Premiado com o 1º
lugar, género narrativo, na categoria do ensino secundário.
Parabéns Sofia!
Eu
já fui como tu!
O
tempo passa revelando-se imparável e eu continuo aqui num sofrimento atroz,
recordando tudo o que já fui, tudo aquilo que já vivi um dia. Porém, parece-me
tão longínquo que às vezes duvido de mim mesma bem como das minhas memórias e
penso que jamais fui essa outra que recordo atualmente com tamanha saudade…
Eu
já fui como tu!
O
tempo passa mostrando-se, de facto, inabalável e eu ultimamente vivi num mundo
imundo e desconfortável.
Eu
já fui como tu! Uma menina sonhadora, cheia de planos para um futuro que lhe parece
sorrir. Traça planos, faz previsões, antevê situações e sonha, sonha com um
futuro que lhe sorri e a leva para um mundo sem fim, que explora a seu bel-prazer.
Eu
já fui como tu! Uma menina plena de esperança e de certezas, de convicções e de
ambições, com uma vida inteira pela frente para ser vivida. Um mar para ser
navegado, um espaço para voar, um mundo para descobrir…
Eu
já fui como tu! Uma filha de uma mãe e de um pai que se orgulham da filha linda
que têm. Que se riem das traquinices que faz, como qualquer criança faz. Que
sorriem com os seus sucessos e sofrem com os seus fracassos, mas que estão
sempre presentes a apoiá-la. Que a abraçam e beijam quando está triste. Que a
amam incondicionalmente.
Eu
já fui como tu! A irmã de alguém que te dá a mão, porque és tu. Que te ajuda e
apoia nas brincadeiras e no estudo. Que te ajuda nas frustrações e mágoas de
amores desfeitos. Que te guia, mesmo que lhe resistas.
Eu
já fui como tu! A menina que pratica desporto e que é muito boa naquilo que
faz. Seja o treinador, sejam os colegas, todos te apreciam.
Eu
já fui como tu! A colega respeitada e procurada por todos. Aquela que até é um
bom exemplo.
Eu
já fui como tu! A aluna daquela professora que te marca, que faz a diferença na
tua vida, pois para além de te ensinar as matérias, às vezes maçudas de qualquer
disciplina, ensina que a vida é mais do que isso. É feita de luta e
adversidades mas, tu, na tua ignorância, dás-lhe razão, contudo, nem a escutas.
Eu
já fui como tu! Aquela aluna exemplar que tira boas notas e de que todos se
orgulham.
Eu
já fui como tu! Como se perspetivasse um futuro risonho para mim, quando no
final da secundária consegui entrada na universidade.
Eu
já fui como tu! Aquela jovem menina que foi para a universidade com a mala
cheia de sonhos e de expetativas, de crenças e com um futuro risonho, mas muito
influenciável!
Eu
já fui como tu! Eu já fui como tu e desperdicei tudo! Por isso te digo: não
queiras ser como eu!
Não
queiras ser como eu! Eu que comecei por um simples sim. Sim, aceito aquela
passa, aquela noite e aquela falta do dia seguinte. Era só dessa vez. Só que
essa vez tornou-se mais uma e outra e mais outra e foram tantas as vezes que já
ninguém as pode contar.
Não
queiras ser como eu! O estudo fica para amanhã, as aulas recupero-as depois,
mas o depois nunca chegou.
Não
queiras ser como eu! Em que as idas a casa eram feitas de mentiras. Os meus
pais fingiam acreditar nas palavras ditas sem sentir, fugidas e traiçoeiras.
Via-lhes o rosto sofrido e nem queria saber, a minha vontade era correr para o
meu mundo.
Não
queiras ser como eu! Que não tive a coragem de abandonar aqueles que afinal não
eram meus amigos.
Não
queiras ser como eu! Uma cobarde que não soube dizer não. Como gostava de poder
apagar estes últimos anos da minha vida e voltar a viver e a saber dizer não!
Não
queiras ser como eu! Confrontada com a minha derrota, gozava a desgraça e
aniquilava ainda mais a vida dos meus pais, já por mim destroçada.
Não
queiras ser como eu! Cheguei a fazer de tudo o que de mau se pode fazer a uns
pais que tanto nos amaram e amam e que jamais nos abandonaram.
Não
queiras ser como eu! Deixava-me escorregar pela insensatez da droga que, cega,
surda e louca, roubava tudo a seus pais, até a filha.
Não
queiras ser como eu! Que acabei perdida nas ruas, fugida da clínica onde eles
“perversamente” me internaram para me curar!
Não
queiras ser como eu! Ingrata, traiçoeira e má, que apunhalei aqueles que sempre
me amaram e os repeli da minha vida para sempre.
Não
queiras ser como eu! Que só agora, que a vida me foge entre os dedos, aqui deitada
nesta cama de hospital, penso nos meus pais e eles nem sabem de mim.
Não
queiras ser como eu! Eu sempre quis que me deixassem, que não me encontrassem e,
hoje, gostava que eles me encontrassem, a fim de os poder ver uma última vez.
Gostava, pois, de lhes pedir perdão e dizer que queria ter sido a filha
perfeita que eles tanto merecem e que os amo.
Não
queiras ser como eu!
Na
verdade, os filmes que via em menina tinham sempre um final feliz. Em
contrapartida, o meu não é um final feliz. Estou no meu limite, as minhas
forças começam a abandonar-me e a culpa é só minha. Tudo o que fiz me levou a
este estado e mereço cada momento que estou a passar e, embora me arrependa,
gostaria que a minha história fosse uma mensagem para que todos os jovens
lutassem para terem um futuro sem drogas.
Agora
só te digo, peço, imploro até! Não queiras ser como eu!
Não
queiras realmente ser como eu! E sim, eu já fui como tu e, talvez por esse
motivo, neste meu suspiro final, não sei se sonho ou se é a realidade, mas o
que sei é que vejo o rosto sorridente dos meus pais que me estão a desejar
muita serenidade e sei que posso partir finalmente em paz!
Sofia de
Matos Pedrosa, nº 24, 10º B
Sem comentários:
Enviar um comentário