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terça-feira, 18 de agosto de 2015

Mudanças na minha vida



O sol abrasador pairava sobre a minha cabeça e ameaçava o meu já frágil corpo e eu resistia a abandonar-me a essa lânguida servidão que queria aprisionar-me.
Tudo começou bem cedo. Era um dia igual a tantos outros. Um dia primaveril em que eu avizinhava a alegria e a esperança. Sentia-me desperta para a aventura e a confiança com que o encarei não diferiu de nenhum dos outros.
A Patrícia, a Maria, o Bernardo, o Edgar e o Pedro apareceram, num atropelo de palavras tal que o ruído tornou-se ensurdecedor. Juntei-me a este ambiente de puro divertimento, esquecendo a semana de estudo e de trabalhos da escola e, lançadas as mochilas às costas, encaminhámo-nos para a praia onde iríamos passar aquele belo dia solarengo.
O dia antevia-se fantástico, com o passeio junto ao mar e o desfrutar das mornas águas, onde nadámos por entre ondas e, depois, nos estendemos na dourada areia, gozando o prazer de sentir o calor a sugar a água salgada dos nossos corpos.
Num ápice chegou a hora de regressarmos e, até àquele fatídico momento, tudo decorreu numa harmonia ímpar. Diria mesmo invejável.
Saímos da praia e eu, como sempre, gosto de limpar bem toda a areia que trago comigo. Não posso ver nem uma pontinha nos meus “delicados pés”, como dizem em tom de gozo os meus amigos. Mais uma vez, era o que faziam quando tudo aconteceu. Eles já se distanciavam um pouco de mim, continuando eu sentada no banco que me servia de poiso. Debruçava-me, então, sobre os meus pés e não vi o que se passou, apenas ouvi os meus amigos a gritarem e senti algo de estranho. Senti a vida a fugir-me!
Recordo que senti o carro a esmigalhar-me contra o banco. Ouvia gritarem o meu nome. Pareceu-me escutar o ruído de ambulâncias que, na minha dor, tardavam em chegar. Tentei levantar-me, mas não me sentia. Tentei chorar, porém, nem uma lágrima escorreu. E, nesta minha ânsia, só me lembrei de ti: mãe! Tentei chamar por ti, mas não tinha voz.
Sinto tudo branco à minha volta e…
Onde será que me encontro?
Ouvi a tua voz. Falavas-me com o carinho de sempre. Contudo, denotei nela algo que não soube explicar. Invadiu-me uma ânsia que não compreendi. Havia qualquer coisa de errado. Só não sabia ainda o quê.
Lentamente abri os olhos e vi-te. Disfarçavas as lágrimas que ainda cobriam o teu belo, mas cansado rosto e pressenti nele o que ouvi na tua voz. Só continuei a não saber o quê.
A minha coragem estava-me a abandonar, mas a pergunta impôs-se:
- Mãe, o que é que eu tenho?
- Estás muito cansada, minha querida. Falamos mais tarde…
- Mãe, por favor! Quero saber agora.
A minha mãe, nesse mesmo instante, olhou para o meu pai solicitando o seu apoio. Ele levantou-se e foi ele que me falou.
- Querida, o condutor do carro estava alcoolizado, perdeu o controlo e bateu-te com muita força. Daí resultou uma compressão na parte lombar da tua coluna. Os médicos dizem que a situação pode durar apenas alguns meses e não ser definitiva. Ainda é cedo para darem um diagnóstico definitivo.
- Isso é bom, não é meu amor? - indagou a minha mãe.
- O que me estão a querer dizer? EU NÃO VOU PODER ANDAR MAIS?! - gritei eu.
- Filha, acalma-te. Como o papá te disse, ainda não há certezas.
- Por favor, deixem-me ficar sozinha.
- Mas,… - disseram os dois, em uníssono.
- Por favor, sim?
Depois da saída dos meus pais, o silêncio gritou na minha cabeça.
Toda a vida que projetei, os meus sonhos, as expetativas… onde as iria colocar? Como as iria realizar?
Deixei que a torrente de água invadisse os meus fatigados olhos e senti pena de mim mesma. Eu que gostava de correr, saltar, nadar e explorar os limites da vida estaria, a partir de então, presa para sempre a uma cadeira de rodas.
Os sentimentos que tive foram tantos, desde a revolta ao ódio. Revolta por me encontrar presa a um mundo que não procurei, ódio por alguém que me transformou, por alguém que não soube beber moderadamente e que destruiu a vida de outra pessoa inocente. Nesta minha reflexão viajei pelo mundo da incerteza e da amargura e, embora as palavras do meu pai tentassem ser de confiança, eu não queria acreditar nessa esperança.
Finalmente, cheguei a um instante de serenidade e, nesse momento, quis acreditar que não podia deixar-me abater, que poderia renascer. Tinha de ir à luta. Sim, iria lutar para vencer barreiras e, caso tivesse de o fazer numa cadeira de rodas, então assim seria, mas não era isso que iria derrubar os meus sonhos. Perturbou-os sim, acabar com eles, nunca!
Foi com este pensamento que consegui adormecer, pois, nesse momento, já mais tranquila, sabia que perante as dificuldades, embora pudessem ser imensas, a minha força de vencer seria sempre superior.
Adriana Matos, O Ciclista

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