Foi-nos
pedido que redigíssemos um texto sobre o Dia Mundial do Braille que se celebra
hoje, dia 4 de janeiro. Este pretende, acima de tudo, chamar a atenção para os problemas
das pessoas que são invisuais.
Louis
Braille, que ficou cego aos 3 anos de idade, foi professor e compositor. Compôs
livros para facilitar o ensino e elaborou, com Foucault, um novo alfabeto para
cegos, também aplicado à música, à estenografia e ao cálculo, modificando
preponderantemente a educação dos mesmos.
Vamos, então,
apresentar-vos a história que decidimos criar.
Invisual não
incapaz
Senti
ternamente a felicidade da minha mãe. Depois, escutei-a delirante ao dar a
notícia ao meu pai. Como ele ficou também emocionado! Pegou nela e rodopiou-nos
aos dois no ar e, por fim, decerto exausto pelo esforço, lá acabou por nos
deitar no relvado do jardim que circundava a nossa casa e acariciar a barriga
onde eu ainda nem sequer me fazia notar.
Os meses
foram passando tão rapidamente que me vi no sufoco da saída para o exterior.
Pois, o sofrimento também é nosso!
Havia algo de
estranho. Falavam de cores, de muitas cores. Mas eu não as conseguia ver.
A mãe? O pai?
Escutava-os. Sentia-os. Mas não os via. Eu bem tentava abrir os olhos. Tinha-os
aberto. Ou não?! Sim, claro que tinha! O que se passava com eles? Porque não os
estava a ver?
A minha mãe
decerto que iria falar com o meu pai e ele ia ‘consertar’. Lembro-me de por
vezes ela dizer: “Amor, está uma torneira a pingar” e, logo de seguida, ele ia
arranjá-la. Portanto, para quê incomodar-me? O papá ia-me, com toda a certeza,
‘consertar’!
A médica
pediatra, como lhe chamaram, que me veio ver, disse aos meus pais que precisava
de falar com eles. Senti que eles ficaram muito agitados. Porque seria?
- Sabem… -
começou a pediatra. – o vosso filho é um bebé saudável.
- Por favor,
- disseram os meus pais em simultâneo. – diga-nos o que se passa.
- Com
certeza! O vosso bebé nasceu com uma deficiência visual.
- O que é que
significa? Estará a dizer-nos que é cego? – ouvi o meu pai a questionar.
- Sim. E,
infelizmente, não podemos fazer nada.
Senti, então,
a minha mãe levantar-se e pegar em mim ao colo.
- Sabes, meu
amor, és o ser mais maravilhoso e perfeito que eu já vi em toda a minha vida.
És fruto do amor de duas pessoas que vão cuidar de ti e fazer de ti um homem
fantástico, capaz de vencer barreiras.
Senti a força
daquelas belas palavras percorrerem o meu pequeno corpo como se um fogo
alastrasse pelas minhas veias e as mãos fortes do meu pai, que se juntaram a
esse abraço, e isso foi tudo o que eu precisei para compreender que a visão, ou
a sua falta, era apenas um pormenor.
Cresci
rodeado dessa força que os meus pais e depois também a minha irmã, dois anos
mais nova, me deram e continuam a dar.
Aprendi o
alfabeto Braille, o que facilitou bastante os meus estudos, era a minha forma
de ler, de estudar, de sonhar. Aliás, de sonhar com um futuro em grande como
sempre me ensinaram os meus pais, a mim e à minha irmã.
O Braille
abre-me fronteiras extraordinárias que me permitem ir cada vez mais longe. A
busca do conhecimento tornou-se parte de mim e eu sou feliz.
Atualmente
estou a estudar engenharia eletrónica. Na realidade, já estou a fazer o estágio
numa empresa e eles pretendem ficar comigo, pois gostam muito do meu trabalho.
E eu estou a adorar!
Dizem que um
invisual de nascença desenvolve outras capacidades, nomeadamente o sentido
auditivo. Talvez tenha sido esse que me tenha levado a estar tão atento a todos
os pormenores desde o dia que nasci.
Nunca me
esqueço do que os meus pais me disseram naquele dia no hospital: que eu iria
ser capaz de vencer barreiras. Penso que não sou só eu. Mas todos nós!
Adriana Matos e Sofia Pedrosa, O Ciclista
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