
lermos um determinado autor, cujos pensamentos políticos, religiosos e outros,
já conhecemos e, com os quais, não nos identificamos, não é razão para não o
lermos, bem pelo contrário, sob pena de perdermos a oportunidade de lermos
grandes obras úteis à nossa formação, como pessoas, devido a preconceitos de
ordem ideológica, religiosa ou qualquer outra.
Isso,
requer muita atenção e treino, mas, sem cairmos no exagero de levar à letra
este pensamento - senão, arriscamos-nos a adoptar, uma postura de permanente
desconfiança, para com os escritores.
A
leitura, deve por tudo isto, ser um acto, que, num generoso amplexo, passemos a
sentir, que, na “alma” de cada livro lido, havia afinal um pouco da nossa
própria alma que ainda não conhecíamos. Assim, a leitura, leva-nos a descobrir
aquela parte de nós, onde se escondem capacidades de entendimento e apreensão
que, de outra maneira, levaríamos muito mais tempo a descobrir.
O
prazer da leitura não é mensurável, senão por nós mesmos. É, provavelmente, uma
das poucas actividades que é particularmente relaxante e, simultaneamente,
enriquecedora do nosso saber e competência.
Alguns
escritores afirmam peremptoriamente que, eles próprios lêem muito. Não o que
eles escrevem, mas aquilo que outros escritores escrevem, e que só com muita
leitura, conseguem a “bagagem” suficiente para “deitarem mãos” à complexa obra
que é “construir uma história” e espelhá-la num livro. Há, porém, quem
acredite, que os escritores lêem muito pouco, para além dos grandes clássicos
que já leram. Eu prefiro, ainda assim, pensar que os escritores lêem.
“Permitam-me
que termine juntando o poema (Liberdade) de Fernando Pessoa.”
Este
poema é a completa desconstrução de tudo o que acabo de escrever, mas de uma
forma, a que só os génios têm a capacidade de aceder. Por isso, achei que fazia
sentido, juntá-lo ao trabalho que aqui vos apresento.
João Farinha
Margarido Chamiço, CQ, Escola Básica e Secundária de Anadia
Liberdade
Ai
que prazer
Não
cumprir um dever,
Ter
um livro para ler
E
não o fazer!
Ler
é maçada,
Estudar
é nada.
O
Sol doira
Sem
literatura
O
rio corre, bem ou mal,
Sem
edição original.
E
a brisa, essa,
De
tão naturalmente matinal,
Como
o tempo não tem pressa...
Livros
são papéis pintados com tinta.
Estudar
é uma coisa em que está indistinta
A
distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto
é melhor, quanto há bruma,
Esperar
por D. Sebastião,
Quer
venha ou não!
Grande
é a poesia, a bondade e as danças...
Mas
o melhor do mundo são as crianças,
Flores,
música, o luar, e o sol, que peca
Só
quando, em vez de criar, seca.
Mais
que isto
É
Jesus Cristo,
Que
não sabia nada de finanças
Nem
consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa, in “Cancioneiro”
Sem comentários:
Enviar um comentário