Há
muito tempo era uma miúda egoísta e apenas pensava na minha pessoa. Vivia
centrada em mim e só em mim. O
que me fez mudar? Talvez deva começar do princípio, para que possam compreender
melhor.
O
meu nome é Sabrina. Sou filha única. Bem, quase. Tenho um irmão, o Nuno. Só que
ele é tão mais velho do que eu que eu sou tratada como se fosse única, pois ele
já vive a vida dele autonomamente. Inclusivamente, ele acabou por contribuir,
também, para me tornar naquilo que fui e sou.
Eu
fui e sou, ainda e felizmente, a filha muito desejada dos meus pais. Mas, por
razões que agora não vêm ao caso, nasci tardiamente, já o meu irmão era um
rapaz universitário. Evidentemente, fui o centro de todas as atenções e, como
seria de esperar, mimada por todos. Pais e irmão.
Cresci
a sentir-me o centro do mundo, embora queira referir que nada disto me foi
ensinado pelos meus pais ou pelo meu irmão. Era, de facto, uma pessoa
arrogante, vaidosa, caprichosa e, apesar de todos os meus defeitos, sempre fui
a menina mais cobiçada da escola, o que fazia subir ainda mais o meu, já de si
enorme, ego.
Quando
entrei para a faculdade, mantive a minha atitude altiva e egoísta. Os meus pais
ofereceram-me um carro que, apesar de em segunda mão, me fazia sentir uma
estrela. Eu não podia andar sempre com ele, pois não havia dinheiro que
chegasse para o combustível. Os meus pais vivem bem, mas não são ricos e eu,
apesar de toda a minha altivez, nunca tentei mostrar ser mais do que aquilo que
realmente era, pelo menos desse pecado ninguém me podia acusar. Portanto,
habitualmente utilizava os transportes públicos e, muito esporadicamente, o meu
carro. Mas gostava de pegar nele, aos fins de semana, e dar umas voltas
frequentemente sozinha. Às vezes pegava num livro e despia a minha capa de
altivez e egoísmo, conduzia até à praia e deixava-me fascinar pelo ruído das
vagas que beijavam a areia, enquanto eu me envolvia com as palavras do livro
que me acompanhava.
Um
dia, durante o meu regresso a casa de um desses meus devaneios de fim de
semana, num dos raros momentos em que o Nuno me acompanhara, conversávamos
sobre a minha maneira de ser e como ele discordava da minha atitude. Ele dizia
que eu não era nada assim, que deveria mudar, pois era uma pessoa tão doce em
casa e tão diferente, quando estava com os meus colegas. Bla, bla, bla,…
Eu
escutava-o e, mesmo sabendo que ele tinha razão, tentava mostrar-lhe que não.
Foi aí que a nossa primeira discussão se iniciou. Não sei como, em dado
momento, talvez porque ainda fosse muito imatura, talvez porque estava muito
nervosa, virei-me para o Nuno e, nessa fração de segundo em que desviei o olhar
da estrada, não vi que desviei o volante para a berma. Quando me apercebi, era
tarde de mais e não pude evitar.
O
grito em uníssono, a saída sincronizada do carro, o contorno em perfeita
harmonia feita até à parte frontal do carro foi digna de qualquer medalha de
ouro. Infelizmente, não estávamos em competição e eu tinha cometido o maior
erro da minha vida. Ali, na frente do meu carro, jazia um pobre cãozinho,
vítima da minha distração e de toda a minha estupidez. Rapidamente, o Nuno
pegou nele e colocou-o no assento traseiro envolto na manta que eu desde sempre
trago comigo e transportámo-lo até à clínica dos animais.
Felizmente,
ainda hoje a Sortuda vive comigo, pois ela era uma cachorrinha vadia. Eu tive
sorte, uma vez que ela apenas teve uma lesão numa patinha, da qual ainda hoje
coxeia um pouco, mas é a companheira mais doce que podem imaginar.
“Há
males que vêm por bem”. Esta expressão popular tem realmente muito significado.
Pois, o que me aconteceu nesse dia mudou a minha vida. Não, não foi apenas
porque ganhei uma companheira, mas porque repensei toda a minha vida e deixei
que a minha arrogância, o egoísmo e a altivez me abandonassem de vez. Passei a
olhar os outros como iguais e a tentar ajudá-los, a cooperar com eles, como os
meus pais e irmão sempre me ensinaram.
Eu
sei que não consigo mudar o mundo, mas se consegui mudar uma pessoa, eu, talvez
isso já possa fazer a diferença e quem sabe eu consiga que outros mudem também
e possamos juntos tornar o Mundo num lugar bem melhor!
Sofia
Pedrosa, O Ciclista
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