Endereço de correio eletrónico

ociclista@aeanadia.pt

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Um amor improvável



Premiado com o 1º lugar, género narrativo, na categoria do 3º ciclo.
Parabéns Ema!


Já passara muito tempo desde que o último arco-íris animava os céus da conhecida Área Enigmática.
Os primeiros raios solares penetravam no céu de tons de cinzento, ora claro, ora escuro. Não havia sons. De facto, desde o início da guerra que não existiam sons malignos, mas infelizmente também não se ouviam os sons sublimes. No ar pairava a questão: o que é a paz?
Ora, os  nossos antepassados tanto a desejaram que agora aqui está ela, disfarçando a guerra que decorria. Milénios depois aprendemos o custo da paz. Agora, apenas há um governo, apenas um país, apenas um povo.
A meio do século XIX os conflitos começaram a reaparecer. A Rússia, agora chamada de Alfheim, tomou o mundo, prometendo a paz.
«Apontam armas ao mundo e chamam-lhe proteção.» É o que penso sempre deste regime. Mas quem sou eu para difamar esta "gloriosa" nação? Um cientista? Um médico? Um professor universitário? Não, apenas um Soldado da Paz, ou como gostam de chamar, stormtrooper.
- Boryenka? -  é soado o meu nome com um grito abafado no ar - Para de rabiscar nesse teu caderno e vem já aqui, caloiro!
 O meu trabalho é controlar ou manter a paz, na Área Enigmática. Secção Norte central. A minha quadrilha, a Quadrilha Relâmpago, como gostamos de nos designar, não tem anomalias nem nada preocupante. O chefe da quadrilha, o velho Pavel, conta sempre as mesmas histórias já há muito ouvidas. O início da guerra, a cedência do resto do mundo a Alfheim, governada por Lhyr, «Deus do submundo».
- Diz a lenda - continuava Pavel com as suas histórias intermináveis, enquanto o resto de nós suspirava de desespero - que Lhyr não é humano, é antes um raio de luz  proferido pelo sol para iluminar o caminho da salvação ao nosso planeta.
- Isso é tudo treta! - retorquiu rapidamente Alek, o terceiro membro da quadrilha.
- Que as câmaras informadoras não te estejam a filmar, neste momento, meu filho.
Enquanto a batalha de palavras entre eles decorria, caminhei um pouco até à fronteira leste, passando por inúmeros ecrãs onde eram exibidas propagandas do governo de Lhyr, retratado como um deus omnipotente. Porém, nunca eram ultrapassados os limites. Ele era, pois, um ser normal,  mas subestimava-se maior que todos os outros. E era assim o nosso regime. Contudo, nunca segui nenhuma das leis do grandioso lorde. Apenas a ordem e a segurança. Foco-me somente nisso. E, de facto, renunciei a todos os prazeres para poder dar isso às pessoas, que já não aguentam mais uma guerra.
 De repente, ouço um barulho estridente a interromper os meus pensamentos. Volto-me e vejo um miúdo pequeno, provavelmente órfão, com um espigão de ferro. A criança assustada gaguejava palavras indecifráveis, e eu vi o medo nos seus olhos. A criança certamente estava assustada de morte com receio que a prendesse no momento ou a mandasse para a fábrica até pagar os reparos.
- Sabes, miúdo, - suspirei eu - uma das coisas que um stormtrooper tem de ter sempre é um reparador. E um limpa-vidros!
Ele sorriu e, de seguida, gaguejou:
- De-descul-ul-pe-pe, nã-o-o era-ra minha inten-en-ção.
- Vai-te lá embora, miúdo. Eu trato disto - afirmei, passando a mão pela sua cabeça loira.
O miúdo largou, de imediato, o espigão e desatou a correr pela vasta rua imunda. Facilmente emendei o ecrã e continuei a minha jornada. Momentos depois, inexplicavelmente tropecei e fiquei deitado no chão, olhando para a fronteira leste. Alguém estava a atravessar a vedação. Corri até lá o mais rápido possível. Puxei o ser em causa. Neste caso, uma rapariga. A criatura que se aproxima mais da perfeição e a mais esbelta que alguma vez vi, com os olhos claros e límpidos como a água e os cabelos castanhos como avelãs e esguios como a seda. Trazia um uniforme branco igual ao meu, com o capacete branco na mão. A clareza da neve com os tons negros das nuvens escuras, a ofuscar o sol, iluminavam e escureciam a sua pele pálida, o que a tornava ainda mais bela.
- Deixa-me! - ordenou ela, de forma rude.
Hesitei um pouco e depois gaguejei:
- Hmm... não podes passar... Hmm... Onde arranjaste o fato?
 Ouviu-se o som de metal a roçar no chão. Ela fitou-me corada e disse:
- Sou a Naidi, senhor Boryenka - enquanto ajeitou a plaqueta com o meu nome.
Sorri e deu-me um beijo nos lábios. Nesse mesmo instante, o meu peito tornou-se palco de guerra. As explosões de calor e os tiros que o meu coração dava inundavam-me o peito. Rapidamente ela agarrou a peça metálica do chão, largou o capacete e correu entre o nevoeiro para lá da fronteira. Nem pensei duas vezes, pois corri atrás dela agarrando o capacete, e gritando o seu nome. De repente, avistei umas luzes coloridas, era uma cabana pequena de betão. Ela parou e afirmou:
- São luzes de Natal. Lindas não são?
Fiquei maravilhado. Luzes de Natal… Como seria possível?!
Naidi entrou e eu segui os seus passos.
- É melhor afastares-te já, minha estrela guia. - reclamou ela, de forma doce.
Enquanto isso, o meu coração não parava de disparar. De facto, senti que nunca amara alguém como ela, nem mesmo por breves minutos.
De seguida, Naidi ligou uma máquina barulhenta.
- O que é? - perguntei eu, curioso.
- O meu bilhete de ida para casa - afirmou, enquanto encaixava a peça de metal que levava na mão - Eu vi o que fizeste com o miúdo. Se tivesse sido outro, espancá-lo-ia. Foste deveras querido.
Ao ouvir tais palavras, senti-me orgulhoso e envergonhado ao mesmo tempo. Afinal deveria ter cumprido o meu dever, a minha função, mas o que é o orgulho comparado com a vida de um miúdo inocente?
Melodias animadas soaram pela pequena cabana.
- Tenho que ir, senhor Boryenka. - informou ela.
- Para onde? - questionei tristemente.
- Para onde pertenço - retorquiu ela - para o passado.
Uma tristeza profunda atingiu-me e, por entre soluços, indaguei:
- Vais voltar?
- Adeus, minha estrela guia. - disse ela, passando a mão na minha cara.
 Nesse preciso momento, cerrei os olhos suavemente, enquanto ela me  dava um beijo suave nos lábios. De seguida, entrou na máquina, clicou nuns botões aleatórios e gesticulou com a mão um sinal de despedida:
- Adeus! - saudei melancolicamente.
E ali ia ela. A única pessoa que alguma vez amei, mesmo que acabada de conhecer. E ali fiquei em pé com as lágrimas nos olhos, com o seu capacete ainda nas mãos, imaginando a sua vida e questionando-me se alguma vez a voltaria a ver.
Ema Ganhito Fadiga, nº 8, 9º A
Escola Básica nº2 de Vilarinho do Bairro, Anadia

Sem comentários:

Enviar um comentário